Acórdão nº 8272/2008-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelMARGARIDA VELOSO
Data da Resolução13 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam os juízes da 9ª secção do tribunal da Relação de Lisboa: I. No processo n.º 1014.01.9JDLSB, da 1ª vara criminal de Lisboa os arguidos foram condenados pela prática de crimes de falsificação de documentos, sendo que, os arguidos (A), (B), (C), (D), (E), (F), (G), (H) e (I) foram absolvidos da Prática de crimes de falsificação na forma tentada, por acórdão datado de 2-06-2008.

Inconformado com esta decisão na parte respeitante ao crime de falsificação na forma tentada, o Ministério Público interpôs recurso, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões: - Os arguidos foram acusados/pronunciados pela prática, em co-autoria, do crime de falsificação de documentos, na forma tentada, p.p. pelos Artºs 256º, nºs 1, alínea a), e 3, com referência aos Artºs 255º, alínea c), 22º, 23º e 26º, todos do Código Penal e Artº 363º, nº 2, do Código Civil; - Foram absolvidos da prática do mesmo; - O douto acórdão enferma de contradições insanáveis entre a fundamentação e a decisão nele contidas (artº 410º, nº 2, alínea b), do C.P.P.) e, em consequência, padece de erro notório na apreciação da prova (artº 410º, nº 2, alínea c), do C.P.P.); - O tribunal "a quo" deu como provado a intenção e resolução criminosas no que respeita à entrega a um arguido, pelos restantes, dos documentos visando a realização dos documentos autênticos contrafeitos; - Pelo contrário, a final, veio dizer que se considera como não integrada a prática de um crime de falsificação na sua forma tentada relativamente aos arguidos mesmo que relativamente a estes se possa inferir uma intenção e resolução criminosas no que respeita à entrega a um arguido, pelos restantes, dos documentos visando a realização dos documentos autênticos contrafeitos; - Há tentativa quando o agente pratica actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que chegue a consumar-se (artº 22º, nº 1, C.P.); - São actos de execução os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime, os que forem idóneos a produzir o resultado típico ou os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores (artº 22º, nº 2, do C.P.); - O critério legal para a distinção entre actos preparatórios e actos de execução é um critério objectivo; os actos de execução hão-de conter já, eles próprios, um momento de ilicitude, pois ainda que não produzam a lesão do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora do crime consumado produzem já uma situação de perigo para esse bem; - Para que a falsificação constitua crime é necessário que haja intenção de causar prejuízo ou beneficiar ilegitimamente (art. 256º do C.P.); - Houve intenção e acordo entre os arguidos, houve entrega de documentos e quantias monetárias, pelo que, houve actos idóneos, inequívocos, capazes potencialmente de produzir o evento e, por conseguinte, houve tentativa; - Os actos de entrega das fotos e das cópias de títulos identificativos por parte dos arguidos a outro arguido e a detenção por este último desses mesmos documentos são de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos que preenchem um elemento constitutivo de um tipo de crime e que são idóneos a produzir o resultado típico; - Não fora a intervenção da Polícia Judiciária na busca realizada à residência do arguido que detinha a documentação e a sua apreensão, prosseguir-se-ia na execução do crime com a entrega de tal documentação a quem realizava a contrafacção e posteriormente entregue aos supra indicados arguidos que a pretendiam e tinham encomendado; Deve o douto acórdão proferido, nesta parte, ser revogado e substituído por outro (artº 430º do C.P.P.), dando-se provimento ao recurso, ora interposto, e os arguidos condenados pela prática, como co-autores, do crime de falsificação de documentos, na forma tentada, p.p. pelos artºs 256º, nºs 1, alínea a) e 3, com referência aos artºs 255º, alínea c), 22º, 23º e 26º, todos do Código Penal e artº 363º, nº 2, do Código Civil.

Os arguidos nas suas repostas concluíram como se transcreve: O arguido (F).

- A prova oralmente produzida em audiência foi gravada e documentada em acta.

- O recorrente MP não deu cumprimento ao disposto no art.° 412°, n°s 3 al. a), b) e n.º, 4 do CPP.

- Deverá, atento ao disposto no art°. 417°, no n.º 3, do mesmo diploma ser convidado a vir apresentar novas conclusões donde constem tais elementos, sob pena de não conhecimento do recurso nesta parte.

- Em audiência não foram produzidas provas que permitisse com segurança mínima a condenação do arguido (F) pelo crime de falsificação na forma tentada de que vinha acusado. Com efeito, - O mencionado G que consta ter recebido do arguido cerca de 39 euros para carta de condução não foi inquirido em nenhum momento, sendo certo que nenhuma das testemunhas ouvidas em audiência referiu o que quer que fosse quanto a este arguido.

Assim deve ao presente recurso ser negado provimento, mantendo a decisão recorrida no que ao arguido diz respeito.

Arguido (C) - Como é sabido e como resulta expressis verbis do artigo 4100, n° 2 do CPP, os vícios neles referidos - entre ao quais se encontra a contradição insanável da fundamentação (cfr a alínea b) do mesmo preceito) -" têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante inquérito ou instrução ou até no julgamento.

- Não se detecta no acórdão sob censura a existência de qualquer contradição entre os vários factos considerados provados ou entre a fundamentação probatória da matéria de facto e própria decisão da matéria de facto.

- Inexiste pois contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.

- O erro notório é um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura da decisão. Erro tão crasso que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de qualquer exercício mental. As provas revelam claramente uma coisa, um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível incluindo a matéria fáctica ou excluindo dela um facto essencial.

- Sendo um vício da decisão, ele terá que resultar do texto da mesma, apreciada na sua globalidade, no seu todo e terá que ser notório de modo que o cidadão medianamente diligente facilmente dele se dê conta.

- Na verdade o que o acórdão sob censura indica como estando provado em nada ofende o sentimento do homem médio, (recorde-se que este homem médio serve de referência para o efeito de aferir da existência do falado erro notório) sobre a realidade ou irrealidade dos factos.

- No caso do acórdão ora recorrido não se detecta nenhuma irrazoabilidade patente aos olhos de qualquer observador comum.

- Por outras palavras, do texto do acórdão não resulta que se apreciou de forma descabida a prova, isto é que os factos dados como tendo acontecido não podiam ter acontecido.

- Improcede por isso o invocado erro notório na apreciação da prova.

-O Recorrente não põe em causa a matéria dada como provada, o Recorrente não impugna a prova produzida em audiência de julgamento ou a prova documental e pericial, ou seja o Recorrente não pretende invocar que o tribunal violou as regras de experiência comum na apreciação que fez das provas ou que o tribunal se baseou em juízos lógicos, arbitrários ou contraditórios .

- Resulta que a questão suscitada pela Recorrente, salvo o devido respeito, nada tem a ver com contradições insanáveis entre a fundamentação e a decisão nele contida (410º n°2 alínea b) do CPP), nem com erro notório da apreciação da prova. (artigo 410°, n°2 aliena c).

- O motivo do recurso do Recorrente resume-se à discordância que a recorrente manifesta em relação à absolvição do Arguido, pois no seu entendimento a matéria de facto assente nos autos integra a prática de um crime de falsificação de documentos na forma tentada, pp. pelos artigos 256° n°1, alínea a) e 3, com referência aos artigos 255° alínea c), 22°,23° e 26°, todos do Código Penal.

- O Recorrente considera que o acórdão censurado qualificou erroneamente a matéria factual apurada e provada, em lugar de subsumir os factos provados como actos executórios, considerou-os como actos preparatórios.

- O Recorrente nas suas motivações fundamentou especificamente os fundamentos do recurso, discordando do acórdão recorrido no plano de facto, afirmando que o acórdão enferma dos vícios de contradições insanáveis entre a fundamentação e a decisão nele contida e em consequência padece de erro notório na apreciação da prova, invocando o artigo 410º, n°2 alínea b) e artigo 410°,n°2 alínea b) - para nas conclusões vir apenas a divergir do enquadramento jurídico-penal da matéria dada como provada.

- A discordância do Recorrente em relação a decisão recorrida é assim apenas no plano de direito.

- Salvo melhor opinião, o recurso do Recorrente é que enferma de contradição entre as suas motivações e as suas conclusões.

- O acórdão ora censurado fundamenta extensamente o enquadramento jurídico-penal da matéria apurada como actos preparatórios.

- Não assiste razão ao Recorrente ao invocar que existe contradições insanáveis entre a fundamentação e a decisão nele contida.

- O Arguido (C) sufraga a posição assumida pelo tribunal e exaustivamente fundamentada no acórdão ora censurado.

- É manifesta a falta de razão subjacente à posição sustentada pelo do Recorrente, bem como ao enquadramento legal que o Recorrente pretende dar à matéria apurada.

- Até a consumação de um crime, o chamado iter criminís passa por várias fases, desde o pensamento e à decisão de o cometer, até ao estudo do momento, preparação dos meios, escolha e preparação do modo e do tempo, à prática de actos tendentes a realizá-lo.

- Sendo o direito penal um direito de facto, não vai ao ponto de se intrometer nas intenções ou pensamentos, sendo pacifico que o pensamento ou a mera decisão não releva para efeitos de punição - cogitatio non...

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