Acórdão nº 9732/2008-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 06 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelVIEIRA LAMIM
Data da Resolução06 de Janeiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Rec. nº9.732/08 - 5ª Secção; Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa: Iº 1. No Processo Comum (Tribunal Colectivo) nº1161/04.5SELSB, da 5ª Vara Criminal de Lisboa, o tribunal, por acórdão de 4Out.07, decidiu (na parte que aqui interessa): "....

não considerar verificado circunstancialismo que importe a requerida alteração substancial dos factos vertidos na acusação, não se determinando qualquer acto em tal conformidade; -julgar improcedente, por não provada, em estrita aplicação do princípio "in dubio pro reo", a acusação, no tocante aos arguidos F..., N... e M... dela os absolvendo e mandando em paz.

-julgar no demais procedente, por provada, a acusação e, consequentemente, condenar os arguidos - cidadãos C... e J... , como co-autores materiais de dois crimes de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nºs 1 e 2, al. b), com refª ao disposto no artº 204º, nº 2 al. f), ambos do Código Penal nas seguintes penas parcelares: - O arguido C... em dois anos de prisão por cada um dos ditos crimes; - O arguido J... em três anos de prisão por cada um dos ditos crimes; - Mais vão os ditos arguidos condenados, pela prática, em co-autoria material de um crime de roubo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs210º, nºs 1 e 2 al. b) com refª ao disposto no artº 204º nº 2 al. f) e nº 4, ambos do Código Penal, nas seguintes penas parcelares: -o arguido C... na pena de quinze meses de prisão; -o arguido J... na pena de um ano de prisão.

Operando o cúmulo jurídico das penas em que ora vão condenados e considerando, no seu conjunto, os factos e a personalidade manifestada pelos arguidos, bem como a correspondente idade, ao tempo do respectivo cometimento, em obediência ao estatuído no artº 77º do C.P.P. vão os arguidos condenados, em cúmulo jurídico, nas seguintes penas globais e únicas: - o arguido C... na pena global e única de três anos e seis meses de prisão; - o arguido J... na pena global e única de três anos de prisão.

....

Considerando a participação nos factos, a personalidade manifestada (a que se acedeu através do relatório do IRS e declarações das testemunhas dos actos), a idade ao tempo e bem assim as circunstâncias pessoais e económicas, o Tribunal efectua um juízo de prognose favorável de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão se mostram suficientes para afastar o arguido J... da criminalidade, e que, ao abrigo do artº 50º do Código Penal, acordam os Juízes em lhe declarar suspensa, na sua execução, a pena supra imposta, pelo período de três anos.

No tocante ao arguido C..., atentos o grau de participação nos factos apurados, a personalidade que foi possível surpreender, quer no que declarou antes em inquérito, quer agora em audiência, aparentemente contrita, concatenada com os testemunhos de que era o mais exuberante nas manifestações de agressividade, perante os quatro rapazes interpelados, as suas condições pessoais e económicas, não se olvidando o teor das conclusões do relatório social, onde avulta displicência e incapacidade parental para a controlar e fazer assumir padrões de conduta adequados e compatíveis com a vida em sociedade; tudo sopesado não permite ao Tribunal Colectivo fazer um juízo de prognose favorável à sua reinserção social sem o cumprimento de um período de reclusão, razão pela qual, acordam os Juízes em não considerar verificados os pressupostos de suspensão da execução da pena, concluindo pela necessidade do seu cumprimento efectivo - ex vi do artº 50º do C. Penal.

...".

  1. O Ministério Público interpôs recurso daquele acórdão, tendo a 3ª Secção deste Tribunal da Relação, proferido douto acórdão em 12Mar.08[1], do qual consta, além do mais: "....

  2. O art.359° do CPP, ao regular a "Alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia", dispõe: "1 - Uma alteração substancial das factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância. 2 - A comunicação da alteração substancial dos factos ao Ministério Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos, se estes forem autonomizáveis em relação ao objecto do processo. 3 - Ressalvam-se do disposto nos números anteriores os casos em que o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal. 4 - Nos casos referidos no número anterior, o presidente concede ao arguido, a requerimento deste, prazo para preparação da defesa não superior a 10 dias, com o consequente adiamento da audiência, se necessário".

    A pretensão nos autos deduzida de forma repetida pelo M° P° e acima transcrita integra indubitavelmente uma alteração enquadrável na previsão do art° 359° do CPP: de facto, a demandada alteração factual teria como "...efeito a imputação ao arguido de um crime diverso.." (cfr. art° 1°-f, do CPP), o de homicídio tentado.

    E a defesa opôs-se, repetidamente (cfr. sessões de julgamento de 02-08-07 e de 14-09-07), à pretendida alteração de factos.

    Assim sendo, a única solução do tribunal seria a cominada nos pontos 1 e 2 da norma acima referida: - impossibilidade de a "alteração" ser considerada no processo; e - comunicação ao M° P°, "para que ele proceda pelos novos factos".

    8.1. Contudo, algo surpreendentemente, o tribunal recorrido seguiu outro caminho.

    Na verdade: - até ao acórdão, não tomou posição inequívoca sobre se se estava ou não perante "alteração substancial de factos"; - mas logo ouviu a defesa sobre tal "alteração" (cfr. sessão de julgamento de 02-08-07); - perante a clara e repetida oposição da defesa à pretendida "alteração", não determinou o cumprimento do n°2 do art° 359° do CPP; - no acórdão, tomou conhecimento dos factos integrantes da pretendida "alteração", embora decidindo também "não considerar verificado circunstancialismo que importe a requerida alteração substancial dos factos vertidos na acusação".

    Complicou-se assim o que parecia fácil.

    E, para além disso, como bem anota o Digno recorrente, criou-se uma situação passível de constituir "...um caso julgado formal parcial que teria, como inexorável consequência, a impunidade de um crime que, independentemente da qualificação, é de indiscutível gravidade".

    8.2. Manifestamente, o tribunal tomou conhecimento de factos - os das alíneas B) a F) dos não provados - que lhe era vedado conhecer.

    E tal era-lhe vedado por duas razões: - porque o objecto do processo, definido, como se sabe pela acusação e pela pronúncia, não comportava tais factos; - por outro lado, porque não se verificava, como contraditoriamente se acabou por decidir, qualquer "alteração substancial".

    8.3. Imperiosa pois a conclusão de que se verifica a pretendida nulidade - a do art°379°, nº1-c) do CPP - o tribunal conheceu de questão "de que não podia tomar conhecimento".

    II - Decisão.

  3. Assim e por tudo, na procedência do recurso, declara-se nulo o acórdão recorrido e determina-se a sua substituição por outro que dê adequado cumprimento ao art° 359° do CPP.

    .....".

  4. Devolvidos os autos à 1ª instância, foi designada data para conferência do tribunal colectivo, tendo sido decidido, por acórdão de 11Jun.08: "....

    Questão prévia (em relação ao requerimento apresentado pelo Ministério Público no decurso da audiência para alteração substancial dos factos constantes da douta acusação pública, a que a Defesa do arguido C... se opôs, ficando a decisão sobrestada para esta decisão final).

    A alteração dos factos pretendida pelo Ministério Público constituiria uma alteração substancial dos factos descritos na acusação na medida em que implicaria a agravação do máximo da moldura penal abstracta a considerar pelo tribunal quanto ao arguido C... (art. 1.º, n.º1, f), do Código de Processo Penal).

    No entanto, face à prova produzida no decurso da audiência de julgamento este tribunal considera não existirem motivos para proceder a qualquer alteração substancial dos factos constantes da acusação, designadamente nos termos promovidos, nem sequer a mesma podia ser considerada por este tribunal face à oposição já declarada pelo arguido C... (nos termos do disposto no art. 359.º, n.

    os1 e 3, do Código de Processo Penal).

    De resto, não sendo os factos indicados pelo Ministério Público autonomizáveis, nada pode este tribunal decidir quanto aos mesmos (art. 359.º, n.

    os 2 e 3, do Código de Processo Penal).

    Contudo, em face do disposto no art. 89.º, n.º1, do Código de Processo Penal, nada obsta a que o Ministério Público obtenha as certidões que pretender sobre qualquer acto processual e, após, proceda como entender conveniente.

    Em face do exposto, entende este tribunal que nada há a comunicar ao arguido C..., entregando-se ao Ministério Público as certidões que o mesmo solicitar.

    ....

    Dispositivo Tudo visto nos descritos termos e com os apontados fundamentos, acordam os Juízes que compuseram este Tribunal Colectivo em: - Julgar improcedente, por não provada, em estrita aplicação do princípio "in dubio pro reo", a acusação, no tocante aos arguidos F..., N... e M... dela os absolvendo e mandando em paz.

    - Julgar, no demais, procedente, por provada, a acusação e, consequentemente, condenar os arguidos - cidadãos C... e J..., como co-autores materiais de dois crimes de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nºs 1 e 2, al. b), com refª ao disposto no artº 204º, nº 2 al. f), ambos do Código Penal nas seguintes penas parcelares: - O arguido C... em dois anos de prisão por cada um dos ditos crimes; - O arguido J... em três anos de prisão por cada um dos ditos crimes; - Mais vão os ditos arguidos condenados, pela prática, em co-autoria material de um crime de roubo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs 210º, nºs 1 e 2 al. b) com refª ao disposto no artº 204º nº 2 al. f) e nº 4, ambos do Código Penal, nas seguintes penas parcelares: - O arguido C... na pena de quinze meses de prisão; - O arguido J... na pena de um ano de prisão.

    Operando o...

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