Acórdão nº 5516/2008-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelMARIA ROSÁRIO BARBOSA
Data da Resolução25 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa Banco, Sa, interpõe o presente recurso de agravo do despacho proferido na execução supra identificada que indeferiu liminarmente por manifesta a insuficiência do título executivo para a obrigação que o Banco Exequente pretendia fazer valer contra C.

O despacho de que se recorre é o seguinte: "Esta execução mostra que, no âmbito de uma operação de crédito ao consumo, o Exequente, Banco Portugal, S.A., financiou a uma consumidora, C, o montante de € 1.995,00, para aquisição do que se designa ser "um equipamento rainbow". O financiamento seria pago em 48 parcelas de € 58,30, que somariam o total de € 2.798,40. A última parcela vencer-se-ia apenas em Janeiro do ano de 2010. É processo que veio concluso apenas porque a Sra. Solicitadora de Execução veio pedir autorização (fls. 22) para proceder à penhora de "depósitos bancários e outros valores mobiliários, escriturais ou titulados", que estão sujeitos a um regime de confidencialidade.

Então determinou-se o seguinte (despacho de fls. 24): Nesta execução exige-se o total de € 3.277,65, dizendo-se que a Executada "não pagou à exequente 11 prestações vencidas até à data de 05/02/2007, no total de € 641,30". Não são descontados os juros embutidos nas prestações não vencidas. Sobre o total de € 641,30, de "prestações vencidas e não pagas", são acrescentados mais € 537,55, de "juros de mora até 13/03/07, comissão de gestão por créditos e despesas judiciais", dizendo-se que tais valores teriam sido convencionados "nos termos do n.º 8 das Condições Gerais do contrato".

Parecendo manifesta a insuficiência do título executivo para a obrigação que o Banco Exequente pretende fazer valer [cf. Constituição, art. 60.º, Lei do Consumidor, arts. 8.º e 9.º, DL 446/85, arts. 12.º e 19.º, al. c), e CPC, art. 46.º, n.º 1, al. c)], convido-o a esclarecer o que tiver por conveniente.

Em resposta, o Exequente veio dizer que nos contratos de crédito ao consumo se conciliam as necessidades do consumidor interessado na aquisição de um bem com as necessidades do comerciante interessado em vender a pronto pagamento, assim surgindo dois contratos associados, o de compra e venda, entre o consumidor e o vendedor, e o de concessão de crédito, consubstanciando um contrato de mútuo, celebrado entre o mesmo consumidor e a entidade financeira. Disse mais que no caso concreto a Executada "confessou-se devedora à Exequente do montante total de € 2.798,40, a liquidar em 48 prestações de 58,30". Acrescentou que, sendo o contrato de crédito ao consumo um mútuo oneroso, "o montante total a pagar em cada prestação tem implícito capital e juros do financiamento".

Até aqui, não existem reparos a fazer à argumentação do Banco Exequente - salvo porventura que o mútuo prestado à Executada foi de € 1.995,00, montante que seria pago com juros até Janeiro de 2010, em 48 parcelas de € 58,30, cada uma embutindo capital e juros, sendo elas que somam € 2.798,40 e que os dois contratos celebrados, a compra e venda e o mútuo, são funcionalmente interdependentes, caracterizando o que se chama de contratos coligados (na designação italiana, bem mais sugestiva do que a de "união de contratos", que prevalece entre nós), ainda que tal interdependência seja assimétrica (se o mútuo não pode subsistir se for declarado nula a compra e venda, já a eventual nulidade daquele não importa necessariamente o desfazimento desta).

Na sequência, o Banco Exequente invoca o disposto nas Condições Gerais do contrato, cls. 9.ª, n.º 3 (obrigação contratual de pagamento de todas as despesas judicias e extrajudiciais, incluindo honorários de advogados), 11.ª, n.º 2 (constituição em mora pelo não pagamento de qualquer prestação e consequente indemnização, calculada por aplicação da sobretaxa de 4%, "que acrescentará à taxa de juros legal vigente no momento do incumprimento"), e 12.ª, n.

os 1 (vencimento imediato de todas as prestações) e 3 (pagamento das "prestações vencidas e não reembolsadas", acrescidas de juros de mora, calculados nos termos da cl. 11.ª, n.º 2, e das despesas referidas na cl. 9.ª, n.º 3).

Ora, é quanto às exigências feitas pela Exequente à Executada com base nessas Condições Gerais que são legítimas várias dúvidas, que tornam duvidosa a sua exigibilidade, ou pelo menos a sua exequibilidade (no âmbito de um porcesso executivo). Por um lado, é questionável a interpretação que o Exequente dá a certas cláusulas, designadamente aquela que, no seu entender, facultar-lhe-ia cobrar juros sobre juros, ainda mais sobre prestações que somente se venceriam no futuro (e há que ter presente que, estando-se perante um contrato de adesão, as ambiguidades hão-de ser interpretadas contra o predisponente, além de que nas relações de consumo vale o princípio do in dubio pro consummatore). Por outro lado, não se deve esquecer que "toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva" (CPC, art. 46.º, n.º 1).

Se o contrato celebrado é típico das relações de consumo, está sujeito às leis que intentam construir um mínimo do que se chama de tutela consumerista, mesmo que esta ainda seja muito incipiente em Portugal, porventura mais por culpa dos operadores (incluindo advogados e juízes) do que por falta de normas e de princípios jurídicos. Isto acontece apesar de termos uma Constituição da República que, quase pioneiramente no mundo, alude em diversos preceitos aos direitos dos consumidores [arts. 52.º, n.º 3, al. a), 60.º e 81.º, al. h)], numa demonstração clara da importância do Direito do Consumidor na tutela da cidadania - importância que é mesmo a principal razão que explica o desenvolvimento deste novo ramo da árvore jurídica a partir dos anos 60 do século XX.

Em especial, é de se destacar que o art. 60.º da CR e a Lei do Consumidor (Lei n.º 24/96), reconhecendo a vulnerabilidade dos consumidores nas relações de mercado, especificam vários direitos destes, como (dentre os especialmente relevantes no caso sub judice) o direito a uma informação "clara, objectiva e adequada" (LC, art. 8.º), o direito à "protecção dos seus interesses económicos" (art. 9.º) e o direito "à não inclusão de cláusulas em contratos singulares que originem significativo desequilíbrio em detrimento do consumidor" (art. 9.º, n.º 2, al. b).

Nesta execução, o Banco exige da Executada o total de € 3.277,65, dizendo que ela "não pagou à exequente 11 prestações vencidas até à data de 05/02/2007, no total de € 641,30". Não são descontados os juros embutidos nas prestações não vencidas. Com base nas "Condições Gerais do contrato" ( e ainda que não nos termos da cl. 8.ª, que é a única referida no requerimento executivo), sobre o total de € 641,30, de "prestações vencidas e não pagas", são acrescentados mais € 537,55, de "juros de mora até 13/03/07, comissão de gestão por créditos e despesas judiciais", dizendo-se que tais valores teriam sido convencionados.

Porém as cláusulas invocadas pelo Banco Exequente e que estão impressas no verso do contrato, em letra microscópica, para além de serem cláusulas manifestamente leoninas, ou abusivas (DL 446/85, art. 19.º, al. c), sendo por isso nulas (art. 12.º), teriam de qualquer modo de ser consideradas excluídas do contrato singular, por, por um lado, pelo seu contexto e pela sua apresentação gráfica, passarem despercebidas "a um contratante normal, colocado na posição do contratante real" (art. 8.º, al. c) e, por outro lado, estarem inseridas "depois da assinatura" do contratante (al. d).

Não se esqueça que, se a jurisprudência maioritária decide no sentido de que, como se decidiu por exemplo, num acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (de 10‑05‑2007, Rel. Des. Carla Mendes), no âmbito dos contratos de crédito, a lei admite que os limites contemplados no art. 1146.º do CC sejam afastados tratando-se de operações de crédito celebradas por instituições de crédito ou parabancárias (para tal considerando o disposto nos arts. 5.º e 7.º do D.L. n.º 344/78, alterado pelos D.L. n.º 83/86 e 204/87, e tendo em consideração o Aviso do Banco de Portugal n.º 3/93, que significou a liberação dos juros praticados pelas instituições financeiras), a mesma jurisprudência também decide que (cf. acórdão de 09-11-2006, também Rel. Des. Carla Mendes), são nulas as cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de um dos contratantes, importando, portanto, a localização física ou espacial, o local onde está inserida a cláusula; assim, estão excluídas as cláusulas impressas no verso da página onde consta a assinatura do aderente (Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro - artigo 8.º, alínea d).

Esta é a orientação aqui adoptada. Ela...

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