Acórdão nº 0854752 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelANABELA LUNA DE CARVALHO
Data da Resolução24 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

APELAÇÃO Nº 4752/08-5 5ª SECÇÃO Acordam no Tribunal da Relação do Porto: IB.........., residente na .........., bloco . - ....., ....-... Chaves, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, contra "C..........", com sede na Rua .........., apartado ..., .........., ....-... .........., Vila Nova de Gaia, pedindo se condene a ré no pagamento da quantia de € 67.740,67, a título de indemnização por danos morais e patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Em fundamento da sua pretensão, e em síntese, a autora alegou que: no dia 14/09/2002 matriculou-se na D.........., criada pela ré no âmbito do seu objecto, no curso de fisioterapia; no início das aulas, nos dias 14/10/2002 e 15/10/2002, nas instalações daquela escola, foi sujeita a várias práticas humilhantes de praxe, que descreve; devido à situação a que foi submetida, dirigiu uma carta ao Presidente do Conselho Executivo do C.......... de Macedo de Cavaleiros, datada de 13/11/2002, cuja cópia consta de fls. 29 a 31; na sequência dessa carta, foi convocada para uma reunião no dia 3/12/2002; tal reunião foi promovida pela ré com o único intuito de humilhar e intimidar a autora; por causa dessa reunião, a autora sofreu danos morais, que discrimina, avaliados em € 20.000,00; em consequência dos actos de praxe a que foi sujeita, que só aconteceram porque a ré o permitiu, a autora sofreu danos morais, que discrimina, avaliados em € 30.000,00; a autora sofreu ainda danos patrimoniais, que de igual modo discrimina, no valor total de € 17.740,67.

A ré apresentou contestação, impugnando a maioria dos factos alegados na petição inicial, sustentando que nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada pelos danos invocados pela autora e concluindo pela improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido.

A autora deduziu réplica, mantendo a posição assumida na petição inicial.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, no decurso da qual a autora e a ré peticionaram a condenação recíproca em multa e indemnização como litigantes de má fé, tendo sido proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a ré do pedido.

Inconformada com tal decisão, dela veio recorrer a Autora, concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso: 1 - A autora sofreu danos de natureza patrimonial no montante de € 13.537,97 a título de danos emergentes e de lucros cessantes.

2 - O procedimento disciplinar destina-se a avaliar a natureza, o alcance, e a dimensão da conduta do aluno infractor face às individualizadas e especificadas regras exigidas pelo bom e salutar funcionamento do estabelecimento de ensino.

3 - A ré aplicou à autora a sanção de repreensão escrita pela forma subjectiva e excessiva como relatou os factos, que sabia não terem a gravidade que decorrem da sua exposição.

4 - A ré actuou em Abuso de Direito ao aplicar a sanção à autora já que a sanção que lhe foi aplicada foi-o para punir uma infracção que não está prevista no Regulamento Disciplinar, sendo certo que a autora denunciou factos que se vieram a apurar ser verdadeiros - a denúncia da autora não foi caluniosa nem para com os colegas, nem para com os órgãos da escola.

5 - A ré foi no mínimo negligente ao aplicar a sanção à autora, não ponderando o regulamento disciplinar e as demais circunstâncias do caso, não agindo criteriosamente como lhe era exigível.

6 - A ponderação dos factos «Após a deliberação de lhe ser aplicada uma sanção disciplinar a autora sentiu-se indignada e revoltada» e «Após a deliberação de lhe ser aplicada uma sanção disciplinar a autora anulou a matrícula» permite, ao abrigo do artigo 349º do CC firmar a conclusão de que a autora anulou a matrícula devido à sanção que lhe foi aplicada.

7 - Foi a conduta da ré de aplicar a sanção à autora que a obrigou a anular a matrícula e a sofrer os danos de natureza patrimonial, não tendo ocorrido qualquer circunstância extraordinária ou anómala entre o acto do agente (ré) e os danos sofridos pela autora.

8 - A sentença recorrida encontra-se inquinada com o vício de erro de julgamento por erro de interpretação dos artigos 483º, 349º e 563º todos do Código Civil.

9 - No dia 14.10.2002, no âmbito da recepção aos caloiros, dentro do E.......... da ré em Macedo de Cavaleiros, foi ordenado à autora que vestisse do avesso a roupa da cintura para cima e que colocasse o soutien do lado de fora da roupa, que simulasse orgasmos com um poste de iluminação, que rebolasse na relva, que carregasse com os arreios de um burro.

10 - Os actos de praxe a que a autora foi sujeita são aptos a provocar danos de natureza não patrimonial, nomeadamente a tristeza e humilhação sentidas.

11 - Os actos de praxe referidos em 9) foram praticados com conhecimento e permissão da ré - a ré bem sabia que se praticavam actos de praxe violadores dos direitos de personalidade dos novos alunos e, só por isso, fazia questão de na primeira reunião a que estes se apresentavam, informar expressamente de que se podiam recusar a qualquer praxe que considerassem atentar contra os seus princípios e valores.

12 - A informação dada aos novos alunos a que se refere o número anterior não preenche o dever jurídico de agir que impendia sobre a ré - tal dever jurídico de agir impunha à ré obrigações, tais como, controlar e, eventualmente sancionar, caso fosse necessário, as praxes violadoras de direitos da personalidade ou, em alternativa, proibir actos de praxe dentro das suas instalações.

13 - A ré tinha o dever jurídico de agir porque: - os alunos são subordinados da escola na medida em que estão sujeitos à acção disciplinar, sendo a ré obrigada a velar pela sua segurança; - para Menezes Cordeiro um esforço mínimo da ré teria evitado os danos sofridos pela autora; - para Maia Gonçalves, a omissão da ré é ilícita porque a tal estaria obrigada pela moral e pelos bons costumes; - para Figueiredo Dias, a omissão da ré é ilícita pois tal ofende os mais elementares princípios de solidarismo social.

14 - A ré agiu com culpa, na medida em que agiu inconvenientemente embora lhe tivesse sido possível, com o cuidado exigível e diligência devida ou com boa vontade, comportar-se em termos convenientes.

15 - Para apurar se a autora consentiu nas praxes não é relevante o que a mesma declarou no Auto de Depoimento mas, se consentiu tacitamente no momento em que as praxes lhe estavam a ser aplicadas.

16 - A autora não tinha capacidade para se recusar verificado o condicionalismo de se encontrar face a uma série de alunos, com a autoridade que lhes advém do trajar académico, que lhe davam ordens, ordens essas que a autora estava convencida que era obrigada a cumprir.

17 - Por um lado, a autora estava convencida que era obrigada a cumprir as ordens - erro na formação da vontade; 18 - Por outro lado, a própria atitude dos colegas funcionou como coação pois quando a autora começou a chorar, demonstrando a sua tristeza e a sua humilhação, as praxes não pararam, pelo contrário, os colegas esperaram que se acalmasse para continuarem a dar ordens.

19 - A resposta da autora de que o seu choro se devia ao impacto do primeiro dia, não é razoável ser aceite pelo agente como sinal de consentimento, mas sim de como receio de advir ainda pior se confessasse a sua tristeza e humilhação e a sua vontade de não receber mais ordens.

20 - Segundo Claus Roxin nunca se poderá considerar consentimento eficaz se só o receio do pior permite que a vítima aceite a lesão dos seus bens jurídicos.

21 - Por fim, as praxes a que a autora foi sujeita ofendem a moral pública, já que nenhum membro da nossa comunidade simularia orgasmos e carregaria com os arreios de um burro sem se sentir atingido nos seus mais elementares princípios e valores; também nenhum membro da nossa comunidade lhe passaria pela cabeça dizer a alguém para simular orgasmos e carregar com os arreios de um burro, a não ser que tal pessoa se encontrasse despida de princípios morais.

22 - A autora não poderia ter confessado, como se diz na sentença em crise, que as ordens que recebeu não haviam sido feitas com malícia ou com carga sexual, porque tal confissão só poderia ter sido feita pelo agente, nunca pela autora.

23 - A sentença recorrida violou, por erro de julgamento, os artigos 340º e 486º do Código Civil.

24 - A autora provou os danos morais decorrentes da reunião de 03.12.2002, nomeadamente que lhe foram receitados ansiolíticos e anti depressivos e que a partir de Janeiro de 2003 passou a deslocar-se à escola unicamente para realizar frequências e exames.

25 - Por outro lado, as próprias circunstâncias da reunião aludida em J) dos factos assentes, dizem-nos que todos os presentes, excepto as duas representantes da ré detinham para a autora referência por ela classificadas como negativas pelas suas intervenções nos actos de praxe.

26 - Os factos assentes em J) são suficientes para, apelando ao disposto no artigo 349º do CC, retirar a ilação de que tais actos são aptos a provocar danos morais e, objecto obrigatório de prova são apenas os factos de que o julgador infere outros; quanto às ilações que o tribunal retira dos factos assentes não necessitam de ser provados, pois baseiam-se nas regras de experiência e o conhecimento destas, o tribunal deve ter e se não tiver, deve procurar obter.

27 - A autora provou os danos sofridos com a reunião de 03.12.2002.

28 - A ré, pessoa colectiva privada incumbiu as suas duas funcionárias de convocar a autora para a reunião de 03.12.2002.

29 - As ditas funcionárias actuavam por conta da ré, daí resultando a responsabilidade desta pelos danos causados por aquelas no exercício das suas funções - artigo 500º do CC.

30 - Cabia então à ré provar que não agiu com culpa, nem cometeu nenhum ilícito na forma como convocou e conduziu a reunião em causa - inversão do ónus da prova por força da presunção de culpa operada pelo artigo 500º do CC.

31 - A ré apenas provou que as reuniões foram realizadas com o...

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