Acórdão nº 0843075 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 19 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelANTÓNIO GAMA
Data da Resolução19 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Rec. n.º 3075-08 T J Maia.

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto: No Tribunal Judicial da Comarca da Maia foi decidido:

  1. Condenar o arguido B.........., pela prática de um crime de abuso de confiança p. e p. pelo artigo 205º, nº1 e nº4, al. b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão cuja execução se suspendeu pelo período de 3 (três) anos, sujeita à condição de o mesmo, no prazo máximo de dois anos a contar do trânsito em julgado da decisão, ressarcir a assistente dos montantes de que indevidamente se apoderou, no montante de 33.538.767$00, que correspondem a € 167.290,66, fazendo prova desse ressarcimento nos autos; b) Condenar a arguida C.........., pela prática, como cúmplice, de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205º, nº1 e nº4, al. b) do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão cuja execução se suspendeu pelo período de 3 (três) anos.

    Inconformados com as condenações os arguidos recorreram rematando a pertinente motivação com as seguintes conclusões: Erro notório na apreciação da prova, art.º 410º, nº 2, al. c), CPP 1. Existe erro notório na apreciação da prova na sentença recorrida ao dar como provado os factos constantes dos pontos 7, 8, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 da matéria dada como provada (m.d.c.p.) assim como ao não dar-se como provado que "O arguido B.......... tinha direito a metade do valor total das quantias referidas no ponto 8 dos factos provados, no montante de 16.769.384$00", matéria esta que se impugna nos termos e para os efeitos do artigo 412º, nº 3, sem prejuízo do disposto no artigo 410º (artigo 431º, alínea b), do CPP), indicando-se, nos termos constantes do texto, as provas que impõem decisão diversa da recorrida (artigo 412º, nº 3, do CPP) - depoimentos dos arguidos, prova documental e testemunhal constante dos autos.

    1. Considerando a análise crítica e conjugada quer das declarações dos arguidos quer da prova pericial, testemunhal e documental produzida em audiência de julgamento, não se poderá deixar de dar como provado que o arguido B.......... tinha direito a metade do valor total das quantias referidas no ponto 8 dos factos provados, no montante de 16.769.384$00.

    2. A própria perícia - que o tribunal considera ser absolutamente decisiva na formação da sua convicção - conclui nesse sentido, assim como a própria assistente, ao alongo de diversas peças produzidas nos autos, reconhece o mesmo, como, de resto, de forma linear se refere na pág. 28 da sentença a quo: (...) que ainda que se reconheça que o arguido era credor de comissões devidas pela assistente, facto que a própria assistente reconhece (...).

    3. Da análise dos balancetes analíticos juntos aos autos, designadamente, do de fls. verifica-se que na conta ... - Caixa Filial da .........., os movimentos do mês e os movimentos acumulados, quer a débito quer a crédito, apresentam valores rigorosamente iguais.

    4. Esta situação só pode resultar da inexistência de qualquer saldo de abertura, isto é, não transitou qualquer saldo do ano anterior tendo a conta ...-Caixa Filial da .......... apresentado um saldo NULO em 31/12/1995.

    5. Trata-se de contradição grave o facto da contabilidade da sociedade não reflectir o valor reclamado a título do saldo de caixa da filial da .......... em cada um dos anos em causa nos autos, facto este do qual não se deverão deixar de retirar as devidas ilações, designadamente, quanto ao elemento apropriação e à sua intervenção como elemento objectivo do ilícito imputado aos arguidos bem como na tradução desse elemento na inversão do título de posse ou detenção (que tem sempre que ocorrer).

    6. Da análise da documentação contabilística e do parecer do Revisor Oficial de Contas, verificam-se manifestas discrepâncias e legítimas dúvidas sobre a existência dos valores reclamados a título de saldo do Caixa da Filial da .......... (cf. fls.).

      Insuficiência da matéria de facto para a decisão, art.º 410º, nº 2, als. a) e b), CPP.

    7. A compatibilidade dos factos constante da m.d.c.p. (pontos 8, 9, 11 e 24) não é clara, designadamente, com a certeza que tem se ser encontrada na prova e determinação de um elemento central da tipicidade.

    8. P ponto 11 da m.d.c.p. (propósito concretizado de não entregar a referida quantia) não é inteiramente compatível com a afirmação de que o arguido B.......... tinha direito ao pagamento de uma comissão correspondente a 1% das vendas anuais efectuadas pela filial da .......... (ponto 21).

    9. Esta não compatibilidade intrínseca na lógica das correspondências e correlações factuais constitui, por uma lado, insuficiência dos factos para determinar a verificação, ou a não verificação, da apropriação, com o sentido exigido pelo artigo 205º do Código Penal (a inversão do título de posse), e por outro revela uma contradição entre factos - a intenção de apropriação não se compatibiliza bem com o facto do arguido ter direito ao pagamento de uma comissão correspondente a 1% das vendas anuais efectuadas pela filial da .........., e de, nomeadamente, a própria assistente D.......... ter registado o encargo de 11.260.158$00, com a indicação de se tratar de Remunerações a liquidar ao pessoal - Sr. B.........." sendo que tal valor representa 1% das vendas da filial da .......... dos exercícios de 1986 a 1993.

    10. Verifica-se, assim, a existência dos vícios referidos no artigo 410º, nº 2, alíneas a) e b), do CPP., o que deverá determinar a revogação do acórdão recorrido, e o reenvio do processo - artigo 426º do CPP.

      Da qualificação jurídica dos factos, n.º 1 e 4, al. b) do art.º 205°, CP 12. Os factos dos autos, tal como estão descritos, na homogeneidade típica e na proximidade temporal, revelam uma unidade de resolução e acção - ao longo dos anos referidos no ponto 8 da matéria de facto, o arguido B.......... ter-se-á apropriado dos valores aí indicados diariamente ou, quanto muito, semanalmente e não de forma anua.

    11. Os actos apropriativos imputador ao arguido representam um determinado pedaço de vida, cuja valoração social e normativa e unitária, pelo que importará apurar qual a maior quantia apropriada diariamente ou em cada uma das semanas ou dos meses no decurso dos anos de 1988 a 1999.

    12. É que, sendo as folhas de caixa elaboradas diária e mensalmente com o produto das quantias correspondentes às vendas efectuadas na filial da .......... e existindo uma conexão temporal entre os consecutivos actos apropriativos, não se poderá deixar de saber qual a qual a maior quantia apropriada pelo arguido para efeitos da qualificação prevista no n.º 4 do art. 205° do CP.

    13. Se se tiver em conta que os recebimentos na filial da .......... ocorriam diariamente, ou quanto muito ao longo do dia, é indubitável que, de forma necessária, as quantias de que o arguido se terá apropriado são inferiores à prevista na al. b) do n.º 4 do art.º 205.º do CP.

    14. Daí que, estando em causa um crime continuado - por os factos constituírem a realização plúrima de um mesmo tipo de crime, no quadro da permanência de um mesmo circunstancialismo - nos termos do artigo 79º do Código Penal, o arguido não poderá deixar de ser apenas punível com base na conduta mais grave que integra a continuação.

      Sem prescindir 17. Nos crimes de abuso de confiança, a exigência do dolo passa pela intenção do autor na apropriação de algo entregue, e que inverte o título de posse, sabendo prejudicar o dono da coisa.

    15. Não comete o crime de abuso de confiança um funcionário comissionista que se apropria de produtos da venda com a intenção de as fazer suas para se pagar das comissões em divida pela empresa empregadora.

    16. Por outro lado, mesmo que assim se não entenda, não pode condenar-se um funcionário comissionista a pagar todo o produto das vendas, sem fazer o desconto das comissões a que tem direito.

    17. Um funcionário comissionista não perde o direito a receber as comissões sobre as quantias com que se locupletou.

    18. É que, tendo o arguido B.......... direito ao pagamento de uma comissão correspondente a 1% das vendas anuais efectuadas pela filial da .........., impor-lhe a obrigação de proceder ao pagamento da totalidade das quantias pretensamente por si retidas, sem levar em conta o percentual que o mesmo teria direito a receber - como, de resto, pela própria assistente é reconhecido - é impedi-lo de vir a reclamar esses valores, por força da prescrição dos créditos laborais, de fazer valer essa compensação (n.º 2 do art.º 308.º do Cód do Trabalho).

    19. É ilegal - por inconstitucional, a condenação do arguido numa pena cuja suspensão da execução fica condicionada ao ressarcimento de um valor em relação ao qual a própria assistente nem sequer peticionou civilmente, pois que, como no caso dos autos, já havia sido objecto de uma acção civil - e na qual o arguido não foi, nem de perto nem de longe, condenado a pagar o montante cujo montante se pretende que, nestes autos, fique condicionada a suspensão da pena.

    20. Nunca a assistente reclamou nos diversos processos de natureza civil cujas sentenças/acórdãos se encontram juntos aos autos o valor de 33.538.767$00, que correspondem actualmente a € 167.290,66 e cujo pagamento se pretenda que seja condição de suspensão da pena.

    21. Não pode suspender-se a pena de prisão pela condenação de determinado crime, sob a condição de pagar um valor ao lesado, quando esse montante foi peticionado em acção civil que correu separadamente.

    22. O pagamento desse valor, sob pena de ser facultada à assistente a possibilidade de ir receber duas vezes, não pode ser condição da suspensão da pena pelo crime de abuso de confiança.

      Da eventual cumplicidade da arguida C..........

    23. No elemento subjectivo do cúmplice previsto no artigo 27, n. 1, do Código Penal tem de abranger o auxílio doloso, estando excluída a hipótese de uma cumplicidade negligente.

    24. Tendo em conta o que dispõe o artigo 27º, 1 do C.Penal, que não há, no caso dos autos, um auxílio moral, ou seja, uma intervenção da arguida C.......... no sentido de cimentar a vontade do arguido B...

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