Acórdão nº 09B016 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução27 de Janeiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA intentou, no dia 18 de Junho de 2003, por si e em representação de BB, contra a Companhia de Seguros AIG-EUROPE, Agência Geral em Portugal, DHL-Transportes Rodoviários Internacionais, Ldª e CC, pedindo a sua condenação a pagar à segunda € 1 270 946,16 e à primeira € 50 000, com juros legais a contar da citação, e à última o que se liquidasse em execução de sentença que tivesse de suportar com os tratamentos até à sua completa cura, nomeadamente com operações, estadias em hospitais ou clínicas privadas, equipamentos necessários à sua reabilitação, medicamentos, deslocações, tempo perdido e outras que tenham directamente ou indirectamente a ver com as sequelas por ela sofridas.

Fundamentaram a sua pretensão nos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes das lesões sofridas por BB, no dia 30 de Junho de 2000, em acidente de viação ocorrido numa passadeira de peões em Aveiro, consistente no seu atropelamento pelo veículo automóvel com a matrícula nº ...-...-IR, propriedade de DHL-Transportes Rodoviários Internacionais, Ld, conduzido por CC, por este exclusivamente causado, e em contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel celebrado entre aquela sociedade e a ré.

AIG-EUROPE referiu, em contestação, aceitar a descrição do acidente, desconhecer a generalidade das suas consequências, dever a acção ser julgada parcialmente procedente, e requereu a citação dos órgãos da segurança social para a acção.

CC e DHL, Ldª invocaram a sua ilegitimidade em virtude do contrato de seguro cobrir os danos invocados pelas autoras, e estas desistiram do pedido contra aqueles formulados, desistência que foi judicialmente homologada.

Foi concedido a BB o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e de outros encargos com o processo.

Seleccionada a matéria de facto assente e controvertida e realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 29 de Julho de 2007, por via da qual a ré foi absolvida do pedido contra ela formulado por AA, e condenada a pagar a BB € 642 101,07, acrescidos do montante a liquidar em execução de sentença relativo ao dispêndio com as suas deslocações até ao presente através da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Aveiro, com juros de mora à taxa legal desde a data da citação, com dedução dos valores já por elas pagos.

As autoras e a ré requereram a aclaração da referida sentença na parte que se refere à imputação das quantias antecipadas pela última no quadro dos procedimentos cautelares de arbitramento de reparação provisória, que foi aclarada.

Apelaram a autora BB e a ré, e a Relação, por acórdão proferido no dia 15 de Julho de 2007, revogou parcialmente a sentença recorrida e condenou a última a pagar à primeira 932 101,07 e imputou, subtraindo, a quantia de € 100 000 respeitante aos danos não patrimoniais, e os quantitativos pagos pela ré em cumprimento das providências cautelares, e remeteu a liquidação do valor de tal liquidação para execução de sentença.

BB e Aig-Europe interpuseram recurso de revista, a primeira desistiu dele, e a última formulou, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - a alteração da decisão da matéria de facto relativa ao quesito 46º quanto à necessidade de mudança de residência do agregado familiar é nula porque se não limitou a aperfeiçoar a resposta anterior e dá diferente resposta que vai para além do alegado e perguntado; - o artigo 663º do Código de Processo Civil está limitado na sua aplicação pelos artigos 273º e 664º, a alteração é ilegal por violar os artigos 264º e 664º, todos do Código de Processo Civil, visto que não envolve factos alegados pelas partes e não se pode falar de insuficiência da base instrutória; - a Relação violou o nº 5 do artigo 690º do Código de Processo Civil, por ter considerado depoimentos não invocados pela apelante; - os documentos não revelam que o efectivo aumento da nova renda resultou da situação da apelante ou que a mudança de casa fosse exigida pela profunda deficiência que passou a afectá-la, não se sabendo o título pelo qual a recorrida e a mãe habitam o rés-do-chão do nº 327 da Avenida José Estêvão nem o respectivo encargo mensal, pelo que a Relação não podia ter considerado o acréscimo da renda; - o pedido de pagamento do agravamento de renda seria um pedido indirecto, mas autónomo da mãe da recorrida, pelo que a resposta ao quesito 46º da base instrutória devia ter sido mantida; - as despesas com transportes só podiam ser ressarcidas se peticionadas pela mãe da apelante, o que não se verificou, e o mesmo deve ser entendido quanto ao acréscimo da renda, porque foi ela quem deduziu tal pedido, e não recorreu da sentença; - o uso ilegal pela Relação dos poderes conferidos pelo artigo 712º do Código de Processo Civil pode ser objecto de censura pelo Supremo Tribunal de Justiça; - o Supremo Tribunal de Justiça pode anular a decisão da Relação que inclua outros factos na decisão, e ordenar a respectiva exclusão, e sempre que ela retire ilações que extravasem da matéria de facto; - ao decidir como decidiu, a Relação violou os artigos 243º, 264º, 661º, 664º e 712º do Código de Processo Civil, pelo que a decisão de reapreciação da matéria de facto relativa ao nº 46 da base instrutória deve manter a resposta original, e absolver-se a recorrente desse pedido de pagamento de € 40 000; - a resposta ao quesito 48º é nula, porque não se limita a aperfeiçoar a resposta anteriormente dada, antes lhe dando resposta diferente da questão que ele encerra, indo além do que foi alegado e perguntado; - não é insuficiência da matéria de facto, mas matéria estranha à base instrutória, por não ter sido alegada, designadamente sob 106º e 107º da petição inicial, nem superveniente, sendo que o artigo 663º está limitado pelos artigos 273º e 664º, todos do Código de Processo Civil: - os factos alegados e provados não permitem afirmar que a recorrida melhorará com os tratamentos de fisioterapia ou que precisará de fazer fisioterapia nem até que idade o terá de fazer; - a Relação equivocou-se por considerar a pretensão da recorrida de exigir o pagamento de quantia a título de transporte, por não ter sido peticionada alguma quantia a título de pagamento de tratamentos de fisioterapia propriamente ditos; - a alteração da resposta em causa é ilegal, violando os artigos 264º, 273º, 661º e 664º, porque o tribunal, embora livre na interpretação e aplicação das regras de direito, só pode responder à matéria de facto vertida na base instrutória alegada pelas partes, pelo que a Relação fez uso ilegal dos poderes conferidos pelo artigo 712º, todos do Código de Processo Civil; - a decisão de reapreciação da resposta ao quesito 48º da base instrutória, por ser nula e ilegal, deve ser revogada e substituída por outra que mantenha a resposta dada pelo tribunal da primeira instância, absolvendo a recorrente do pedido de pagamento de € 250 000; - ainda que assim não fosse, porque ao valor da multiplicação de € 6 000 por 40 anos deveria ser abatido um quarto por virtude do recebimento por uma vez; - quanto à imputação dos montantes já pagos pela recorrente, a Relação incorreu em nulidade, por ter conhecido de questão de que não podia conhecer, designadamente quando, para todos os efeitos, revogou a sentença aclarada na parte em que esta incluiu no valor a imputar à indemnização final a abater os valores transaccionados pela partes nas providências cautelares com decisões transitadas em julgado, ofendendo o regime do artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil; - configurada a acção com fundamento na responsabilidade civil, celebrada pelas partes a transacção, não pode a recorrida eliminar o modo como a obrigação de indemnizar ficou moldada por acordo judicialmente homologado, pelo que, se não cometeu a nulidade, a Relação violou os artigos 671º do Código de Processo Civil e 1248º e 1249º do Código Civil; - após a prolação da sentença, a recorrente pagou à recorrida os valores constantes de documento que juntou com as contra-alegações de recurso, não mandado desentranhar, pelo que só por pagar haverá o diferencial de € 13 000,17, correspondente ao somatório das pensões mensais de € 400 que a mãe da recorrida passou a receber a partir da providência cautelar B, desde 21 de Junho de 2005, até à data da prolação da sentença, que lhe não eram devidas, porque quanto a ela a acção foi julgada improcedente, e sempre teriam de ser devolvidas à recorrente; - uma vez que a recorrente não pôs em causa que a mãe da recorrida utilizou o valor indevidamente recebido, deveria ser abatido por compensação com o valor remanescente que a última tinha que receber; - a recorrente cumpriu integralmente a sentença, pelo que a sua obrigação deveria ter sido julgada extinta em relação à recorrida, não fazendo sentido que a Relação desconsidere os pagamentos feitos à mãe dela; - ao decidir como decidiu, a Relação violou os artigos 473º, 562º, 563º e 847º do Código Civil, pelo que o acórdão deve ser revogado e substituído por outro, ou que condene a mãe da recorrida a devolver à recorrente a quantia que lhe foi indevidamente paga, considerando extinta a obrigação da recorrente por compensação; - ao condenar a recorrente no pagamento dos juros nos termos fixados na sentença, a Relação deixa a dúvida sobre se está a referir-se à sentença inicial ou aclarada, e decorre do documento junto com as alegações da apelação que a recorrente pagou à recorrida juros de € 68 486 contados desde a data da citação sobre o remanescente de € 391 812; - só depois dessa parte da sentença, o tribunal da primeira instância decidiu que ao montante referido se deduziriam as quantias pagas no âmbito dos acordos lavrados nas providências cautelares à recorrente, e resta à recorrente a dúvida agora relativamente à contagem de juros; - à medida em que foi efectuando esses pagamentos - documentados nos autos - deixou de incorrer em mora relativamente a cada montante pago, pelo que só...

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