Acórdão nº 9551/2008-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 12 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelRUI VOUGA
Data da Resolução12 de Março de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa: M e filhas, intentaram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra a COMPANHIA DE SEGUROS, VIDA S.A. e BANCO, pedindo a condenação das Rés a pagarem-lhes a quantia de 67.635,34 €, acrescida de juros de mora contados à taxa legal.

Para tanto, alegaram, em síntese, que: - são as únicas herdeiras de J, com quem a 1ª Autora foi casada e de quem as 2º e 3ª Autoras são filhas; - o J faleceu em 13.11.2003 e, quando tal aconteceu, era tomador de um seguro de vida junto da 1ª A. com um capital de 64.295,50 €, o qual garantia um empréstimo junto da 2ª Ré; - aquando da subscrição de tal contrato, o finado e a 1ª Autora limitaram-se a responder a um questionário que um funcionário do banco lhes fez e que assinaram; - o J faleceu devido a de sepsis a Staphylococcus aureus com insuficiência renal aguda; - quando instadas a pagarem o capital seguro, ambas as Rés se recusam a tal, sendo que a 2ª Ré ainda exige o pagamento das prestações em atraso.

Regularmente citadas, ambas as Rés contestaram, fazendo-o separadamente.

A Companhia de Seguros,Vida S.A. sustentou que a acção deverá improceder, porquanto: - o decesso do J ocorreu em virtude de doença cardíaca que era do seu conhecimento e que o mesmo omitiu aquando da contratação do seguro, tendo respondido a um questionário não referindo a mesma ou a medicamentação que fazia à data e que não fora a omissão nunca teria o contrato sido celebrado, razão pela qual a R. anulou o contrato.

Ademais, em reconvenção, a mesma Ré pediu a reversão a favor da R. do valor dos prémios pagos que ascendem a 1.494,53 €.

Para tanto, alegou que os AA. pagaram as prestações devidas, mas que agiram de má-fé em relação a si, tendo prestado falsas declarações apenas para induzir em erro a Companhia seguradora.

Por seu turno, o Banco S.A. contestou alegando que entre ele, o finado e a 1ª A. foi celebrado um contrato de mútuo e que, para garantia do mesmo, foi exigido um contrato de seguro mas que este Réu é alheio à celebração do mesmo e muito mais é alheio a quaisquer falsas declarações.

As Autoras replicaram, mantendo essencialmente o alegado na p.i. e salientando que a causa da morte não foi uma questão cardíaca, mas sim a sepsis decorrente da operação cirúrgica a que o falecido J foi submetido.

Face ao alegado, foi proferido despacho de aperfeiçoamento convidando-se as Autoras a apresentarem uma nova p.i. onde factualizassem o por si alegado, por se ter considerado que - na p.i. originariamente apresentada - elas se haviam limitado a utilizar expressões com significado técnico-jurídico.

Respondendo ao convite, as AA. apresentaram uma nova p.i.

, na qual, todavia, apenas demandaram a Ré Companhia de Seguros, contra a qual formularam a mesma pretensão que haviam deduzido na primitiva p.i..

Por seu turno, a Ré Companhia de Seguros voltou a contestar, mantendo a sua anterior posição.

As AA. tornaram a apresentar réplica, na qual mantiveram a posição já assumida na p.i..

Notificadas para tanto, as AA.

confirmaram a desistência do pedido em relação à 2ª Ré.

Foi admitida a desistência, o processo foi saneado em termos tabelares, fixaram-se os factos assentes (por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena) e elaborou-se a base instrutória (sem reclamações), após o que se seguiu a instrução do processo.

Discutida a causa em audiência de julgamento (com gravação da prova testemunhal produzida) e decidida a matéria de facto controvertida, veio a ser proferida (em 11FEV2008) sentença final que julgou a acção improcedente por não provada e a reconvenção deduzida igualmente improcedente por não provada, absolvendo, respectivamente, a Ré do pedido e as AA. do pedido reconvencional.

Inconformadas com o assim decidido, as Autoras apelaram da referida sentença, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões: "A - Não ficou provado que a Seguradora, Ré, rejeitaria o contrato se soubesse que o falecido tinha a prótese em causa.

B - O Segurado nada omitiu sobre o seu estado de saúde, porquanto se considerava curado, não tendo, pois, razão, a Seguradora quando se escusa a indemnizar unicamente com base nas patologias de que o Segurado sofria (doc. 8 da p.i.).

C - O Segurado viveu com a válvula mitral biológica Labcor desde 16.11.1987 até 7.10.2003 (mais de 15 anos), fazendo uma vida absolutamente normal, exactamente igual à maioria dos cidadãos, pelo que o hábito e a boa saúde não terão sequer formado a ideia do que aqueles factos revelavam, face ao que lhe era perguntado, aquando da elaboração da proposta de seguro.

D - O questionário foi preenchido pelo agente, funcionário do banco, mas em representação da Seguradora, a quem se impunha esclarecer e questionar os segurados sobre tudo o que se relacionasse com o seu estado de saúde.

E - O Questionário Clínico, elaborado pela Seguradora é, em muitas questões, incompreensível para qualquer cidadão, inclusivamente para ela própria.

F - Para o homem médio, sequela é a cara manchada na sequência de varíola ou varicela, da exposição ao fogo, a ausência de mão por rebentamento de uma bomba, o corte do pé na sequência de diabetes, etc., mas nunca a substituição da válvula mitral por uma biológica ou as redes de uma angioplastia.

G - Os segurados não compreenderam - nem tal se espera do homem médio - como sendo sequela aquela prótese, pelo que não omitiram nem prestaram declarações inexactas.

H - Se o Segurado estava doente, como se refere no Certificado de Óbito, desde 1993, tal era-lhe completamente desconhecido, nem ficou provado que o conhecesse.

I - Ora, se o Segurado desconhecia que era doente desde 1993, não podia referir, aquando da subscrição do seguro, em 1998, que era doente, pelo que nada omitiu nos Questionários Clínicos nem prestou falsas declarações.

J - A morte ocorre na sequência de sepsis e não de doença mitro-aórtica K - Sendo que a sepsis pode despoletar, com um mero golpe, em indivíduo perfeitamente saudável.

Nestes termos, nos mais de direito e com o mui douto suprimento de V.Exas., deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, alterar-se a douta Sentença recorrida, nos termos expostos, assim se fazendo, como sempre JUSTIÇA".

A Ré/Apelada contra-alegou, pugnando pelo não provimento da Apelação.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

O OBJECTO DO RECURSO Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].

Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.

Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas - e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) - de todas as "questões" suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 660º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 713º, nº 2).

No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelas Autoras ora Apelante que o objecto da presente Apelação está circunscrito a 3 (três) questões: a) Se - contrariamente ao que foi entendido na sentença recorrida - o Segurado J nada omitiu sobre o seu estado de saúde, aquando da celebração do contrato de seguro, porquanto se considerava curado, já que viveu com a válvula mitral biológica Labcor desde 16.11.1987 até 7.10.2003 (mais de 15 anos), fazendo uma vida absolutamente normal, exactamente igual à maioria dos cidadãos, pelo que, aquando da elaboração da proposta de seguro, não se representou sequer que aqueles factos revelavam, face ao que lhe era perguntado; b) Se - como se refere no Certificado de Óbito do falecido J - a doença deste remonta apenas a 1993 (e não à data da intervenção cirúrgica a que ele...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT