Acórdão nº 228/04.4TBILHV.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelDRª SÍLVIA PIRES
Data da Resolução03 de Março de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra Os Autores instauraram a presente acção declarativa, com processo ordinário, pedindo a condenação da Ré a: a) deixar imediatamente livres e devolutas e a entregar aos Autores as divisões que ocupa no primeiro andar do edifício identificado (no art. 1º da petição inicial) e que integrarão a fracção que, pelo contrato referido, se comprometeu a vender aos Autores; b) pagar aos Autores a indemnização de € 1.000,00 por mês desde 20 de Dezembro de 2003 até à data da entrega das referidas divisões aos Autores; c) pagar a sanção pecuniária compulsória de € 1.000,00 por dia desde o oitavo dia após citação até à do efectivo cumprimento do pedido na alínea a).

Para fundamentarem a sua pretensão alegam, em síntese: Ø A Ré é proprietária de um prédio urbano, sito na Gafanha da Nazaré, tendo a mesma, por contrato de 20 de Dezembro de 2001, prometido vender-lhes, a eles, ou a sociedade por eles nomeada, até à realização da respectiva escritura, parte do primeiro andar desse edifício, pelo preço de 20.000.000$00 (€ 99.759,58).

Ø O preço foi pago na sua totalidade, tendo-se a Ré obrigado a submeter aquele prédio ao regime da propriedade horizontal, por forma a que a parte prometida vender constitua uma fracção autónoma.

Ø A Ré não obteve os documentos necessários para o efeito.

Ø Foi também acordado que os Autores entrariam, na data da celebração daquele contrato, na posse da parte do imóvel prometida vender, ficando a Ré a usar, gratuitamente, durante dois anos, as divisões que aí ocupava, que deveria deixar livres em 20 de Dezembro de 2003.

Ø A Ré recusa-se a entregar as divisões do imóvel que ocupa, tendo as mesmas um valor locativo não inferior a € 1.000,00 por mês.

A Ré contestou, alegando em síntese: Ø É obrigação dos Autores promoverem as diligências necessárias à constituição da propriedade horizontal, o que não têm feito, além de ser da sua responsabilidade a realização das obras necessárias para tal.

Ø A Ré apenas está obrigada a assinar os documentos necessários, gozando, como proprietária, do pleno direito de uso sobre tal imóvel e ditas divisões, não podendo eles ter posse própria sobre as mesmas com base em tal contrato-promessa, sendo a referida cláusula nula.

Ø Sendo improvável o deferimento do pedido de viabilidade de constituição da propriedade horizontal resta aos Autores receberem o valor que pagaram no âmbito daquele contrato, tendo na mesma data sido celebrado um outro contrato-promessa de compra e venda de quotas sociais, onde vem indicado o pagamento de 20.000.000$00, como quitação do preço da venda daquela fracção, não tendo aqueles pago o valor que referem.

Ø Os gerentes não tinham autorização para vender aquele imóvel, pelo que tal contrato é nulo.

Concluíram pela improcedência da acção.

Os Autores replicaram, concluindo pela improcedência das excepções invocadas.

Veio a ser proferida sentença que julgou a causa nos termos seguintes: Pelo exposto, decide-se: a) condenar a Ré a deixar imediatamente livres e devolutas e a entregar aos Autores as divisões que ocupa no primeiro andar do edifício (identificadas em r) supra) e que integrarão a fracção que, pelo contrato referido, se comprometeu a vender aos Autores; b) condenar a Ré a pagar aos Autores a indemnização mensal que se vier a liquidar, com o limite do pedido a esse respeito (€ 1.000,00 mensais), desde 20 de Dezembro de 2003 até à data da entrega das referidas divisões aos Autores; c) condenar a Ré a pagar a sanção pecuniária compulsória de € 300,00 (trezentos euros) por dia, a contar da notificação da sentença e até à da efectiva entrega daquelas divisões aos Autores (sendo esse montante destinado, em partes iguais, aos Autores e ao Estado); * Inconformada com esta decisão dela interpôs recurso a Ré, apresentando as seguintes conclusões: (.................................................................................) Conclui pela procedência do recurso.

Foram apresentadas contra-alegações que concluíram pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.

* 1. Do objecto do recurso Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cumpre apreciar as seguintes questões: (.................................................................................) f) O contrato-promessa é nulo porque foi celebrado sem a Assembleia Geral da Ré ter autorizado a sua outorga? g) O contrato-promessa é nulo porque não foi respeitada a tramitação prevista no art.º 397º, n.º 2, do C.S.C.? h) O mesmo contrato-promessa é nulo porque se destinou a satisfazer interesses pessoais dos sócios da Ré e dos Autores, alheios aos fins da Recorrente? i) A exigência do cumprimento duma cláusula do contrato-promessa pelos Autores traduz-se num abuso de direito porque estes sabem que não é possível a constituição da propriedade horizontal, não provaram ter efectuado diligências no sentido de a obterem e não a obtiveram? j) Não foi demonstrada a existência de prejuízos que justifiquem a procedência do pedido indemnizatório? l) A falta de prova do valor locativo da parte do prédio em causa não permite uma condenação em quantia ilíquida? m) A indemnização não poderá reportar-se a um período com início em 20/12/2003? n) Não pode a recorrente ser condenada numa sanção compulsória? o) O termo inicial da sanção compulsória não pode fixar-se em momento anterior ao trânsito em julgado? p) A fixação do termo inicial da sanção compulsória em momento anterior ao trânsito em julgado viola princípios constitucionais? * 2. Da nulidade da sentença (.....................................................................) * 3. Os factos 3.1. Da necessidade de ampliação da matéria de facto (.....................................................................) 3.2. Da impugnação da matéria de facto considerada provada (.............................................................................) 3.3. Factos provados (.............................................................................) * 4. O direito aplicável 4.1. Da nulidade do contrato-promessa A sentença recorrida fundamentou a condenação da Ré a restituir aos Autores parte de um imóvel e a pagar-lhes uma indemnização pelo atraso nessa restituição e uma sanção compulsória na obrigação assumida por aquela, em contrato-promessa, celebrado entre ela, como promitente-vendedora, e os Autores, como promitentes-compradores, de ceder a estes antecipadamente a posse da parte do imóvel prometida vender.

A Ré questiona esta condenação, invocando, além do mais, a nulidade daquele contrato-promessa.

Fundamenta esta nulidade nas seguintes causas.

- era impossível a constituição em propriedade horizontal do prédio que integrava a parte prometida vender; - o contrato-promessa foi outorgado pelos representantes da Ré sem autorização da Assembleia Geral; - o contrato-promessa foi outorgado sem que tenham sido cumpridas as formalidades previstas no art.º 397º, do C.S.C.; - a celebração do contrato-promessa destinou-se a satisfazer interesses pessoais dos sócios da Ré e dos Autores, alheios à Recorrente.

4.1.1. Da impossibilidade de constituição da propriedade horizontal Os Autores, como promitentes-compradores, e a Ré, como promitente-vendedora, celebraram um contrato-promessa de compra e venda de parte de um prédio urbano, ficando a última obrigada a submeter o referido prédio ao regime da propriedade horizontal de forma a que a parte prometida vender constituísse uma fracção autónoma.

Foi acordado que a escritura do negócio prometido seria celebrada no prazo de 30 dias após a conclusão do processo de constituição da propriedade horizontal e respectivo registo consignando-se que "na eventualidade, remotamente considerada, de ser legalmente impossível a sujeição do prédio ao regime da propriedade horizontal" a Ré restituiria aos Autores a quantia de 20.000.000$00 "relativa ao preço por ela já recebido".

Incidindo o direito de propriedade sobre a totalidade das coisas que constituem o seu objecto, não podem as suas partes integrantes ou componentes serem objecto de direito de propriedade de titular diferente, sendo o destino jurídico da coisa unitário.

Daí que para se proceder à venda de parte concreta de edifício seja necessário constitui-lo previamente em propriedade horizontal, podendo posteriormente proceder-se à venda individualizada das suas fracções autónomas.

Isso, contudo, não impede que se celebre contrato-promessa de compra e venda de parte de edifício, correspondente a fracção autónoma após posterior submissão daquele prédio ao regime de propriedade horizontal, considerando os efeitos meramente obrigacionais daquele negócio jurídico.

Este contrato-promessa só será nulo se for impossível a constituição do edifício em propriedade horizontal de modo a permitir a individualização da parte prometida vender como fracção autónoma, pois, nesse caso, o seu objecto será impossível (art.º 280º, n.º 1, do C. Civil).

Não estamos, pois, perante uma condição suspensiva do contrato-promessa, como erradamente a qualifica o recorrente, mas sim perante uma obrigação acessória do contrato-promessa, cujo cumprimento é essencial para o cumprimento da obrigação principal que é a celebração do contrato prometido.

Realce-se que o incumprimento desta obrigação nunca será causa de nulidade do contrato-promessa, mas apenas a sua impossibilidade originária, ou seja a demonstração que aquela constituição da propriedade horizontal é impossível, cabendo o ónus dessa demonstração à Ré, nos termos das regras de repartição do ónus de prova constantes do art.º 342º, do C. Civil.

A Recorrente vem alegar que, neste caso, é legalmente impossível a constituição da propriedade horizontal de modo a autonomizar a parte prometida vender, uma vez que a entidade administrativa competente não viabilizará essa pretensão devido àquela parte não possuir instalações sanitárias e devido à parte restante deixar de ter as condições exigíveis para ser...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT