Acórdão nº 258/2000.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Março de 2009
Magistrado Responsável | ISABEL FONSECA |
Data da Resolução | 03 de Março de 2009 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam os juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO A...
, residente em X..., França intentou a presente acção, com forma de processo ordinário, contra B...
e mulher C...
, D...
e mulher E...
, todos com domicilio profissional na empresa F...
, Y... W...... pedindo que o autor A... “seja reconhecido como filho de G...
, com as legais consequências”, ordenando-se em conformidade, o averbamento de tal paternidade ao respectivo assento de nascimento. Para fundamentar a sua pretensão invoca, em síntese, que: O autor nasceu em 17/12/1961 e foi registado como sendo filho de H....
e do marido desta, J...
, registo que foi feito com base na presunção legal de que o filho nascido na constância do casamento é filho do marido da mãe; No entanto, o autor é filho de G..., falecido em 16 de Agosto de 1999, nascimento que ocorreu no termo normal da gravidez que sobreveio a sua mãe em consequência das relações de cópula completa havidas entre ela e o falecido, com exclusividade, relações que se prolongaram pelos meses de Março, Abril e Maio de 1961; Com efeito, o marido da mãe migrou em 1960 para Lisboa, aí passando a trabalhar até final de 1962, ficando a esposa e dois filhos menores em Z... e quando a mãe ficou doente, foi o G..., amigo da família, que sempre a transportou ao médico e a acompanhou; Antes da morte do G... a mãe do requerente esteve muitíssimo doente e foi hospitalizada, e nessa altura desabafou com o autor revelando o segredo que nunca tinha tido coragem de lhe revelar; Em consequência dessa revelação, logo que o requerente veio a Portugal foi ter com o pai G..., que confessou, emocionado, ser seu pai, revelando arrependimento por não ter tido a coragem de antes lhe revelar o que agora lhe confirmava.
O autor e o G... passaram a relacionar-se um com o outro, chamando o autor o G... de pai e este apelidando o autor de filho e tratando-se como tal, visitando-se um ao outro, ajudando o G..., economicamente, o autor, e todos os que os conheciam sempre lhe atribuíram a paternidade. Os réus B... e D... contestaram, impugnando os factos articulados na petição inicial e excepcionando a caducidade do direito de instauração da acção; Excepcionam, ainda, a simulação da acção de impugnação de paternidade que correu termos com o nº 270/99.
O autor respondeu às excepções.
Procedeu-se ao saneamento do processo, julgando-se improcedente a excepção invocada, por despacho que transitou em julgado.
Fixou-se a factualidade assente e elaborou-se a base instrutória, sem reclamações.
O autor apresentou requerimento peticionando, em sede de “prova pericial”, o seguinte: “Nos termos dos artigos 568 e ss. do C.P.C. requer-se a Vossa Excelência se digne mandar efectuar testes genéticos de ADN — testes a requisitar ao Instituto Nacional de Medicina Legal, Delegação de Coimbra — às pessoas a seguir identificadas: 1. D..., residente na W...Faro.
-
B..., residente no V....W.......
-
J...
, Z.... Maia.
Com efeito, as pessoas referidas têm, ao que se presume e conforme se alega na acção instaurada, parentesco genético na linha colateral com o Autor revelando-se as referidas perícias essenciais à descoberta da verdade material, ou seja que o pai biológico do autor é o falecido G..., provando-se desta forma toda a matéria de facto dos quesitos n.° 7 a 12° da base instrutória.
Mais se requer que tais pessoas sejam notificadas para comparecerem no Instituto Nacional de Medicina Legal, em dia e hora a assinalar pelo referido Instituto, a fim de se proceder à colheita dos produtos necessários à realização dos referidos testes.
Por fim requer-se a Vossa Excelência, caso permaneça alguma dúvida, ainda que ínfima, se proceda à exumação do cadáver do falecido G..., na qualidade de presumido pai do Autor, a fim de se proceder à colheita de produtos biológicos com idênticas finalidades”.
Os réus responderam, alegando: “Preceitua o n° 1 do art. 577° do C.P.C. que ao requerer a perícia, a parte indicará logo, sob pena de rejeição, o respectivo objecto enumerando os quesitos dos factos que pretende ver esclarecidos através da diligência.
No entanto constata-se que no requerimento de prova não foi indicada a factualidade concreta a que os Senhores Peritos deveriam responder, já que, limitou-se o Autor a requerer que se mandem efectuar testes genéticos de ADN, nas pessoas indicadas, não referindo em concreto o tipo de quesitação e de respostas que os Senhores Peritos deverão responder, referindo unicamente que tal perícia se destina a prova da matéria de facto dos quesitos 7 a 12 da Base Instrutória ! Salienta-se contudo que a matéria de tais quesitos não pode ser objecto de testes de ADN, pelo que não tendo o Autor indicado a concreta quesitação que definiria o objecto da perícia, deve esta nos termos do n° 1 do art. 5770 do C.P.C. ser liminarmente rejeitada.
Idênticos fundamentos e argumentação são válidos para a perícia relativa à exumação do cadáver de G... pelo que também pelas mesmas razões deve ser rejeitada.
Mas, se por mera hipótese académica e cujo fundamento não se vislumbra, assim se não entender, sempre, por cautela e dever de patrocínio se dirá: a) No que diz respeito aos Réus, não sendo indicada a quesitação concreta da perícia de que os mesmos iriam ser alvos, deixando por isso em aberto a possibilidade de tal perícia revelar todo um historial genético susceptível de dar a conhecer eventuais patologias ou normais características que se inserem no direito à reserva sobre a intimidade, vida privada e na protecção dos direitos de personalidade a que se reportam os arts. 70°, 80° e 81° do Cód. Civil, aqueles Réus não autorizam que sobre si incida tão abrangente e genérica perícia; b) No que se refere à exumação do cadáver de G..., entendem os Réus que, apesar de o mesmo argumento processual referido na alínea anterior também ser válido, no entanto em caso algum e no âmbito de um processo desta natureza, tal perícia pode ser autorizada sob pena de violação do preceituado nos arts. 71º e 80º do já supra referido Cód. Civil”.
Sobre esse requerimento recaiu o seguinte despacho: “ O A, no seu requerimento de prova requer a realização de prova pericial consistente na realização de testes genéticos de A.D.N. aos RR D..., B... e J... e, caso subsistam dúvidas, à exumação do cadáver do pretenso pai.
Os RR vieram opor-se à realização de tal prova, por um lado, porque não enumera o respectivo objecto e, por outro, consideram que a realização dos mesmos põe em causa o direito à reserva sobre a intimidade, vida privada e na protecção dos direitos de personalidade. Acresce que os RR não autorizam que sobre si incida tal perícia. Pelas mesmas razões se opõem à exumação do cadáver do pretenso pai.
Decidindo.
Previamente à questão da falta de enumeração dos quesitos, cumpre apreciar se, no caso dos autos, é admissível ou não tal tipo de prova.
A causa de pedir da presente acção de investigação de paternidade assenta no "tratamento de filho" previsto na al. a) do n." 1 do art.° 187l.° do C.Civil, para além de, também, vir alegada a relação biológica. Todavia, e no que a este último aspecto respeita, e atendendo à idade do Autor — nascido 17.12.1961 - a presente acção nunca poderia proceder por esta única via, isto porque o prazo para interpor a presente acção com base exclusivamente na relação biológica já há muito caducou nos termos do art.° 1817." n°s. 1 e 2 ex vi do art.° 1873.°, ambos do C.Civil.
Assim sendo, e aliás como já resulta do despacho saneador onde se apreciou a excepção da caducidade suscitada, discute-se na presente acção, como causa de pedir, a presunção de paternidade prevista na al. a) do n.° 1 do art.° 1871." do C.Civil.
Ora, em face do exposto, não tem o Tribunal que conhecer directamente do facto biológico, da procriação, mas apenas pode conhecer dele indirectamente através de presunções.
O autor não tem que provar directamente a filiação biológica, porque está impedido de a invocar directamente, face à caducidade estabelecida no n.° 1 do art.° 817." (de conhecimento oficioso).
Esta filiação biológica apenas pode ser provada por presunção, ou seja, através da demonstração que, foi tratado como filho do pretenso pai. Ora os exames biológicos e hematológicos (...) destinam-se directamente à prova da filiação biológica. Prova essa que, como se disse, não pode ser feita directamente...
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