Acórdão nº 9170/2008-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelVIEIRA LAMIM
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: Iº 1. No Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº571/07.0GAALQ, do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Alenquer, foi julgada, (A).

O Tribunal, após julgamento, por acórdão 20Jun.08, decidiu: "...

Absolver a arguida (A) da prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos art.ºs 131.° e 132.°, n° 1 e 2 als. a), b) e d), todos do Código Penal.

Condenar a arguida (A) pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio, previsto e punível pelos art.ºs 131.°, 72.º, nº 1 e 73.º, nº 1, als. a) e b), todos do Código Penal, na pena especialmente atenuada de 5 (cinco) anos de prisão.

Suspender a execução da pena de prisão pelo igual período de 5 (cinco) anos, mediante regime de prova.

Subordinar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada à arguida à obrigação de a arguida seguir acompanhamento psicológico ou psiquiátrico e juntar anualmente aos autos os correspondentes relatórios de acompanhamento, desde já se autorizando, caso a arguida assim o pretenda, que tal acompanhamento e tais relatórios de acompanhamento tenham lugar e sejam elaborados no Brasil.

Declarar perdido a favor do Estado o objecto descrito a fls. 331, ao abrigo do disposto no art.º 109.º, nº 1, do Código Penal.

...

".

  1. Desta decisão recorre a arguida, (A), tendo apresentado motivações (desnecessariamente extensas), das quais extraiu as seguintes conclusões: 2.1 Os presentes Autos tiveram origem na Acusação do Ministério Público contra (A), pela prática de crime de Homicídio Qualificado cometido contra o seu filho (B), p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.14, 131 e 132, n°s1 e 2, a), c) e e), todos do Código Penal.

    2.2 A Acusação baseou no Relatório da Autópsia de fls.390 a 396, para estabelecer o nexo causal entre a descrita acção da Arguida e a morte de (B) por intoxicação medicamentosa revelada pela "presença de oxcarbazepina, no sangue, numa concentração de 5,17 ug/ml, e no conteúdo gástrico".

    2.3 No entanto, (B) morreu de morte acidental apesar das conclusões no Relatório de Autópsia.

    2.4 Os órgãos de polícia criminal convenceram-se que a verdade estava adquirida nos Autos, apenas com os elementos colhidos, razão pela qual não investigaram, no sentido de obter a prova de que a Arguida deu a ingerir ao seu filho a totalidade do conteúdo de 3 frascos de Trileptal, porquanto a Policia Científica apesar de ter colhido amostras do vomitado da criança, o Laboratório NÃO mediu a quantidade de oxcarbazepina ali presente.

    2.5 Não colheram amostras do conteúdo gástrico da Arguida para comprovar qual a quantidade de oxcarbazepina ingerida e se a mesma correspondia à ingestão do conteúdo de 2 frascos de Trileptal.

    2.6 E não procuraram saber quantas caixas de Trileptal a arguida trouxe para Portugal, de forma a apurar se os frascos vazios encontrados na casa correspondiam ou não ao medicamento ingerido diariamente pela criança, desde que a arguida entrou em território Nacional até à data dos factos.

    2.7 Para além de tudo isto, o próprio Perito do IML, que subscreveu o Relatório de Autópsia, atestou em Tribunal que a criança acusou no sangue apenas uma dose terapêutica de oxcarbazepina a qual não corresponde à ingestão de 300ml do medicamento (o conteúdo de 3 frascos).

    2.8 Confirmando ainda o Perito do IML a morte acidental da criança ao concordar com o Parecer subscrito pelo Dr. (LG), Anatmopatologia e Dr. (JS), Director do Serviço de Anatomia Patológica do IPOFG.

    2.9 Sendo que, o mesmo, segundo palavras suas, NÃO localizou na autópsia evidencias objectivas que permitam concluir por morte devida a intoxicação medicamentosa, afirmando que chegou a esta conclusão apenas porque nenhuma explicação lhe pareceu melhor causa.

    2.10 No entanto afirma que a quantidade do medicamento encontrado no sangue é terapêutica e se assim é concluir-se à que não é uma dose letal.

    2.11 Pelo que provado está que a criança faleceu de morte súbita, quadro muito frequente em crianças que padecem de epilepsia benigna da infância, morte esta que não teve qualquer nexo causal na conduta da Arguida.

    2.12 A prova produzida em Julgamento demonstrou assim a inexistência de factos suficientes para preencher o tipo do crime de Homicídio, seja na forma consumada, seja na forma tentada.

    2.13 Aliás, nem sequer foi demonstrado nos Autos a existência de quaisquer factos que preencham o tipo objectivo de um qualquer crime, como de seguida se explica.

    2.14 Consequentemente, o Tribunal "a quo" errou na apreciação que fez da prova produzida nos Autos e violou o princípio do in dubio pro reo.

    2.15 Tanto mais que sobre o Ministério Público impendia obrigação de produzir em Julgamento todas as provas que, no seu entender, visavam sustentar a decisão a proferir pelo Tribunal "a quo" com vista à condenação da Arguida pelo crime de Homicídio Qualificado.

    2.16 Ónus que não foi de forma alguma cumprido pelo Ministério Público, porque não logrou demonstrar e provar que com dolo, como não provou, as circunstâncias qualificantes, para efeitos de enquadramento da conduta do Arguido no n°2 do 132° do C.P.

    2.17 E, este fracasso da prova, por parte do Ministério Público só pode favorecer a Arguida atento o princípio do in dubio pro reo, o que não foi atendido no Acórdão Final.

    2.18 Resulta da reapreciação da prova produzida nos Autos que não há quaisquer meios de prova que comprovem, os Factos Provados constantes dos pontos 8, 9, 16, 17, 19 e 22 do Acórdão sub judicie, os quais devem ser dados como NÃO PROVADOS, existindo pelo contrário prova suficiente para dar como PROVADOS os factos constantes das alíneas E), F), G), H), L) , R) U), V) do mesmo Acórdão.

    2.19 Sendo que para o operar o reexame da matéria de facto se terá de atender aos factos que foram dados como provados nos pontos 10, 11, 12, 13, 14 e 21 bem como o facto constante da alínea D) dos factos não provados.

    2.20 Efectivamente, o menor (L) padecia de "epilepsia benigna da infância" (EBI), diagnosticada há cerca de um ano e tratada com o medicamento Trileptal (oxcarbazepina solução oral a 6%), que lhe era ministrado em doses de 10 ml, duas vezes ao dia.

    2.21 Tal facto resultou PROVADO do depoimento da Arguida, cujas declarações se encontram gravadas em duas fitas magnéticas, Cassete I desde 000 ao n°1720 do lado A desde o n°000 ao n°1720 do lado B, cassete II desde o n°000 ao n°1438 do lado A, consignado na Acta de fls.901 e ss, de 13.02.08, bem como do depoimento da testemunha (AS), que era tia do menor e à guarda de quem a criança ficava quando a mãe ia trabalhar, cujo depoimento se encontra gravado em duas fitas magnéticas, Cassete I, desde 905 ao n°1604 do lado B, consignado na Acta de fls.910 e ss. de 15.02.08.

    2.22 De igual modo provou nunca foi previsto pela Arguida que a sua relação com (C) não pudesse vingar (cfr. facto n°1 e 2 da matéria provada), razão pela qual desfez-se de todos os seus bens, a exemplo da casa arrendada há seis anos e de todo o seu recheio, do carro, do emprego e de suas contas bancárias.

    2.23 Estes factos encontram suporte probatório nos Autos, não só nas Declarações da Arguida prestadas em Julgamento, cujas declarações se encontram gravadas em duas fitas magnéticas, Cassete I desde 000 ao n°1720 do lado A desde o n°000 ao n°1720 do lado B, cassete II, desde o n°000 ao n°1438 do lado A, consignado na Acta de fls.901 e ss. de 13.02.08, mas também do depoimento da testemunhas (R), ouvidas em Julgamento, cujo depoimento se encontra gravado em duas fitas magnéticas, Cassete I desde 1605 ao n°1720 do lado B, cassete II desde o n°000 ao n°585 do lado B, consignado na Acta de fls.910 e ss de 15.02.08.

    2.24 Deste modo com assento na prova testemunhal produzida e supra enunciada só pode concluir-se que os factos contidos na Alínea L) da Matéria de Facto Não Provada terão de ser considerados como PROVADOS.

    2.25 Os factos constantes dos pontos 8 e 9 dos Factos Provados não tem qualquer meio de prova produzido em Julgamento que os sustente sem qualquer margem de dúvida, emergindo apenas das declarações escritas constantes de Auto produzidas em sede de 1° interrogatório de Arguido detido, as quais foram negadas em sede de Julgamento.

    2.26 A Arguida nega peremptoriamente ter ministrado à criança o conteúdo de 3 frascos de Trileptal e esta afirmação não é contrariada por nenhum outro meio de prova produzido em sede de Julgamento.

    2.27 A mensagem escrita no telemóvel (cfr. fls.173 dos Autos) não prova que a arguida "segurou o queixa do (L) a deitou para o interior da sua boca 3 frascos de Trileptal, de 100ml cada um, ao mesmo tempo que a fazia beber água para o impedir de vomitar, assim o obrigando a ingerir aquele produto" (cfr. ponto 8 dos factos provados).

    2.28 Tanto mais que resultou provado que a criança só ingeriu oxcarbazepina numa concentração de 5,17 ug/ml (cfr. ponto 9 da matéria provada) e que essa quantidade corresponde a uma dose que é inferior à terapêutica. (cfr. ponto 10 dos factos assentes).

    2.29 E dúvidas não existem que se no sangue foi encontrada a quantidade de 5,17 ug/ml essa é a quantidade ingerida sendo que a mesma não corresponde à ingestão de 3 frascos de Trieptal, ou seja, 300 ml equivalente a 18000 m.g. de Trileptal.

    2.30 E esta conclusão é a única que se pode extrair e não outra porquanto é do conhecimento do homem médio que para a ingestão de 300 ml de medicamento o organismo da criança teria de acusar uma presença de medicamento superior a 5,17 ug/ml.

    2.31 Razão pela qual os factos dados como assentes no ponto 9 da matéria de facto estão em contradição entre si, tanto mais que se a dose de 300 ml se «veio a revelar letal» mal se compreende porque razão no momento da «autópsia (B) apresentava oxcarbazepina no sangue numa concentração de 5,17 ug/ml» a qual é «inferior à dose terapêutica» - cfr. Facto n°8,9 e 10 dos Factos Assentes.

    2.32 E se a dose do medicamento presente no sangue da criança é uma dose infra terapêutica logo não é uma dose letal, logo a criança não morreu pela ingestão do...

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