Acórdão nº 0847824 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 29 de Abril de 2009
Magistrado Responsável | JOSÉ PIEDADE |
Data da Resolução | 29 de Abril de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Proc. Nº 7824/08-4 .ª Vara Criminal do Porto, Proc. nº ..../07.5TDPRT Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: Na 1ª Vara Criminal do Porto, processo supra referenciado, foi julgada B.........., acusada da prática, em autoria material e em concurso efectivo, sob a forma continuada, de um crime de furto qualificado, de falsificação de notação técnica e de quebra de selos, p. e p., respectivamente, nos arts. 26º, 30º, 203º, nº1 e 204º, nº 1, al. a), por referência ao art. 202º, al. a), 258º e 356º, todos do CP.
A C.........., SA deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de €7.140,83, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento.
Após Audiência de Julgamento, foi proferido Acórdão com o seguinte dispositivo: - julgar improcedente, por não provada, a acusação e, em conformidade, absolver a arguida B.......... da prática, como autora material e em concurso efectivo, sob a forma continuada, de um crime de furto qualificado, de falsificação de notação técnica e de quebra de selos, p. e p., respectivamente, nos arts. 26º, 30º, 203º, nº1 e 204º, nº 1, al. a), por referência ao art. 202º, al. a), 258º e 356º, todos do CP; - não conhecer do pedido de indemnização civil formulado por C.........., SA contra a demandada B.......... .
*Deste Acórdão recorreu o MºPº, formulando as seguintes conclusões: O douto Acórdão recorrido deu como provado que a arguida, após a C.........., SA ter suspendido o fornecimento de energia eléctrica à sua residência, face ao não pagamento das facturas, nas duas circunstâncias de tempo aí mencionadas, contra a vontade e sem o conhecimento daquela entidade, fez uma ligação directa na coluna da rede pública de fornecimento de energia, apoderando-se de energia eléctrica no montante global de €5.861,09 (IVA incluído), tendo, no entanto, considerado que tal apropriação era legítima, face ao registo no contador existente na residência da arguida de energia eléctrica consumida pela mesma, pelo que a absolveu da prática do crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1 e 204º, nº 1, al. a) do CP, por que estava acusada; No entanto, a apropriação de energia eléctrica levada a cabo pela arguida é ilegítima porque é efectuada contra a vontade de quem de direito, da sua legítima proprietária, a C.........., SA, que suspendera o fornecimento de energia eléctrica à residência da arguida no exercício de um direito que lhe assiste, face ao disposto no art. 7º, nº 2 do DL nº 184/95, de 27/07.
E pelo facto de a C.........., SA, na sequência das duas vistorias que levou a cabo, ter descoberto a ligação directa efectuada pela arguida e ter podido contabilizar a energia eléctrica que a mesma consumira e que ficara registada no contador, não significa que a arguida não tenha tido acréscimo patrimonial, correspondente ao valor da energia eléctrica consumida, com o correlativo prejuízo económico daquela entidade; Por outro lado, o Acórdão deu como provado o elemento intencional exigido pelo tipo do crime de furto, a ilegítima intenção de apropriação, ao dar como provado que a arguida agiu com o propósito concretizado de consumir energia eléctrica, no mencionado valor global, contra a vontade e sem o consentimento da denunciante C.........., SA, usufruindo dela, com perfeito conhecimento de que não lhe pertencia; E, ao dar como não provado, contra as regras da experiência comum, que a arguida sabia que tal conduta era proibida e punida por Lei, quando dera como provado que a mesma tinha perfeito conhecimento que não podia efectuar as ligações directas e que sabia que a energia eléctrica lhe não pertencia e que actuava contra a vontade e sem o consentimento da C.........., SA, enferma o douto Acórdão recorrido de erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410º, nº 2, al. c) do CPP; No entanto, a restante matéria de facto apurada permite a modificação da decisão da matéria de facto, nesta parte, não havendo necessidade de reenvio do processo para novo Julgamento, nos termos do disposto no art. 426º, nº 1 do CPP, devendo, em consequência, der dado como provado que a arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida por Lei; O Acórdão recorrido deu, pois, como provados todos os elementos constitutivos do crime de furto, integrando-se os factos dados como provados na previsão do crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1, e 204º, nº1, al. a) do CP, por que a arguida estava acusada, atento o montante global de energia eléctrica subtraída, €5.582,00 (€3.509,13 + €2.072,87); Ao não entender assim, absolvendo a arguida da prática de tal crime, violou o Acórdão recorrido os referidos preceitos legais.
Termina pedindo que seja revogado o Acórdão recorrido, nesta parte, condenando-se a arguida pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1, e 204º, nº1, al. a) do CP.
*A este recurso respondeu a arguida, B.........., defendendo a improcedência do recurso e invocando a extinção do direito de queixa, dizendo, em síntese: «Da matéria de facto provada decorre que a C.........., SA, em Outubro de 2004, apercebeu-se do consumo de energia eléctrica - facto 5 da matéria de facto provada.
De modo que em Fevereiro de 2005 notificou a arguida para efectuar o pagamento do consumo no período de Novembro de 2001 a Dezembro de 2004, no valor total de €3.684,58 - facto 7.
O crime de furto qualificado, à data do conhecimento destes factos (Outubro de 2004) preenchia-se com a apropriação de €4.450,00 - valor elevado para efeitos do art. 204º, nº 1, al. a) e 202º, al. a) do CP.
O valor consumido, à data, era inferior ao valor considerado para efeitos da qualificativa.
Estamos então perante um crime de furto simples, dependente de queixa, a exercer no prazo de 6 meses. Portanto, até Abril de 2005.
A queixa da C.........., SA foi apresentada em Abril de 2007.
Excepciona-se, relativamente a estes factos (factos 5 e 7) e montantes, a caducidade do direito de queixa.
Que, no reconhecimento, deverá determinar a reformulação da decisão.
São manifestamente improcedentes todas as conclusões do recurso do MºPº, que deve ser rejeitado.
Deve ser integralmente confirmada a modelar Sentença da 1ª Instância que não enferma de qualquer dos vícios apontados.»*Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto defende a procedência do recurso, escrevendo, nomeadamente: "É de todo incompreensível e contrário a todas as regras da experiência comum e da lógica que sejam dados como provados, como aconteceu, todos os factos referidos sob os nºs 1 a 14 do Acórdão recorrido, e seja dado como não provado o facto "a arguida sabia que tais condutas eram proibidas e punidas por Lei".
Mais ainda, é incompreensível dar-se como não provado tal facto, sem dar como provado, ao mesmo tempo, que a arguida padece de anomalia mental que a impede de valorar e avaliar correcta e devidamente a ilicitude da sua conduta e de se determinar de acordo com tal avaliação, ou que ela habita noutro país ou noutra cidade, pois é do conhecimento generalizado de todas as pessoas adultas - não padecentes de anomalia mental que afecta o conhecimento básico - no nosso país, de Norte a Sul, na maior cidade e na mais pequena aldeia servida por electricidade, que a energia - electricidade, fornecida pela e através da rede pública, é coisa alheia, tem que ser paga e que só pode haver ligação à rede com autorização da entidade ou empresa que explora essa rede de fornecimento, no caso, a C.........., SA, e que as ligações directas à rede sem autorização e sem pagamento da electricidade retirada da rede desse modo são crime. Esse conhecimento generalizado nem precisa de ser demonstrado, pois ele resultou da sua difusão e sedimentação ao longo dos tempos à medida que eram instaladas por todo o país, cobrindo-o quase todo, as linhas de condução e de fornecimento de electricidade.
Portanto, tal facto não provado é resultado de um evidente erro na apreciação da prova, erro que ressalta ao simples observador médio depois de ler os factos provados de 1 a 14. Esses factos provados, com pleno apoio na prova produzida e examinada em Audiência, nem sequer contrariados pelas respostas da arguida, e as regras da experiência comum, a observar na análise e valoração da prova e a não violar, impõem que se dê por provado aquele facto dado como não provado.
Por sua vez, também é manifesto o erro na qualificação dos factos provados descritos de 1 a 14, no texto da decisão recorrida, pois esses factos consubstanciam os elementos, objectivo e subjectivo, do crime de furto qualificado, como demonstra o MºPº na motivação, crime pelo qual a arguida deve ser condenada, uma vez que não foram dados por provados factos que consubstanciem uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
*Ao Parecer respondeu a arguida, dizendo que «deve ser mantida a decisão de absolvição da arguida».
*Com...
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