Acórdão nº 2552/2008-1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 04 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelRUI VOUGA
Data da Resolução04 de Novembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa: T e marido J e R intentaram acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra V, LDª., pedindo: a) a condenação da ré a realizar as obras destinadas à eliminação dos defeitos existentes nas fracções; b) em alternativa, no caso de a Ré não proceder à eliminação desses defeitos, a condenação da mesma a suportar o custo correspondente ou, subsidiariamente, caso se apure a inviabilidade da eliminação dos defeitos apresentados, a redução do preço pago pelos autores na aquisição das suas fracções na medida da desvalorização daí resultante a determinar por avaliação judicial; c) por fim, a condenação da ré no pagamento da quota parte do preço do estudo encomendado, o qual importou para os Autores, no montante total de €261,80, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a citação da ré até integral pagamento. Alegaram, para tanto, que a Ré dedica-se à construção e comercialização de edifícios destinados na sua maioria a habitação e que, no exercício dessa actividade, construiu o edifício constituído em propriedade horizontal do qual os Autores são condóminos, tendo adquirido as suas fracções à Ré, que lhes garantiu que a construção cumpria todas as normas regulamentares, nomeadamente, ao nível de isolamento sonoro e térmico.

Não obstante, após terem passado a habitar as suas fracções, os Autores verificaram a existência de defeitos de construção ao nível acústico e térmico. Tendo denunciado, tempestivamente, tais defeitos à Ré, a mesma recusou-se a eliminá-los.

A Ré contestou, por excepção e por impugnação.

Defendendo-se por excepção, invocou a caducidade do direito à eliminação dos defeitos.

Defendendo-se por impugnação, impugnou os factos alegados pelos Autores, afirmando a inexistência de defeitos de construção.

Os Autores responderam à matéria da excepção deduzida pela Ré, alegando que denunciaram os defeitos dentro do prazo de um ano, devendo, assim, improceder a excepção suscitada.

Findos os articulados, realizou-se a audiência preliminar, na qual foi proferido despacho-saneador, que conheceu do mérito da excepção de caducidade do direito à eliminação dos defeitos, tendo-a julgado improcedente.

Dispensou-se a selecção da matéria de facto.

A Ré interpôs recurso do despacho-saneador, na parte em que se julgou improcedente a excepção de caducidade, recurso esse que foi admitido como de Apelação com efeito meramente devolutivo e subida a final.

A Apelante rematou as pertinentes alegações com as seguintes conclusões: "1ª - Tendo os autores afirmado que obtiveram conhecimento de deficiência no isolamento da fracção autónoma desde o dia em que passaram a habitar a respectiva fracção, é a partir desse primeiro dia que começa a correr o prazo de 1 ano para denunciarem os defeitos.

  1. - A denúncia não tem que ser fundamentada em termos técnicos sobre as origens ou extensões do defeito. Deve, sim, ser suficientemente esclarecedora e inteligível para que o vendedor possa identificar o defeito e proceder à sua eliminação.

  2. - Se o comprador de coisa defeituosa pretende fundamentar a denúncia com conhecimentos técnicos que não possui, deve procurar obter esses conhecimentos dentro do prazo que a lei lhe concede para a denúncia.

  3. - A ausência de conhecimentos técnicos sobre defeitos de construção não permite ao comprador da coisa defeituosa alargar os prazos de caducidade da denúncia ou do direito de acção para eliminação dos defeitos.

  4. - A administração de prédio constituído em regime de propriedade horizontal tem poderes para reclamar do construtor/vendedor os defeitos existentes nas partes comuns do prédio. Mas já não tem legitimidade para reclamar em nome dos condóminos os defeitos que existam nas fracções autónomas.

  5. - A denúncia de defeitos de construção nas partes comuns do edifício, feita pela administração do condomínio, não abrange os defeitos existentes em cada uma das fracções autónomas do prédio.

  6. - Os defeitos de construção devem ser denunciados pelo comprador ao vendedor do imóvel no prazo de 1 ano a contar da data em que o comprador obteve o conhecimento do defeito.

  7. - Ao decidir da forma como decidiu, a MM juíza na primeira instância não deu correcto entendimento ao disposto nos artigos 328º, 329º, 331º, 1220º, nº 1, 1224º, nº 1, 1225º, nºs 1, 2 e 3; e 1437º, todos do Código Civil.

    Termos em que, nos melhores de direito e com o douto suprimento de V.Exªs, Venerandos Desembargadores, deve a decisão proferida no douto despacho saneador ser revogada e, em consequência, ser julgada procedente a arguida excepção da caducidade, com o que se fará sã, serena e objectiva justiça".

    Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença (datada de 3/7/2007) que julgou a acção procedente e, consequentemente, condenou a Ré V, Ldª. a proceder à eliminação dos defeitos relacionados com o isolamento térmico e acústico das fracções dos Autores e a pagar-lhes a quantia de € 261,80 (duzentos e sessenta e um euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

    Inconformada com o assim decidido, a Ré apelou da referida sentença, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões: "1.ª - O excesso de barulho proveniente do exterior de uma fracção autónoma não significa, sem mais, um defeito no isolamento acústico do prédio.

  8. - As construções são executadas mediantes projectos de arquitectura e especialidade devendo, cada um deles, ser realizado mediante as normas aplicáveis que naquele momento se encontram em vigor. A alteração legislativa posterior à finalização da construção não implica uma obrigação para o construtor em adaptar a obra para a legislação superveniente.

  9. - Se a legislação contemporânea da obra determina que os ruídos aceitáveis correspondem a determinados valores são esses limites que o construtor deve observar no isolamento do prédio. É irrelevante o facto daquela legislação ser alterada se a obra já está concluída.

  10. - A obrigação do construtor é executar a obra com inteiro respeito pela "legis artis", em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzem o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário.

  11. - "Vício" significa: imperfeição, defeito que torna uma pessoa ou uma coisa imprópria para o fim a que se destina. Defeito é, assim, a imperfeição, a falta de algo, a deformidade. As desconformidades traduzem-se em desvios ao projecto de obra expressa ou tacitamente convencionado, independentemente de ocorrer exclusão ou redução do valor da obra 6.ª - Se o nível de conforto acústico do prédio construído está aquém do que seria esperado, mas se tal nível está dentro dos valores exigidos pela legislação vigente da época da obra, então não há defeito de construção.

  12. - A douta sentença recorrida, ao julgar procedente à acção, aplicou entendimento que os isolamentos das fracções autónomas dos autores deveriam estar dentro dos níveis exigidos por legislação posterior à obra, desvalorizando as exigências da legislação contemporânea da construção.

  13. - A douta sentença recorrida não deu correcta interpretação ao disposto no decreto-lei 251/87 de 24 de Junho, e nos artigos 12.º n.º 1, 1208.º, 1218.º, 1219.º n.º 2, 1224.º n.º 2, e 1225.º n.º 1 e 2 todos do Código Civil e artigo 659.º n.º 2 do Código de Processo Civil.

    Termos em que, nos melhores de direito e com o douto suprimento de V.Exªs, Venerandos Desembargadores, deve a sentença recorrida ser revogada, substituindo-se, por outra que, julgando com o sentido acima exposto, julgue improcedente a acção, com o que se fará sã, serena e objectiva justiça." Não houve contra-alegações, na apelação interposta da sentença final.

    Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

    O OBJECTO DO RECURSO Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].

    Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.

    Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

    Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas - e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) - de todas as "questões" suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 660º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 713º, nº 2).

    No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela Ré ora Apelante que o objecto da presente Apelação, no que concerne ao segmento do Despacho Saneador que julgou improcedente a excepção de...

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