Acórdão nº 7518/2008-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 10 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelRUI VOUGA
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa: "M, Lda.

", S. Domingos de Rana, intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra C, Estoril, pedindo a exclusão de sócio do R. da sociedade A. e a sua condenação a pagar à Autora a quantia de € 124.998,00, a titulo de indemnização por perdas e danos, acrescida do que se vier a apurar na pendência da acção e em execução de sentença.

Para tanto, alegou, em síntese, que: - o R. foi gerente da A. e o único que exercia a gerência de facto da sociedade, dado ser pessoa da confiança dos demais gerentes e ser ele quem tinha o know how do negócio da A.; - em finais de 2002, começou a constatar-se uma diminuição da actividade da A. e, em finais do mesmo ano, o ora R. deixou de ser visto nas suas instalações até que apresentou a renúncia às funções de gerente da A.; - tendo sido solicitada uma auditoria à sociedade, constatou-se que, a dada altura, o filho do R. e a sua mulher constituíram uma sociedade, denominada "F, Lda.", havendo o R. passado a actuar em benefício dessa sociedade, tendo para ela desviado fornecedores e clientes com quem sempre contactara na qualidade de gerente e sócio da A., tendo tal sociedade - cujos únicos sócios são familiares do R. - passado a comercializar produtos de marcas prestigiadas que antes eram comercializados pela A.; - o R., ao fazer crer a clientes e fornecedores da A. que esta deixou de fornecer determinados produtos que até então comercializava em exclusivo, prejudicou a boa imagem da A..

A Ré contestou, por excepção e por impugnação.

Defendendo-se por excepção, arguiu a excepção da prescrição, por entender dever aplicar-se por analogia o prazo de 90 dias previsto no art. 254°, n° 6, do Código das Sociedades Comerciais, prazo esse que, in casu, foi ultrapassado.

Defendendo-se por impugnação: - alegou que todos os gerentes da A. exerciam as suas funções e que não se pode imputar as dificuldades económicas que a A. começou a sentir no ano de 2002 à sua conduta; - negou ter beneficiado de qualquer modo a sociedade "F, Lda.", a qual tinha relações comerciais próximas com a A., ou ter violado os seus deveres de fidelidade e lealdade para com a A.; - sustentou que os problemas que surgiram deveram-se ao facto de os restantes sócios da A. terem querido que este ficasse com as suas quotas, tendo porém exigido do A. determinadas condições que este não pôde aceitar.

A A.

replicou, pugnando pela improcedência da excepção invocada (dado que o prazo de 90 dias previsto no art. 254°, n° 6, do Código das Sociedades Comerciais não é aplicável às acções de exclusão de sócio).

Findos os articulados, o processo foi saneado - tendo, nesta sede, sido julgada improcedente a excepção peremptória de prescrição arguida pelo R.

-, fixaram-se os factos assentes por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena e organizou-se a base instrutória, após o que se seguiu a instrução dos autos.

Discutida a causa em audiência de julgamento (com gravação da prova testemunhal produzida) e decidida a matéria de facto controvertida, veio a ser proferida (em 25/6/2007) sentença final que julgou a acção totalmente improcedente por não provada e, em consequência, absolveu o Réu tanto do pedido da sua exclusão de sócio da Autora, como do pedido da sua condenação no pagamento duma indemnização à Autora.

Inconformada com o assim decidido, a Autora apelou da referida sentença, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões: "

  1. A Apelante intentou acção para exclusão do R., ora Apelado, por verificar terem sido praticados por este actos de concorrência desleal, causadores de prejuízo relevante.

  2. O Apelado, gerente da Apelante, deixou de ser visto com a frequência que normalmente acontecia nas instalações da Apelante, tendo renunciado à gerência alguns meses depois. Esse facto, conjugado com os prejuízos avultados da Apelante, com as despesas efectuadas a favor do gerente da F, Lda. (concorrente directa da Apelante) que é filho do Apelado e ainda com os benefícios que daí advieram para a Fr, Lda., nomeadamente a representação da marca "Ex", a representação dos produtos da sociedade "V, Lda. e a "aquisição" para a sua carteira de clientes de um cliente da Apelante, a Al, Lda., permitem concluir pela deslealdade do Apelado e estabelecer um nexo causal entre as condutas do Apelado e as correspondentes consequências nefastas dessas mesmas condutas na Apelante.

  3. Dos factos provados, pode concluir-se pela existência de um comportamento do Apelado desleal e gravemente perturbador da Apelante.

  4. O art.º 242º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais estatui a exclusão do sócio que com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade cause ou lhe possa causar prejuízos relevantes. Face à análise dos factos dados como provados não é concebível outra conclusão que não a de que estão preenchidos os requisitos exigidos pela norma mencionada e que deste modo, outra não podia ser a decisão do Tribunal a quo além da condenação do Apelado no peticionado pela Apelante.

  5. Mesmo enquanto gerente, o ora Apelado deveria agir diligentemente, como um gestor criterioso, sempre no interesse da Apelante, algo que não fez, muito pelo contrário, agiu em claro prejuízo da Apelante e por isso só se pode concluir pela sua responsabilidade pelos danos sofridos pela Apelante.

  6. O tribunal a quo sempre deveria ter recorrido ao disposto no artº 661º, nº2 do CPC ainda que concluísse pela ausência de demonstração de danos, condenando assim o Apelado no que se viesse a liquidar em sede de execução de sentença.

  7. Face à prova produzida e ao seu enquadramento nas disposições legais aplicáveis, a decisão proferida pelo tribunal, da qual agora se recorre, deveria ser no sentido contrário do que efectivamente foi, ou seja, o Apelado deveria e deve ser condenado no pedido formulado pelo Apelante, ficando deste modo excluído da sociedade e obrigado a pagar a indemnização exigida pelo Apelante.

Nestes termos, nos demais de Direito aplicáveis, e sem prescindir do douto suprimento de V. Exas., deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão impugnada e substituindo-se a mesma por Acórdão que decrete a exclusão do Recorrido e a condenação no pagamento da indemnização peticionada, acrescida de juros vincendos ou se assim não se entender no que se vier a liquidar em execução de sentença.

Assim, farão V.Exas. a costumada JUSTIÇA." O Réu/Apelado contra-alegou, pugnando pelo não provimento da Apelação da Autora.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

O OBJECTO DO RECURSO Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].

Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.

Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas - e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) - de todas as "questões" suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 660º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 713º, nº 2).

No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela Autora ora Apelante que o objecto da presente Apelação está circunscrito a 2 (duas) questões:

  1. Se os factos apurados pelo tribunal "a quo" (nomeadamente, que o Apelado, ainda enquanto gerente da Apelante, deixou de ser visto com a frequência que normalmente acontecia nas instalações da Apelante, tendo renunciado à gerência alguns meses depois; que, a partir do final de 2002 (altura a partir da qual o Apelado deixou de ser visto com a mesma frequência nas instalações da Apelante), a situação desta agravou-se, tendo perdido pelo menos um cliente, a representação privilegiada da marca "Et" e registado perdas avultadas resultantes da diminuição da actividade que sofreu; que o R. utilizou o cartão de crédito Unibanco da A. para fazer face a despesas em viagens que efectuou com o seu filho B, o qual é gerente da empresa concorrente da Autora "F, Lda.") permitem concluir pela deslealdade do Apelado e estabelecer um nexo causal entre as condutas do Apelado e as correspondentes consequências nefastas dessas mesmas condutas para a Apelante, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 242º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais (possibilidade de exclusão do sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, cause ou lhe possa causar prejuízos...

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