Acórdão nº 33/02.2JALRA-W.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2009
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

10 I. RELATÓRIO.

No 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca da Marinha Grande a arguida …, com os demais sinais nos autos, foi submetida, juntamente com outros, a julgamento em processo comum com intervenção do tribunal de júri, vindo, por acórdão de 2 de Julho de 2004, já transitado, a ser condenada, como autora material, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos e 8 meses de prisão.

Por despacho de 15 de Fevereiro de 2007, a arguida foi declarada contumaz e foram suspensos os termos do processo até à sua apresentação em juízo ou detenção.

Por requerimento entrado em juízo a 13 de Junho de 2008 a arguida requereu a reabertura da audiência, nos termos do art. 371º-A, do C. Processo Penal.

Foi então proferido, no dia 1 de Julho de 2008, o despacho que se transcreve: “ (…).

Fls. 7740 e 7741: Vem a arguida …, requerer a abertura da audiência de acordo com o disposto no art. 371-A do C.P. Penal.

Compulsados os autos, constata-se que a arguida foi declarada contumaz por douto despacho proferido a fls. 7618 e 7619.

A declaração de contumácia apenas caduca quando a arguida se apresentar ou for detida (artº 336º nº 1 do CPP).

Por outro lado nos termos do disposto no art. 335 nº 3 do CPP a declaração de contumácia implica a suspensão dos ulteriores termos do processo até à apresentação da arguida ou à sua detenção.

E ainda, nos termos do disposto no artº 476º do C.P.P. ao condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de uma pena de prisão ou de uma medida de internamento é correspondentemente aplicável o disposto nos artºs 335º, 336º e 337º.

É o caso dos autos! Destarte, e na senda do doutamente promovido a fls. 7743, com o qual concordamos na íntegra, indefiro o requerido pela arguida.

Passe e emita mandados de detenção da arguida e condução da mesma ao estabelecimento prisional para cumprimento da pena.

(…)”.

Inconformada com a decisão, dela recorreu a arguida, formulando no termo da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem: “ (…).

  1. A arguida …, condenada na pena de 4 anos e oito meses de prisão.

  2. À data da condenação a lei não permitia a suspensão da execução da pena quando esta fosse superior a três anos.

  3. As alterações legislativas introduzidas nesta matéria pelas Leis n.ºs 48/2007, de 29 de Agosto, e 59/2007, de 4 de Setembro, procuraram edificar um regime que, não criando uma enormíssima perturbação na ordem dos tribunais judiciais, respondesse às preocupações daqueles que consideravam inconstitucional a solução anteriormente consagrada no Código Penal.

  4. Na esteira da tese de Gomes Canotilho e Vital Moreira que defenderam que, «não estabelecendo a Constituição qualquer excepção, a aplicação retroactiva da lei penal mais favorável (despenalização, penalização menor, etc.) há-de valer, ao menos em princípio, mesmo para os casos julgados, com a consequente reapreciação da questão …).

  5. A nova redacção do Código Penal eliminou o último período do n.º 4 do artigo 2º, através do qual se salvaguardava o caso julgado, e acrescentou a esse número uma segunda parte que dispõe que «se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior».

  6. Por sua vez, a nova redacção do Código de Processo Penal passou a contar com um novo artigo, o 371º-A, que estabelece que «se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime».

  7. Consagrou-se assim, com a entrada em vigor da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, no nº 1 do artigo 50º, do Código Penal, a obrigatoriedade de o tribunal suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos.

  8. No entanto, o Tribunal recorrido indeferiu a requerida reabertura sustentando em síntese que a declaração de contumácia implica a suspensão dos ulteriores termos do processo até à apresentação da arguida ou à sua detenção.

  9. A Recorrente não se pode conformar com tal decisão.

  10. A decisão de reabertura não implica, nem sequer indicia, que o tribunal venha efectivamente a substituir a pena de prisão que foi aplicada ao arguido. Esse é um juízo da competência do tribunal colectivo e não do juiz singular que apenas pode ser formulado depois de reaberta a audiência e de assegurado o exercício do contraditório.

  11. Com a consagração do artigo 371º A do C.P.P. confere-se execução à prevalência da garantia constitucional de aplicação retroactiva do regime penal mais favorável sobre o caso julgado decorrente da nova redacção do nº 4 do artigo 2º do Código Penal e do artigo 29º, nº 4 da CRP., e ao mesmo tempo, delimita-se a sua concretização.

  12. Procurou assim limitar aquele instituto às situações em que a compressão de direitos ainda pode ser prevenida (como in casu), considerando que, quando tal não acontece, a concordância prática entre a garantia constitucional do caso julgado e da retroactividade da lei penal mais favorável pende claramente para a prevalência do primeiro.

  13. O legislador, no actual artigo 371º-A do C.P. Penal, quis, com certa condição – antes de ter cessado a execução da pena –, ampliar a aplicação de lei posterior mais favorável às situações em que já houvesse trânsito em julgado.

  14. A aplicação tout court do artigo 335º do C.P.P. prejudica inelutavelmente a aplicação do normativo constitucional de aplicação da lei mais favorável e o próprio corpo do artigo 2º, nº 4 do C.P. (direito constitucional aplicado).

  15. Tendo sido imposta à arguida a pena de 4 anos e oito meses de prisão, há que averiguar, atento o que dispõe a Constituição da República e o Código Penal sobre a aplicação da lei criminal no tempo – artigos 29º, n.º 4 e 2º, n.º 4 –, se a pena àquela cominada deve ou não ser objecto de suspensão na sua execução.

  16. A necessidade de audiência, antes da determinação do regime de sucessão mais favorável, afirma o respeito pelo princípio do contraditório.

  17. O juízo a efectuar antes da audiência para aplicação da lei nova situa-se no plano abstracto, e tendo em vista a expectativa de uma situação de benefício, o que afasta um qualquer pré-juízo quanto ao êxito ou inêxito da pretensão do requerente.

  18. Além do mais, ao não fundamentar a decisão proferida, violou o despacho recorrido o disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal.

  19. Destarte, e por força do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea a) do mesmo diploma legal, é o despacho recorrido nulo, nulidade esta que aqui, para todos os devidos e legais efeitos, se argúi.

  20. Violou ainda o despacho recorrido o disposto no artigo 371º-A, do Código de Processo Penal (na sua redacção actual), bem como o disposto no artigo 43º, nº 1, do Código Penal (na sua redacção actual).

  21. O legislador na nova redacção introduzida consagrou a regra da suspensão da pena quando não superior a cinco anos.

  22. Os direitos fundamentais não poderão ser limitados senão na medida do estritamente indispensável à defesa dos próprios direitos e liberdades constitucionalmente consagrados. É o que decorre do princípio da máxima restrição das normas que bolem com os direitos e liberdades fundamentais, só se justificando a pena e o seu quantum na medida do indispensável à salvaguarda dos "direitos ou interesses constitucionalmente protegidos" (artigo 18, nº 2, da CRP).

  23. A interpretação que o Tribunal a quo fez das normas jurídicas em causa, espelhada na decisão recorrida não se coaduna com o disposto nos artigos 18º e 29º, nº 4 da CRP, o que desde já se suscita para efeitos do preceituado na al. b) do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.

    Pelo que deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e determinando que a mesma seja substituída por outra que designe data para a reabertura da audiência nos termos previstos no artigo 371º-A do Código de Processo Penal, fazendo-se assim a Costumada JUSTIÇA! (…)”.

    Não houve resposta ao recurso.

    Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunta emitiu parecer no qual se pronunciou pelo parcial provimento do recurso, com a manutenção da decisão recorrida na parte em que determinou a emissão dos mandados de detenção para execução da pena, e com a sua revogação na parte em que indeferiu o pedido de reabertura da audiência nos termos do art. 371º-A, do C. Processo Penal.

    Foi cumprido ao...

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