Acórdão nº 27/05.6GDFND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Novembro de 2008
Magistrado Responsável | VASQUES OS |
Data da Resolução | 26 de Novembro de 2008 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
12 I. RELATÓRIO Pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial da comarca da Covilhã, mediante acusação do Ministério Público que lhe imputava a prática de um crime de abuso sexual de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 172º, nº 1, do C. Penal, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, o arguido …, solteiro, servente da construção civil, , actualmente emigrado na Alemanha.
Por acórdão de 8 de Maio de 2008, foi o arguido condenado pela prática, em co-autoria material, do imputado crime, na pena de 13 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de treze meses sob condição de entrega à ofendida …, no prazo de quatro meses, da quantia de € 1.000.
Inconformado com a decisão, dela interpôs o arguido recurso, formulando no termo da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem: “ (…).
-
A motivação do Acórdão recorrido é manifestamente, insuficiente.
-
Da prova testemunhal nada resulta, que possa traduzir o circunstancialismo dos factos provados.
-
A ofendida, pasme-se, não se recorda do que se passou.
-
A Testemunha …, da mesma idade, e passados três anos da ocorrência dos factos, recorda-se do que a ofendida lhe contou, foi valorado o depoimento indirecto.
-
Devidamente notificado para deduzir pedido de indemnização civil, o legal representante da ofendida não o fez.
-
No que diz respeito à medida da pena, o Acórdão contempla dois erros; G) Suspensão da execução da pena mediante o pagamento de uma indemnização.
-
O valor da aludida indemnização não é concreto uma vez que o acórdão refere € 750 e posteriormente €1000.
-
Assim consideram-se violados os princípios da presunção de inocência e do contraditório, tal como e ainda as garantias de defesa, nos termos do disposto nos art.ºs 32º da CRP e 129º do CPP.
(…)”.
Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público junto do tribunal recorrido, formulando no termo da sua contramotivação as seguintes conclusões que se transcrevem: “ (…).
-
Resulta da prova produzida em julgamento, ao contrário do que afirma o recorrente, que a M...e o A... não têm a mesma idade, havendo uma diferença entre eles de 3 anos de idade, tendo a M..., à data dos factos, 7 anos e o A... 10 e, actualmente, 10 e 13 anos respectivamente; 2. A utilização e valoração dos testemunhos-eco ou de ouvir dizer, é incompatível com a estrutura acusatória do processo, por contrária aos princípios da imediação e de contra-interrogatório na fase de julgamento; 3. O que se pretende com a proibição do depoimento indirecto contemplado no art. 129.º, n.º 1, do CPP, é que o tribunal não acolha como prova um depoimento que se limita a reproduzir o que se ouviu a outra pessoa que é possível ouvir directamente; 4. Mas, não foi o caso dos autos, o tribunal ouviu não só o …, mas também a …, pelo que o depoimento do … pode servir como meio de prova na parte em que reproduziu o que ouviu à … dia dos factos, não estando impedido o tribunal a quo de apreciar a prova segundo as regras da experiência e da livre convicção; 5. O recorrente alega, ainda insuficiente motivação do acórdão por, na sua opinião, da prova testemunhal nada resultar que possa traduzir o circunstancialismo dos factos dados por provados; 6. É verdade que a ofendida …, em julgamento, disse não se recordar dos factos, a não ser que esteve a jogar à bola com o …, mas ficou claro que não quis falar sobre tais factos, o que não é de estranhar, pois diz-nos a experiência que tal conduta muitas vezes acontece em julgamento com vítimas de crimes sexuais e sobretudo em crianças que em "público" não querem partilhar algo que lhe é doloroso e que procuram "esquecer", porque relatá-los implica um reviver de algo que foi muito traumatizante sobretudo psicologicamente; 7. Contudo, no caso dos autos, embora seja certo que ninguém viu o arguido … a beijar e a apalpar a vagina e os seios, o facto é que ela gritou, o que chamou a atenção do …, que o levou a deslocar-se ao local, onde se encontrava a … muito nervosa e a chorar e onde lhe contou de imediato que o … a tinha beijado e apalpado nas partes intimas e o viu fugir na direcção de um ribeiro; 8. E também não se pode olvidar que a tia … que acorreu ao local avisada por uma vizinha, ainda viu o … com a mão na perna da …, que a deixou tão nervosa que desmaiou, e o que disse a mãe da …, que ali acorreu também encontrando a filha nervosa e a chorar e que embora na ocasião não lhe tenha contado o que se tinha passado, mais tarde confessou-lhe que o … a beijou e apalpou na vagina e nos seios, e que informou o tribunal que, posteriormente, na Alemanha, para onde a levou logo após os factos, também à psicóloga a … lhe confessou os mesmos factos; 9. Conjugando todos estes factos, o cenário é de molde a não deixar dúvida que os factos ocorreram tal como a vítima os contou aos seus mais íntimos e amigos, até porque o arguido optou por não comparecer em julgamento para esclarecer os factos, nem os contestou, limitando-se a oferecer o merecimento dos autos (cfr. fls. 123 e 124) e o seu ilustre defensor oficioso, em julgamento, também não quis usar da possibilidade de instar em julgamento as testemunhas e a ofendida para contraditar a prova produzida contra o arguido; 10. Assim, perante esta prova produzida em julgamento, segundo os princípios da imediação e do contraditório, o tribunal colectivo deu inteira credibilidade ao depoimento da testemunha … e apreciando globalmente toda a prova segundo as regras da experiência e da livre apreciação da prova, deu por provados, e bem, todos os factos constantes da acusação, não assistindo, por isso, razão ao recorrente quando impugna a decisão proferida, sobre matéria de facto, considerando existir insuficiente motivação da decisão, o que não se verifica; 11. No entanto, tem razão o recorrente quando evidencia o lapso patente no douto acórdão, quando na parte decisória determinou a suspensão da execução da pena, com a condição de entregar à ofendida…, no prazo de 4 meses a quantia de € 1000,00, quando atrás, quando apreciou de direito, decidiu que o arguido deverá, no prazo de 4 meses, entregar à menor M...(na pessoa de sua mãe), a quantia de € 750,00; 12. O art. 82.º-A, do Código de Processo Penal, permite que não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos causados quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham; 13. Mas, o douto acórdão, não arbitrou a indemnização ao abrigo desta disposição, mas sim por concluir, ao abrigo dos artigos 50.º e 51.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, atendendo às condições da vida do arguido, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, subordinando a suspensão da execução da pena ao pagamento de uma indemnização à lesada; 14. Segundo apurei, esta contradição nos valores é um mero lapso do acórdão e o montante que o tribunal colectivo pretendeu fixar foi de € 1000,00; 15. De qualquer maneira, perante este desfasamento quanto ao montante indemnizatório, e uma vez que o recorrente apenas apontou a contradição não contestando qualquer destes valores, parece-me ser adequado o montante de € 1000,00, por ser mais adequado a reparar a lesão sofrida que o de € 750,00, protege melhor o bem jurídico em causa e contribui de forma mais eficaz para a reintegração do arguido, que os pode pagar, até porque, actualmente, se encontra a trabalhar na Alemanha, conforme contrato de trabalho de fls. 149 a 151, auferindo 12,33 €/hora e um prémio no valor de 0,34 €, sendo o horário normal de trabalho de 40 horas semanais; 16. Assim, não assistindo razão ao recorrente, nem tendo sido violado qualquer princípio constitucional ou qualquer norma penal ou processual penal, deverá ser negado total provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
(…)”.
Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, aderindo à argumentação do Ministério Público junto da 1ª instância, se pronunciou pela confirmação do acórdão recorrido.
Foi cumprido ao disposto no art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
-
FUNDAMENTAÇÃO.
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 335, Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 2007, 103, e Acs. do STJ de 24/03/1999, CJ, S, VII, I, 247 e de 17/09/1997, CJ, S, V, III, 173).
Assim, atentas as conclusões formuladas pela recorrente, completadas pelo corpo da motivação, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são: - Insuficiência da motivação; - Valoração de depoimento indirecto, com violação do princípio do contraditório e da presunção de inocência; - A medida concreta da pena e o vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.
Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da decisão objecto do recurso. Assim:
-
-
No acórdão foram considerados provados os seguintes factos (transcrição): “ (…).
-
Na dia 10 de Abril de 2005, de tarde, a menor...
-
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO