Acórdão nº 216/2009-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 05 de Janeiro de 2009
Magistrado Responsável | EZAGUY MARTINS |
Data da Resolução | 05 de Janeiro de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação I - Caixa Leasing e Factoring - Instituição Financeira de Crédito, S.A., intentou acção declarativa, com processo comum sob a forma ordinária, contra Fomento de Construcciones y Contratas, S.A., pedindo a condenação da Ré a pagar à A.: a) € 117.890,91 (cento e dezassete mil oitocentos e noventa euros e noventa e um cêntimos), a título de factura vencida e não paga; b) € 13.541,92 (treze mil quinhentos e quarenta e um euros e noventa e dois cêntimos) de juros de mora desde da data de vencimento da factura até 19 de Novembro de 2007; c) Juros de mora a vencer sobre a quantia referida em a) desde 19 de Novembro de 2007 até integral pagamento; Alegando, para tanto e em suma, que a Lusofactor - Sociedade de Factoring, S.A., celebrou, em 02-12-2002, com a Sociedade Monteiro Silva & Fernandes, Lda., um contrato de factoring, no âmbito do qual esta última cedeu àquela os seus créditos sobre a Ré, resultantes de fornecimento ou prestação de serviços decorrentes da sua actividade comercial.
Sendo tal cessão comunicada à Ré.
A Lusofactor, S.A., foi incorporada, em 28-12-2004, por fusão, na Caixa de Empresas de Crédito, S.G.P.S., que por sua vez procedeu à sua transformação em Instituição Financeira de Crédito, modificando a firma para "Caixa Leasing e Factoring - Instituição de Crédito, S.A.
Os serviços prestados à Ré, pela Monteiro Silva & Fernandes, Lda., e não pagos, são no valor de € 117.890,91, conforme factura que junta, com vencimento em 18-10-06.
Sendo que a A., por força do contrato de factoring, e presente a transferência global de elementos activos e passivos e da posição contratual implicada pela fusão, já adiantou à Sociedade Monteiro Silva & Fernandes, Lda., o valor da aludida factura.
Contestou a Ré, alegando tratar-se de pessoa jurídica diversa da FCC-Construcción, S.A., esta sim constando como terceira "devedora" no "anexo" ao contrato de factoring celebrado entre a Lusofactor, S.A., e a Monteiro Silva & Fernandes, Lda.
Não havendo assim sido "submetidos" à Lusofactor quaisquer créditos da Monteiro Silva & Fernandes, Lda. sobre a Ré.
Apenas tendo pago diversas facturas "emitidas" pela Monteiro Silva & Fernandes, Lda. à A., no erróneo pressuposto da realidade da cessão a esta de créditos daquela sobre a Ré, informada pela Monteiro Silva & Fernandes, Lda.
Para além de ter pago a factura em causa à Monteiro da Silva & Fernandes, no dia do vencimento, 25-10-2006.
Remata com a improcedência da acção.
Replicou a A., sustentando a efectividade da cessão de créditos invocada, por pertencer a Ré ao grupo económico considerado como referido no Anexo II do contrato de Factoring, e o irrelevante do pagamento alegado pela Ré, que bem sabia ser a A. a entidade credora.
Concluindo como na p. i.
O processo seguiu seus termos, operando-se, com dispensa de audiência preliminar, o seu saneamento e condensação.
Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que julgou "a acção inteiramente procedente por provada, condenando-se a R. a pagar à A. € 117 890,01, a título de capital, € 13 541,92 de juros de mora vencidos desde 18-10-2006 até 19-11-2007 e juros de mora sobre o capital desde 20-11-2007 até pagamento, às taxas assinaladas e a outras que, porventura, venham a vigorar.
".
Inconformada, recorreu a Ré, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões: "A) Saber se existiu, ou não, cessão de créditos é uma conclusão que deve resultar da aplicação das normas legais aos factos apurados, e não um facto em si, mais a mais numa acção em que o próprio Juiz a quo considerou que o contrato de cessão de créditos celebrado era, no que concerne à pessoa da Recorrente, nulo, pelo que, por maioria de razão, os factos 2 e 11 não podiam ter sido dados como provados por conterem matéria de direito; B) O art.º 12º da Contestação deveria ter sido incluído na selecção dos Factos Assentes e da Base Instrutória, uma vez que saber que a Recorrente pagou a essa sociedade a factura de fls. 41, a mesma que é peticionada nos autos, terra relevância neste caso; C) Isto porque a decisão assentou no entendimento de que a posição assumida pela Recorrente nos autos configura um abuso de direito, e a alegação do pagamento da factura tem, neste caso concreto, relevância, porque contribui para demonstrar que a Recorrente, que desembolsou efectivamente o montante peticionado pela Recorrida, está de boa fé e que o facto de se querer prevalecer da inexistência (ou nulidade) da cessão dos créditos da Monteiro Silva & Fernandes, Lda a favor da Recorrida não configura, portanto, qualquer abuso de direito; D) Conforme se decidiu na Sentença recorrida, a cessão de créditos da sociedade Monteiro Silva & Fernandes sobre a Recorrente foi nula (ou inexistente), por falta de observância da forma legal obrigatória; E) A Recorrente só tomou conhecimento da inexistência ou nulidade da cessão de créditos a favor da Recorrida ao ser citada para a acção, dado este que não foi considerado para apreciar a conduta da Recorrente e que deita por terra qualquer uma das vertentes do abuso de direito que foram imputadas à conduta da Recorrente na Sentença sob recurso; F) Não é, em sede do instituto do abuso de direito, relevante o facto da Recorrente ter pago à Recorrida outras facturas emitidas pela sociedade Monteiro Silva & Fernandes, nem o lapso de tempo durante o qual não exerceu o seu direito, nem a eventual expectativa da Recorrida de que tal direito não viria a ser exercido, porque até à presente acção a Recorrente desconhecia ter o direito que pretende exercer; G) Não há conduta contraditória da Recorrente porque os dados de partida não são os mesmos, pelo que não há venire contra facto proprium; H) As circunstâncias do período de tempo durante o qual a Recorrente não exerceu o seu direito não são as mesmas, justamente porque a Recorrente desconhecia esse direito, pelo que não há supressio; I) A Recorrente nunca criou na Recorrida qualquer expectativa de que não exerceria o seu direito não apenas porque o desconhecia, mas também porque a própria Recorrida nega a existência desse mesmo direito (ao considerar que os créditos sobre a Recorrente foram efectivamente cedidos por via do contrato de factoring), pelo que também não há surrectio; J) Não há nenhum abuso de direito na pretensão da Recorrente; L) A Sentença sob recurso violou, pelo menos, o D.L. 171/95, de 18 de Julho e o art° 334º do Código Civil;".
Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela manutenção do julgado.
II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele - vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil - são questões propostas à resolução deste Tribunal: - se é de alterar o elenco da matéria de facto considerada assente, na 1ª instância, nos termos pretendidos pela Recorrente.
- se é caso de ampliação da matéria de facto, com o alegado no art.º 12º da contestação.
- se a invocação pela Ré/recorrente, da nulidade da cessão dos créditos da Monteiro Silva & Fernandes, Lda. a favor da Recorrida não configura abuso de direito.
* Considerou-se como matéria de facto assente, na 1ª instância: "1 - Por escritura de fusão de sociedades com aumento de capital e alteração de contrasto social de 28 de Dezembro de 2004, "Lusofactor - Sociedade de Factoring, S.A." foi incorporada na "Caixa Empresas de Crédito, S.G.P.S.", que se transformou em instituição financeira de crédito, modificando a firma social para "Caixa Leasing e Factoring - Instituição Financeira de Crédito, S.A.".
2 - A "Sociedade Monteiro Silva & Fernandes, L.da" cedeu à "Lusofactor, S.A." os créditos resultantes do fornecimento ou prestação...
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