Acórdão nº 0844305 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelJOSÉ PIEDADE
Data da Resolução03 de Dezembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. Nº 4305/08-4 T.J. de Carrazeda de Ansiães, Proc. nº ../07.9GACRZ Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal de Comarca de Carrazeda de Ansiães, processo supra referenciado, pela assistente B.........., discordando da decisão de arquivamento do Inquérito (aberto em consequência de um acidente ferroviário na linha .........., ocorrido em 12/02/2007), foi requerida a realização de Instrução, pedindo a pronúncia do Presidente da Administração da Rede Ferroviária Nacional - REFER, EP, do Eng. F.......... e dos Técnicos Especialistas, Supervisores e Encarregados pelas inspecções semanais da via na linha .........., pela prática do crime de infracção das regras de construção, por negligência, previsto no art. 277º, nº 1, al. a) e nº 2, do CP.

Pelo Juiz de Instrução foi proferido o seguinte Despacho, rejeitando o requerimento de abertura de Instrução: "(...) Nos termos do art. 287º, nº 2 do CPP, «o requerimento (de abertura de instrução) não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de Direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o Juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no Inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no art. 283º, nº 3, als. b) e c).» É consabido que o nosso Processo Penal tem estrutura acusatória, sendo, nessa medida, o seu objecto fixado pela acusação que, assim delimita a actividade cognitória e decisória do Tribunal; esta vinculação temática do Tribunal tem a ver fundamentalmente com as garantias de defesa do arguido contra qualquer arbitrário alargamento do objecto do processo, possibilitando-lhe a preparação da defesa no respeito pelo princípio do acusatório.

Assim, em caso de abstenção da acusação pelo MºPº, deverá o assistente que requer a abertura da Instrução, deduzir ele próprio a acusação, descrevendo os factos que, delimitando o objecto da investigação, permitam a elaboração de decisão instrutória.

As razões de facto e de Direito que, em súmula, o requerimento para abertura de Instrução tem de conter, têm de ser suficientes para que possam integrar todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo criminal que o requerente entende ter sido violado.

Não é ao Juiz que compete compulsar os autos para fazer a enumeração e descrição dos factos que poderão indiciar o cometimento pelo arguido de um crime, pois, então, estar-se-ia a transferir para aquele o exercício da acção penal, contra todos os princípios constitucionais e legais em vigor.

(...) Ora, no caso em apreço, constata-se que a ora assistente, no seu requerimento de abertura de Instrução, faz uma análise dos elementos probatórios recolhidos e de alegadas omissões cometidas em sede de Inquérito, valorando tudo de forma diversa do Digníssimo Magistrado do MºPº, e conclui pela imputação aos arguidos dos crimes de infracção de regras de construção negligente. Todavia, não faz, conforme se lhe impunha, uma descrição precisa dos elementos objectivos e subjectivos dos crimes que, na sua óptica, fundamentam a eventual aplicação de uma pena aos arguidos. Efectivamente, não se descreve, de forma rigorosa, precisa e concreta, a conduta dos arguidos, quer ao nível das condutas por si praticadas ou omitidas, quer das consequências exactas dos seus comportamentos para a produção do resultado que a norma proíbe. Do mesmo modo, para a conformação do tipo legal concorrem elementos subjectivos, reportados à consciência, vontade e atitude do agente perante o comportamento em causa, que se mostram insuficientemente descritos, senão mesmo ausentes do requerimento de abertura de Instrução apresentado em juízo.

Constituídos os elementos objectivos e subjectivos de um tipo legal matéria de facto de cuja prova depende a aplicação aos arguidos de uma pena ou medida de segurança, e não constando do requerimento em apreço os elementos típicos mencionados, qualquer descrição que se fizesse numa eventual pronúncia redundaria necessariamente numa alteração substancial do requerimento e estaria ferida de nulidade, atento o disposto no art. 309º, nº 1 do CPP.

Dito de outro modo, estando a actividade cognitiva e decisória do Juiz de Instrução limitada pelo requerimento para abertura de Instrução, e não constando deste os factos integradores do tipo de crime a imputar ao arguido, quaisquer factos que fossem levados à pronúncia representariam uma alteração substancial dos factos constantes daquele requerimento, o que é proibido e torna a Instrução...

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