Acórdão nº 0835386 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 20 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelMARIA CATARINA
Data da Resolução20 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Nº 14 Apelação nº 5386/08-3 Tribunal recorrido: Tribunal Judicial de Moimenta da Beira (processo nº ............/06.6TBMBR).

Relatora: Maria Catarina Gonçalves Juízes Adjuntos: Dr. Pinto de Almeida e Dr. Teles de Menezes.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I.

B..............., residente no lugar e freguesia de .........., concelho de Moimenta da Beira e C................., D.............., E.............., F.............., G............... e H.............., todos residentes na cidade de Rio de Janeiro, Brasil, intentaram a presente acção com processo sumário contra I..............., residente em ............, nº ...., Alenquer.

Alegam que são herdeiros de J................., por óbito do qual correu termos um processo de inventário onde foram relacionados três direitos de crédito; tais direitos de crédito correspondem aos valores que se encontravam depositados em contas bancárias da titularidade do inventariado, quantias essas que foram levantadas pela ré que, vivendo em união de facto com o inventariado, estava autorizada a movimentar as referidas contas; tais direitos de crédito foram adjudicados aos autores na proporção de 1/8 para cada um.

Com esses fundamentos, pedem que a ré seja condenada a pagar a cada um dos autores a quantia de 1.637,05€, equivalente a 1/8 de cada uma das referidas verbas.

A ré contestou, alegando, em suma, que, apesar de as contas bancárias referidas estarem apenas em nome do inventariado, as quantias nelas depositadas pertenciam, em comum, ao inventariado e à ré, pois é certo que, tendo vivido em união de facto durante 22 anos, era nessas contas que depositavam todas as economias do casal, incluindo os proveitos do trabalho da ré, a sua pensão de reforma e rendimentos prediais da ré; tais contas eram utilizadas por ambos, sendo certo que, quer a ré, quer o inventariado, depositavam e levantavam dinheiro, na convicção de que o mesmo pertencia a ambos; acresce que o referido J............... sempre afirmou que o dinheiro era de ambos e que, pela morte de qualquer um deles, o dinheiro ficaria para o outro.

Assim, conclui, não é devedora de qualquer quantia à herança de J..............

Na sequência dos trâmites legais, veio a ser proferida sentença que, julgando a acção totalmente procedente, condenou a ré a pagar a cada um dos autores a quantia de 1.637,05€, acrescida de juros de mora legais a contar da citação até integral pagamento.

Inconformada com essa decisão, dela recorreu a ré, formulando as seguintes conclusões:

  1. A ré viveu maritalmente com J.............. durante vinte anos.

  2. Tinham contas separadas para receber as suas reformas, mas geriam o dinheiro em comum, sem estabelecer o que era de um ou de outro.

  3. O dinheiro depositado na Caixa Geral de Depósitos, em contas abertas em nome do falecido, era o que sobrava dessa gestão em comum, constituindo um mealheiro pertença de ambos.

  4. Tal resulta do depoimento da testemunha, K............. (prestado a voltas 615 e 622, cassete nº 1, lado B) e do depoimento da testemunha, L................. (voltas 725, 752 e 765, cassete nº 1, lado B).

  5. Consignou-se, na resposta ao quesito 11º, que, em vida, João Amaral reconhecia que o dinheiro depositado nas citadas contas era seu e da ré.

  6. Em concordância com tudo isto, a Mª Juiz "a quo" não podia ter dado como não provado a resposta ao quesito 8º, que deve ser alterada.

  7. Consequentemente, a acção não pode proceder na medida em que o dinheiro também era da ré.

  8. A ré tinha procuração para movimentar as contas do falecido e, em vida, mas já às portas da morte, o mesmo disse-lhe várias vezes, que fosse buscar o dinheiro, o que foi presenciado pela testemunha, M............... (conforme depoimento prestado a voltas 577 a 581, cassete nº 1, lado A).

  9. Esta atitude do falecido tem de ser entendida como doação à ré da parte do dinheiro que competia ao falecido e a procuração que a mesma tinha para o ir levantar era a forma encontrada para dar execução ao propósito liberatório do falecido.

  10. Consequentemente, mesmo que não se alterasse a resposta dada à matéria de facto, em conformidade com o supra exposto, nunca a doação feita pelo falecido à ré violaria o disposto no art. 947º do Código Civil, como considerou a Mª Juiz "a quo".

  11. Assim, também por esta razão, a acção não poderia proceder.

  12. Caso se entenda que a acção está votada ao insucesso e tendo resultado provado que o cheque nº 39177343, emitido pela ré, foi destinado ao pagamento do funeral do falecido, deve ser alterada a resposta dada ao quesito 5º e, ainda que a acção procedesse, sempre deveria ser deduzido o montante mencionado no mesmo.

Os recorridos não apresentaram contra-alegações.

///// II.

Questões a resolver Atendendo às conclusões das alegações da recorrente - pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso - são as seguintes as questões a apreciar e decidir: A) - Saber se existe ou não fundamento para a alteração da matéria de facto no que toca às respostas dadas aos pontos 5º e 8º da base instrutória; B) - Determinar a quem pertence a propriedade dos valores monetários que estavam depositados nas contas bancárias supra mencionadas e apreciar a eventual existência de uma doação daquelas quantias, efectuada pelo falecido, J..............., à recorrente; C) - Apurar se a circunstância de uma parte do dinheiro levantado pela recorrente se ter destinado a pagar o funeral de J............... é ou não relevante nos presentes autos e em que termos.

///// III.

Na decisão recorrida, foi dada como assente a seguinte factualidade: 1. Por óbito de J.............., ocorrido em 25 de Março de 2004, foi instaurado um processo de inventário que correu seus termos por este tribunal sob o nº 148/04 (alínea A) da matéria assente).

  1. O inventariado, J............., era irmão dos cinco primeiros autores e tio do sexto e sétimo autores (alínea B) da matéria assente).

  2. Por sentença proferida a fls. 84 dos autos de inventário acima referidos - já transitada em julgado - foi homologada a partilha constante do mapa de fls. 76 a 78 (alínea C) da matéria assente).

  3. A referida sentença adjudicou aos interessados no dito inventário os quinhões que, no dito mapa, expressa e respectivamente, lhes foram atribuídos (alínea D) da matéria assente).

  4. Consta do mapa de partilhas que da herança fazem parte, como direitos de crédito, as verbas números 1, 2 e 3 da relação de bens (alínea E) da matéria assente).

  5. Nesta relação, o cabeça de casal afirmou que o montante descrito na verba nº 1 estava depositado na conta poupança reforma nº 0480016068565, da agência da Caixa Geral de Depósitos de Moimenta da Beira (alínea F) da matéria assente).

  6. O único titular dessa conta era o inventariado, J............... (alínea G) da matéria assente).

  7. Nessa conta estava depositada a quantia de 10.705,30€ que, até ao dia em que foi levantada (20/03/2004) tinha vencido juros no valor de 41,15€ e, assim, o montante total da dita verba nº 1 era de 10.746,65€ (alínea H) da matéria assente).

  8. Mais afirmou o cabeça de casal que os montantes referidos nas verbas 2 e 3 - 1.550,00€ e 800,00€, respectivamente - estavam depositados na conta à ordem nº 0480016068000, da agência da Caixa Geral de Depósitos de Moimenta da Beira (alínea I) da matéria assente).

  9. O único titular dessa conta era o inventariado, J.............. (alínea J) da matéria assente).

  10. Do já referido mapa de partilha consta que a cada um dos autores foi adjudicado 1/8 de cada uma das verbas nºs 1, 2 e 3 (alínea K) da matéria assente).

  11. A ré foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1351º do Código de Processo Civil, nada vindo dizer aos referidos autos de inventário para aquele fim (alínea L) da matéria assente).

  12. A ré estava autorizada a movimentar as referidas contas (alínea M) da matéria assente).

  13. A ré nunca fez quaisquer depósitos nas contas referidas em 6 e 9 (resposta ao ponto 1. da base instrutória).

  14. A autorização referida em 13 deveu-se ao facto de as contas poderem ser movimentadas sem necessidade de J........... intervir directamente (resposta ao ponto 2. da base instrutória).

  15. A ré procedeu ao levantamento dos montantes descritos nas verbas nºs 1 e 2 do inventário referido em 1, no dia 29 de Março de 2004 (resposta ao ponto 3. da base instrutória).

  16. E levantou o montante descrito na verba nº 3 através do cheque nº 39177343, emitido sobre a CGD e apresentado a pagamento no dia 30 de Março de 2004 (resposta ao ponto 4. da base instrutória).

  17. A ré e o J.............. viveram como marido e mulher durante o último ano da vida deste (resposta ao ponto 6. da base instrutória).

  18. A ré e o J.............. viveram como marido e mulher, pelo menos, desde meados de 1984 até ao óbito deste (resposta ao ponto 7. da base instrutória).

  19. Das contas referidas em 6 e 9, a ré e o J............. retiravam o dinheiro necessário para a sua vida e economia familiar (resposta ao ponto 10. da base instrutória).

  20. O J............. sempre afirmou que o dinheiro dessas contas era...

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