Acórdão nº 181/07.2TASRE.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Dezembro de 2008
Magistrado Responsável | GABRIEL CATARINO |
Data da Resolução | 03 de Dezembro de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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- Relatório.
Em dissensão com a decisão prolatada no processo supra epigrafado, em que na procedência da acusação pública – cfr. 48 a 51 – contra a arguida MJ..., a condenou como autora material de “crime de desobediência, p. e p. pelo n.º 1, alínea b) do art. 348.º, do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à razão diária de € 10,00 (dez) euros, o que perfaz o valor global de € 900,00 (novecentos) euros”, recorre a arguida que na motivação que apresentou remata com a síntese conclusiva que a seguir se deixa transcrita.
“1. Encontra-se deficientemente julgado o ponto 8. da material de facto, dele devendo ser expurgada a expressão: no Tribunal Judicial de Soure.
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Encontra-se erradamente julgado o ponto 11., devendo o mesmo julga-se não provado.
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A ordem notificada à arguida (transcrita a folhas 32) é ininteligível, por conter um comando puramente abstracto, constituído, aliás, mera transcrição da lei.
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Não tendo sido notificada à arguida as concretas circunstâncias em que deveria proceder à entrega dos bens (local, pessoa, entidade, etc.), não tinha a arguida elementos mínimos para auto determinar a sua conduta.
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A arguida nunca recusou a entrega dos bens à sua guarda, pelo que, nas circunstâncias, a sua conduta puramente passiva não configura o crime de desobediência cominado ao fiel depositário.
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A pena de multa aplicada é desproporcionada, não devendo, no caso, ir além dos 30 dias de multa à taxa diária de 5,00 €.” Na instância a Exma. Magistrada do Ministério Público respondeu para pugnar pela manutenção do decidido, para o que alinha as conclusões que ficam extractadas a seguir. “I. O tribunal pode dar como provados factos que não constem da acusação pública, não estando por ela limitado, a não ser que se trate de uma alteração substancial ou não substancial dos factos, o que não é o caso.
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Os despachos que foram entregues à arguida com a notificação, advertiam-na expressamente que, nada dizendo nem justificando a sua conduta, incorria na prática de um crime de desobediência.
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Nesses despachos constava o timbre do tribunal, o qual também continha a sua morada, pelo que a arguida sabia onde se dirigir para entregar os bens.
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Inexiste qualquer dos fundamentos previstos no artigo 410.º, nºos 2 e 3 do Código de Processo Penal, os quais podiam reclamar decisão diversa, pelo que, tendo em conta o princípio da imediação, concluímos que a douta sentença recorrida apreciou correctamente a matéria de facto, não merecendo nenhum reparo.
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Quanto à medida concreta da pena aplicada, o Tribunal a quo fundamentou exaustivamente a sua decisão, pelo que também neste ponto entendemos que se deve manter a douta sentença recorrida.
Já nesta instância, a preclara Procurador-geral Adjunto é de parecer que, quanto à: “2. Qualificação jurídica Argumenta a recorrente que se não verifica o crime de desobediência uma vez que arguida nunca recusou a entrega dos bens à sua guarda, pelo que a sua conduta puramente passiva não configura o crime de desobediência cominado ao fiel depositário.
Da matéria de facto provada, nos factos nos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11, resultam todos os elementos constitutivos da prática do crime de desobediência p.p. pelo artigo 348.º n.º 1 b)do C.P.
Assim, são elementos objectivos do tipo a ordem ou mandado, a legalidade substancial e formal da ordem ou mandado, a competência da autoridade ou funcionário para a sua emissão e a regularidade da sua transmissão ao destinatário (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, Rei dos Livros, 2.a Edição, Volume II, p. 1089 e ss.).
A ordem ou mandado têm que se revestir de legalidade substancial, ou seja, têm que se basear numa disposição legal que autorize a sua emissão ou decorrer dos poderes discricionários do funcionário ou autoridade emitente.
Por outro lado, exige-se a legalidade formal que se traduz na exigência de as ordens ou mandados serem emitidos de acordo com as formalidades que a lei estipula para a sua emissão.
Requer-se, ainda, que a autoridade ou funcionário emitente da ordem ou mandado tenham competência para o fazer, isto é, que aquilo que pretendam impor caiba na esfera das suas atribuições.
Por fim, os destinatários têm que ter conhecimento da ordem a que ficam sujeitos, o que exige um processo regular e capaz para a sua transmissão, por forma a que aqueles tenham conhecimento do que lhes é imposto ou exigido.
O depositário é obrigado a apresentar, quando lhe for ordenado, os bens que tenha recebido Ora, no caso dos autos, a arguida foi legalmente e pessoalmente notificada da decisão proferida pelo Mmo juiz de que deveria proceder à entrega dos bens de que era depositária no prazo de dez dias, tendo sido feita a cominação legal de que nada dizendo ou não justificando a sua conduta, incorreria na prática de um crime de desobediência.
A alínea b) do n.º1 do artigo 348.º existe tão-só para os casos em que nenhuma norma jurídica, seja qual for a sua natureza, prevê um comportamento desobediente. Só então se justifica que o legislador se tenha preocupado com um vazio de punibilidade, decidindo-se embora por uma solução incorrecta e desrespeitadora do princípio da legalidade criminal (Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo III, Coimbra Editora, 2001, p. 354).
São, afinal, desobediências não tipificadas, a ficarem dependentes, para a sua relevância penal, de uma simples cominação funcional.
O que não se pode é prescindir da cominação da punição por desobediência.
Faltar à obediência devida não constitui, por si só, facto criminalmente ilícito. A dignidade pena) da conduta exige que o dever de obediência que se incumpriu, se não tiver a sua fonte numa disposição legal que comine, no caso, a sua punição, como desobediência radique na cominação da punição da desobediência, feita por autoridade ou funcionário competentes para ditar a ordem.
Como consta dos autos e da fundamentação da decisão, em 25/07/2007 foi a arguida notificada pessoalmente por mandado cumprido por autoridade competente, e emanado também de autoridade judicial, tendo-lhe sido entregue cópia do despacho do Sr. Juiz onde constava a cominação de que caso não cumprisse o determinado incorria num crime de desobediência (fls. 31 a 34 dos autos).
Estão, pois, verificados todos os elementos constitutivos do tipo de ilícito, pelo que bem andou o Mmo juiz ao condenar a arguida pela prática de um crime de desobediência simples p.p. pelo artigo 348.º n.º 1 b)do C.P..
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– Medida da pena.
Nos termos do artigo 71.º do C. P. a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, e nos termos do disposto no artigo 40.º do mesmo diploma legal, a medida da pena em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa.
A moldura penal abstracta prevista para o crime de desobediência é a pena de prisão até ano ou a pena de multa até 120 dias.
O que significa que o crime imputado à arguida possui uma moldura penal abstracta que contempla a pena privativa de liberdade ou uma pena não privativa dessa liberdade.
O crime praticado pela arguida, embora denote o desrespeito pela decisão proferida, não é um crime que possa ser considerado muito grave; a arguida embora já com antecedentes · criminais, mostra-se socialmente inserida, e não existem, no caso vertente, razões de prevenção geral ou especial, que justifiquem a aplicação de uma pena que não se adeqúe com a sua condição sócio-económica.
A medida da pena e a respectiva taxa diária, estão, em nosso entender desajustadas dos rendimentos auferidos pela arguida, que não recebe mais do que um vencimento inferior ao salário mínimo nacional e contribui com a quantia de € 200 para auxílio nas despesas domesticas dos pais.
Assim, somos de parecer, que o recurso deve ser julgado parcialmente procedente, apenas devendo desagravar-se a medida da pena aplicada.
Devendo o thema decidendum do recurso ser delimitado pelas conclusões do recurso[1] vêm pedido que o tribunal de recurso tome posição sobre as questões a seguir enunciadas: a) – Reexame da matéria de facto – factos provados sob os nºs 8 e 11; b) – Ininteligibilidade da ordem recepcionada pela arguida – cfr. fls. 32; c) – Verificação dos elementos constitutivos do crime de desobediência; d) – Individualização Judicial da Pena – determinação da Pena concreta.
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– Fundamentação.
II.A. – De facto.
Para a decisão que prolatou escorou-se o tribunal na facticidade que a seguir queda transcrita.
“1. No dia 10 de Abril de 2005, no âmbito do processo nº107/05.8GASRE, que correu termos, no juízo único, deste Tribunal Judicial da Comarca de Soure, procedeu-se, entre outros, à apreensão de: - uma mesa de mistura, de marca Euroacch UB16227X-PO; - um amplificador da marca spirit; - quatro colunas sem ostentação de marca visível; 2. Os referidos objectos foram entregues à guarda da arguida MJ…, na qualidade de fiel depositária, 3. Ficando a mesma na obrigação de os entregar quando lhe fosse exigido, e de não os utilizar, sob pena de incorrer no crime de desobediência.
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De tudo ficou ciente.
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Por sentença proferida em 12 de Março de 2007, no âmbito do mesmo processo nº107/05.8GASRE, foi determinado a perda a favor do Estado de tais objectos, 6. Nessa sequência, no dia 25 de Julho de 2007, foi a arguida pessoalmente notificada para no prazo de 10 dias a contar daquela data proceder à entrega dos bens apreendidos e declarados perdidos a favor do Estado, com a cominação de, caso não efectuasse tal entrega ou justificasse tal conduta, incorrer na prática de um crime de desobediência, 7. Decorrido o prazo de 10 dias concedido à arguida, a mesma não efectuou a entrega dos artigos apreendidos, conforme lhe havia sido ordenado, 8. A arguida sabia que devia obediência à ordem que lhe tinha sido regularmente comunicada, para no prazo estipulado entregar os objectos apreendidos que se encontravam à sua guarda, no Tribunal Judicial de Soure, 9. E que não a acatando incorria na prática de um crime...
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