Acórdão nº 0841639 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelCUSTÓDIO SILVA
Data da Resolução19 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Acórdão elaborado no processo n.º 1639/08 (4ª Secção do Tribunal da Relação de Porto)**1. Relatório Consta, da sentença elaborada a 3 de Dezembro de 2007, o seguinte: "Questão prévia: A fls. 1159 e segs., veio o arguido B.......... requerer que se ordenasse a suspensão do presente processo até transitarem em julgado as 3 sentenças a proferir pelo Tribunal Administrativo e Fiscal competente, alegando, em síntese, que, com a contestação, juntou cópias das 3 impugnações judiciais apresentadas no Tribunal Administrativo e Fiscal, através das quais pediu a anulação das liquidações de todos os impostos que no presente processo criminal lhe foram imputados e dos quais depende a qualificação criminal, pelo que, ao abrigo do artigo 47º do RGIT, bem como do artigo 50º do RJIFNA, tem de se determinar a suspensão dos presentes autos.

Tal posição foi subscrita pelos demais arguidos (cfr. fls. 1162).

Cumpre decidir: De facto, conforme decorre do artigo 47º, n.º 1, do RGIT, bem como do artigo 50º, n.º 1, do RJIFNA, que contém idêntica redacção, «se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças».

Todavia, não é menos verdade que do artigo 7º, n.º 1, do Código de Processo Penal, também decorre que «o processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa».

Está aqui consagrado o princípio da suficiência do processo penal, «através do qual se visa arredar obstáculos ao exercício do "jus puniendi", que, directa ou indirectamente, possam entravar ou paralisar a acção penal; são as exigências, compreensivas e relevantes, da concentração processual ou de continuidade do processo penal» - acórdão do S. T. J., de 30/10/1991, in www.dgsi.pt.

Como escreveu José da Costa Pimenta, in Código de Processo Penal, anotado, 1987, página 56, «visto que o processo penal visa possibilitar a aplicação das reacções criminais cominadas no direito penal substantivo (art. 2º) e que este é, essencialmente, a sanção de outros ramos de direito, frequentes vezes acontece que o juiz penal esbarre com questões de natureza extra penal. Isto se dá, uma vez que a aplicação da lei penal substantiva vastas vezes pressupõe resolvidas questões relevantes de direito civil, administrativo, laboral, fiscal, constitucional, eclesiástico ... Ora, o juiz penal é incompetente, em razão da matéria, para decidir tais questões, se estas lhe forem submetidas a título principal. Contudo, se lhe forem suscitadas em processo penal, por virtude do princípio da suficiência, já delas pode - e, em regra, deve - conhecer». Este Autor acrescenta que o princípio da suficiência penal visa assegurar os princípios fundamentais do Direito Processual Penal da concentração e imediação, uma vez que, neste processo, procura-se, acima de tudo, a verdade material (não podendo ficar dependente das soluções encontradas por outras jurisdições sujeitas a outras regras processuais).

Como refere Maia Gonçalves, in Código de Processo Penal, anotado, 10ª edição, página 105, «o direito processual penal demanda a verdade material, que se pode opor à formal, muitas vezes estabelecida pelo processo civil. Este está mais na disponibilidade das partes; aqui, a decisão pode ser tomada por limitações formais na investigação, v. g., falta de contestação, o que, de modo algum, se compadece com o princípio fundamental da demanda da verdade material, que comanda o processo penal».

Como qualquer outra regra, o mencionado princípio da suficiência do processo penal também comporta excepções, como podemos ler no n.º 2 do já citado artigo 7º do Código de Processo Penal.

Todavia, se, por um lado, dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 7º do Código de Processo Penal decorre que tal suspensão consiste numa faculdade do tribunal («pode o tribunal suspender»), por outro lado, tal suspensão só se justifica quando tal se afigurar necessário, com vista a conhecer qualquer questão não penal, da qual dependa a existência do crime, como, também, de que a mesma não possa ser convenientemente resolvida no processo penal.

Acresce que o tribunal marca o prazo da suspensão e caso este se tenha esgotado, sem que a questão prejudicial tenha sido resolvida, a questão é decidida no processo penal.

Daqui se infere, portanto, que a suspensão não é automática.

Como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do acórdão citado, «as questões não penais só dão origem a suspensão da acção penal para decisão pelo tribunal competente quando não possam ser convenientemente resolvidas no processo penal». A suspensão do processo penal, quando existam questões prejudiciais, é uma decisão discricionária do tribunal penal, apesar de esta decisão estar vinculada aos critérios enunciados.

Idêntica posição é defendida na doutrina, referindo José da Costa Pimenta, in Código de Processo Penal, anotado, 1987, página 59, que «exige-se, em primeiro lugar, que a decisão da questão prejudicial esteja numa relação de necessidade com o conhecimento do crime (...), a necessidade tem por âmbito, apenas, os elementos constitutivos da infracção (...). Em segundo lugar, cumulativamente com a necessidade, exige-se a nota da conveniência (...), não se estabelecem casos de presunção de conveniência. Uma coisa é, todavia, certa: essa conveniência não existirá se o processo penal contiver, já, todos os elementos para a decisão da causa».

Nos casos de pendência de impugnações judiciais, como as dos autos, não se pode entender que constituam excepção à disposição legal em análise, isto é, que a pendência de tais impugnações judiciais, por si só, determinam a suspensão do processo penal tributário, sendo, sempre, necessário formular um juízo de conveniência.

Com efeito, conforme se pode ler no acórdão do Tribunal da Relação de Porto, de 25.10.2006, in www.dgsi.pt, «(...) não se diga que o disposto no art. 47º, n.º 1, da Lei n.º 15/2001, de 5/6, contém um princípio de suspensão automática (...). É evidente que esta norma não pode entender-se desenquadrada. O sistema penal radica numa determinada filosofia, tem uma lógica única, que neste caso consta do art. 7º do C. P. P. Portanto, e considerando a unidade do sistema, temos que "o processo penal tributário só deverá ser suspenso quando exista relação de prejudicialidade com o processo de impugnação judicial ou com a oposição à execução"».

A suspensão do processo penal, em consequência de uma impugnação judicial, só reveste carácter obrigatório se a mesma for absolutamente necessária para a decisão da questão prejudicada (crime fiscal ou tributário), de modo a que se lhe apresente como um antecedente lógico-jurídico, com carácter autónomo e condicionante do conhecimento da questão principal

. «A suspensão prevista no art. 50º do RJIFNA, com fundamento na existência de processo de impugnação judicial, só tem lugar se a questão ali em discussão puder condicionar a decisão do processo penal tributário» - cfr. acórdão de 01.02.2006, in www.dgsi.pt.

Aliás, o mesmo decorre, já, da actual redacção do invocado artigo 47º, n.º 1, do RGIT, introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, de onde decorre que, «se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças».

É ainda importante referir que a impugnação judicial é uma forma do processo tributário com a natureza do recurso contencioso de anulação dos actos administrativos, que visa aferir a legalidade deste, pelo que não tem a suficiência do processo penal.

Por fim, cumpre trazer à colação que «1 - o crime de fraude fiscal é um crime de resultado cortado, pois não é necessário que o resultado seja alcançado, bastando que o agente tenha em mente consegui-lo. II - O tipo objectivo de tal crime fica consumado quando se atente contra a verdade e transparência traduzidas nas diversas modalidades previstas, para a sua execução, no art. 23º, n.º 1, do RGIFNA, hoje, 104º do RGIT, operado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06. Da conjugação dos arts. 42º e 47º do RGIT, a suspensão do processo criminal, por causa prejudicial, em curso no foro tributário, só terá lugar quando do aproveitamento da situação contributiva depender a qualificação criminal dos factos» - cfr. acórdão da Relação de Lisboa, de 23.01.2003, in www.dgsi.pt.

Ora, analisando o caso dos autos à luz dos considerandos supra expostos, verifica-se que a qualificação criminal dos factos que vêm imputados aos arguidos (crime de fraude fiscal) não está dependente da definição da sua situação tributária, e, consequentemente, da procedência ou improcedência dos mencionados recursos de impugnação judicial pendentes, pelo que não se torna necessário, nem conveniente, determinar a suspensão do presente processo.

Com efeito, a obtenção da vantagem patrimonial ilegítima não é elemento do tipo de crime de fraude fiscal, basta que às condutas descritas no mencionado artigo 103º "visem" ou sejam pré-ordenadas à obtenção de tal vantagem.

Assim sendo, face a todo o exposto, indefiro a requerida suspensão".

**Na mesma sentença, consta, do dispositivo, o seguinte: "Face a todo o exposto, o Tribunal decide: a) Condenar a arguida C.......... pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 103º, n.º 1, al. c), do RGIT, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 7 €, perfazendo o montante de 1.400 € (mil e quatrocentos euros); b) Condenar o arguido D.......... pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 103º, n.º 1, al. c), do...

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