Acórdão nº 1207/05.OPBTMR de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelISABEL FONSECA
Data da Resolução17 de Dezembro de 2008
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. RELATÓRIO A.....(entretanto falecida, tendo sido habilitados como seu herdeiros, B....., C.....e D.....), E....., F....., G....., H..... e I.....instauraram a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra J.....e K.....pedindo: a) que seja declarada a falsidade da escritura de compra e venda outorgada em 20 de Fevereiro de 2004, exarada a no Livro de Notas n° 175 - I de fls. 111 a 112 verso do então Segundo Cartório Notarial de Tomar, hoje, por privatização, do Cartório Notarial de L.....em Tomar; b) seja declarada a nulidade do registo de aquisição feito a favor da ré K..... - Comércio e Indústria de Materiais de Construção do Centro, Lda. com base na aludida escritura; c) seja ordenado o cancelamento do mesmo registo de aquisição feito a favor da ré, pela inscrição G - 1, à descrição n° 02491/050779 da Conservatória do Registo Predial de Tomar.

    Em sede de ampliação do pedido, efectuada na réplica, os autores pedem ainda: d) que seja "declarada a falsidade da escritura de compra e venda outorgada em 20 de Fevereiro de 2004, exarada a no Livro de Notas n° 175 - I de fls. 111 a 112 verso do então Segundo Cartório Notarial de Tomar, hoje, por privatização, do Cartório Notarial de L.....em Tomar, declarando-se ainda a nulidade do contrato de compra e venda que ela titula, bem como o estipulado em 5º do Acordo junto aos autos". Para o efeito, alegaram, em síntese, que: Os autores são os únicos e universais herdeiros de M.....falecido em 16 de Março de 2005; Cerca de um ano e meio antes da sua morte, o falecido M.....outorgou uma procuração ao réu J....., conferindo-lhe poderes para vender ou prometer vender, pelo preço e condições que entendesse, inclusive, para celebrar negócios consigo mesmo, a fracção autónoma designada pela letra «C», correspondente ao primeiro andar direito, para habitação, prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua de S. João, n° 46, freguesia de S. João Baptista, em Tomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o n° 1691 e inscrito na matriz, sob o artigo 2189; Munido destes poderes, atribuídos com carácter irrevogável e sem caducidade por morte ou interdição do mandante, o réu J....., por escritura pública outorgada em 20 de Fevereiro de 2004, declarou vender à segunda ré, que declarou comprar-lhe a mencionada fracção autónoma, pelo preço de € 55.000,00; Nessa sequência o imóvel foi registado, na Conservatória do Registo Predial, em nome da ré K....., Lda; Acontece, porém, que tal preço nunca foi pago, nem o falecido M.....teve conhecimento dessa venda, por isso, o conteúdo de tal escritura é falso, por ser discrepante com a realidade, atestando um facto que não se verificou, falsidade que tem a sua origem no dolo, por as declarações não serem verdadeiras.

    Regularmente citados, os réus apresentaram contestação, na qual alegam, em síntese, o seguinte: O réu J....., sobrinho do falecido M....., passou a maior parte da sua adolescência e juventude na cidade de Tomar, onde se formou, tendo nesse espaço de tempo sido entregue aos cuidados dos seus tios M.....e esposa O....., irmã do pai do réu e que foi um sobrinho estimado do falecido M....., que acompanhou e ajudou numa altura que este caracterizou de total abandono pelos seus agora intitulados herdeiros legítimos; Em meados de 2002 o falecido M....., justificando-se com graves dificuldades financeiras, propôs-se a negociar a sua residência com o réu J....., adiantando que já tinha proposto o mesmo a outros primos e irmãos do réu sem que nenhum deles o tivesse aceite; Ainda assim, e sempre que o réu visitava o seu tio M....., este propunha-se negociar a sua casa, confidenciando que, sem ajudas de mais ninguém, especialmente da família mais próxima, a sua reforma não lhe permitia uma sobrevivência condigna; Em meados de Maio de 2003, o falecido M....., propôs ao réu o seguinte: este garantia-lhe uma «mensalidade para o resto da vida» num montante de 550,00 € (quinhentos e cinquenta euros), e aquele punha a casa de que dispunha em nome do réu ou de quem ele quisesse; O réu, sentindo as reais necessidades do seu tio, procurou junto dos seus filhos e da sociedade comercial que os mesmos representam, a ré K....., Lda., alguma disponibilidade financeira e interesse para a proposta que o falecido M.....lhe dirigia; A ré K....., Lda., viu interesse no negócio desde que, naturalmente, lhe fosse garantida a possibilidade de aquisição da referida fracção; Assim, ainda no mês de Maio de 2003, o falecido M....., no âmbito do acordo verbal celebrado, começou a receber, em dinheiro, da ré K....., Lda. e através do réu J....., um montante mensal de Euros: 550,00 €, através dos cheques enumerados no art. 25° da petição inicial; Por já terem ajustado o montante das prestações e as mesmas estarem a ser pagas, o réu J..... e o falecido M....., no dia 5 de Setembro de 2003, no Segundo Cartório Notarial de Tomar e sob o conselho do Sr. Notário, formalizaram a procuração e ainda o acordo mencionados nos arts. 20° e 21° da petição inicial; O que o M.....exigia como contrapartida da possibilidade de transmissão da fracção C, era o pagamento mensal da quantia de Euros: 550 € até ao mês da sua morte; Desconhecendo quantas mais rendas tinham ainda de ser pagas a M....., que estava vivo e gozava de boa saúde, aqueles outorgantes e aqui réus decidiram-se por um montante que consideraram razoável e expectável; O réu J..... (na qualidade procurador do seu tio/proprietário) e a ré K....., Lda. (outorgante naquela escritura na qualidade de compradora), não podendo determinar com exactidão o valor da transmissão dita em D), estipularam o montante de Euros 55 000 € como sendo o valor total de todas as rendas que seriam pagas ao M....., até final do referido acordo; M.....soube da venda da referida fracção C, tendo concordado com os termos da mesma, sendo que foi o próprio M.....quem comunicou a venda que fez, a alguns deles, autores.

    Concluíram pela improcedência da acção e sua absolvição do pedido tendo, ainda, invocado o disposto no art. 292° do Código Civil, peticionado a redução do preço exarado na escritura pública de compra e venda, para a quantia de € 11.000,00.

    Os autores apresentaram réplica, na qual ampliaram o pedido, nos termos indicados, e a causa de pedir, invocando a nulidade da escritura, com fundamento, na sua falsidade, a nulidade do próprio contrato de compra e venda, em virtude de, como inferem dos argumentos aduzidos na contestação, a estipulação do preço não ter resultado de liberdade contratual, sendo fictício, nem do valor do bem imóvel que dele foi objecto, sendo que tal nulidade também resulta, ainda, de o negócio ser indeterminável.

    Findos os articulados, teve lugar a audiência preliminar, na qual foi proferido despacho saneador, admitida a ampliação do pedido e da causa de pedir e organizadas a matéria assente e a base instrutória, que foram objecto de reclamação apresentada pelos autores, que foi indeferida.

    Instruída a causa, realizou-se a audiência de discussão e julgamento.

    Respondeu-se aos quesitos, após o que foi preferida sentença que concluiu da seguinte forma: "Termos em que julgo a presente acção não provada e improcedente e, em consequência, absolvo os réus, J.....e K....., Lda. de todos os pedidos.

    Custas a cargo dos autores - art. 446° do CPC.

    Notifique e registe".

    Não se conformando, os autores recorreram, peticionando da seguinte forma: "Termos em que, embora se peça a este Venerando Tribunal que se declare nula a sentença, pode ser conhecida a falsidade do título e a nulidade do contrato de compra e venda, por a matéria de facto provada fornecer os elementos necessários para julgar a apelação procedente, decretando-se a falsidade da escritura pública e declarando-se, ainda, a nulidade do contrato de compra e venda que ela titula, bem como o estipulado em 5º do Acordo junto aos autos".

    Formulam as seguintes conclusões.

    "1ª. A sentença é nula por conhecer de cinco vícios da vontade: simulação, erro na declaração, erro sobre o objecto negocial, erro sobre os motivos e dolo, dos quais não podia tomar conhecimento, por as partes não terem alegado qualquer daqueles vícios.

    1. A Sentença é nula por conhecer de pedido de redução do negócio formulado pelos réus, sem que estes tenham deduzido reconvenção, nem alegado factos para tal.

    2. A sentença é nula por não apreciar nem decidir, sobre o pedido de declaração da nulidade do contrato de compra e venda titulado pela escritura e do estipulado em 5°. do Acordo, pedido ampliado na réplica.

    3. Na escritura não foi pago nem recebido o preço de 55.000,00 euros dela constante, havendo, apenas, o pagamento de 8.800,00 euros, em prestações mensais de 550,00 euros cada, sendo discrepante o seu conteúdo com a verdade, pelo que se verifica a falsidade da escritura.

    4. O preço de 55.000,00 euros, constante do contrato de compra e venda, não resultou de qualquer vontade negocial, mas da necessidade com que os outorgantes se deparam de, no contrato, ter que ser indicado um preço, pelo que nem preço representa, não podendo ser considerado preço, acarretando a nulidade da compra e venda.

    5. Não houve entrega da fracção à compradora, não se tendo verificado outro dos efeitos essenciais do contrato.

    6. O facto do pagamento consistir em prestações mensais de 550,00 euros cada até à morte do dono da fracção, tendo efectivamente sido pagos 8.800,00 euros, acarreta a indeterminabilidade do negócio por os pagamentos a fazer dependerem da morte do dono da fracção, que nunca se saberia quando podia ocorrer.

    7. A cláusula 5ª. do «Acordo» viola as normas imperativas da compra e venda e do mandato, sendo nula.

    8. A Sentença recorrida viola os art°.s 280°.- n°. 1, 372°.- n°.s 1 e 2, 405°., 874°. e 879°.- als. b) e c), todos do Código Civil, e art°.s 264°., 659°. - n°. 3, 660°. - n°. 2, 664°. e 668°.- n°. 1, al. d) , todos do Código de Processo Civil.

    9. Nos termos e para os efeitos do art°. 748°., n°. 2, do C.P.C., os recorrentes não mantêm interesse nos agravos...

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