Acórdão nº 08B0532 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 2009
Magistrado Responsável | SALVADOR DA COSTA |
Data da Resolução | 12 de Março de 2009 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA e BB intentaram, no dia 21 de Setembro de 2001, contra CC e mulher DD, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhes a quantia de 37 788 388$, correspondentes, 30 000$ à importância de deslocação da Suíça a Portugal, 5 040 000$ à perda do rendimento à razão de 30 000$ por mês, pelo menos 2 500 000$ concernentes a materiais e mão de obra para conclusão e eliminação dos vícios, e pelo menos 25 000 000$ relativos à oneração da fracção com hipoteca, 218 388$ concernentes a despesas de condomínio, acrescidos do que vier a ser liquidado em execução de sentença e juros de mora legais.
Fundamentaram sua pretensão, em síntese, na circunstância de os réus lhes terem vendido um imóvel como sendo livre de ónus e encargos, mas estar onerado com hipoteca, sem os ter prevenido quanto a tal facto, e de o mesmo apresentar defeitos que lhe não permitem ser utilizado para habitação Os réus, em contestação, por um lado, excepcionaram a incapacidade judiciária do réu CC, por ter sido decretada a sua falência e, por isso, estar inibido para administrar e dispor dos seus bens havidos ou futuros e dever ser representado para todos os efeitos pelo administrador da falência.
E, por outro, estar a ré separada judicialmente de pessoas e bens do réu, não ter existido proveito comum na venda por aquele efectuada aos autores, ser nulo em relação a ela o contrato-promessa por ter sido assinado apenas pelo réu e não em sua representação e não ter a assinatura sido reconhecida.
E, finalmente, que o contrato-promessa e o contrato prometido foram celebrados no mesmo dia, pelo que o primeiro carecia de objecto e era legalmente impossível e contrário à lei, e por isso ser nulo, nos termos do artigo 280º do Código Civil, e negaram os fundamentos da acção.
Na réplica, os autores, impugnaram a matéria alusiva às excepções suscitadas pelos réus, foi citada a massa falida, que contestou, mantendo essencialmente a contestação apresentada pelos primitivos réus.
No despacho saneador, foi julgada sanada a excepção de falta de capacidade judiciária do réu por virtude intervenção da massa falida, e relegado para final o conhecimento das restantes excepções deduzidas.
Seleccionada a factualidade assente e controvertida e realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 29 de Janeiro de 2004, por via da qual a massa falida e a ré foram condenadas a pagar aos autores € 61 246, acrescidos de € 5,30 diários desde 16 de Novembro de 1999 até ao efectivo distrate da hipoteca incidente sobre a fracção predial, e o valor das obras necessárias ao acabamento e reparação dos defeitos indicados a liquidar em execução de sentença.
Apelaram os réus, e a Relação, por acórdão proferido no dia 24 de Junho de 2008, revogando a sentença proferida pelo tribunal da primeira instância, absolveu os réus do pedido.
Interpuseram os apelados recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - os recorridos, ao negociarem com os recorrentes no contrato-promessa de compra e venda e de venda, actuaram culposamente, não procedendo segundo as regras da boa fé; - os recorridos prometeram e declararam vender a fracção livre de ónus e encargos e com garantia de rendimento, sabendo que a mesma não se encontrava apta a habitar e estar onerada, o que intencionalmente lhes ocultaram, faltando ao dever de verdade, lealdade e honestidade; - só aquando do registo da aquisição os recorrentes conheceram a hipoteca da fracção predial e os defeitos e as obras não concluídas, e que, apesar da interpelação para a sua eliminação, não concluíram nem supriram; - a má fé dolosa dos recorridos provocou danos aos recorrentes, e a sua responsabilidade obriga-os a indemnizá-los de modo a colocá-los na situação em que se encontravam, e a boa fé contratual consubstancia um princípio básico e fundamental do direito em que assenta o seu sentido ético e axiológico; - atentas as circunstâncias do caso, o contrato de compra e venda em questão não se cinge a uma situação de obrigação dos recorridos de expurgação da hipoteca, porque também terão de responder pelos vícios que dolosamente ocultaram; - por erro de interpretação e aplicação, não se mostram correctamente observados e, por isso, foram violados os comandos legais dos artigos 227º, 253º, nº 1 e 908º do Código Civil, pelo que o acórdão deve ser revogado.
II É a seguinte a factualidade considerada provada no acórdão recorrido, inserida por ordem lógica e cronológica: 1 Os réus contraíram entre si matrimónio no dia 9 de Dezembro de 1951, segundo o regime de comunhão geral de bens.
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Os autores são portugueses, naturais da freguesia e concelho de Pombal, casados entre si segundo o regime da comunhão de adquiridos, e, no início da década de oitenta, por razões de trabalho e condições de vida, viram-se forçados a emigrar para a Suíça, onde desde então se encontram a trabalhar e a residir, costumando passar, anualmente, o período de férias laborais na sua terra natal, em Covão da Silva - Pombal.
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Ao longo dos anos, com muita luta, espírito de sacrifício, privações e sentido de economia, conseguiram um pequeno pecúlio e, recorrendo ao financiamento bancário, investiram no seu País na esperança de o poder rentabilizar, para um dia, mais tarde, na sua velhice, poderem usufruir e beneficiar com os seus de algum conforto e estabilidade económica.
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O autor deslocou-se a Benavente, vindo da Suíça, para outorgar a escritura pública referida em 9.
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No dia 26 de Outubro de 1987, CC, casado no regime de comunhão geral de bens com DD, representados por seu filho CC, na qualidade de primeiros outorgantes, e AA, na qualidade de segundo outorgante, declararam por escrito: - o primeiro outorgante é dono e legítimo possuidor do prédio urbano sito na Urbanização ............ freguesia de Marrazes, concelho de Leiria, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., destinado à venda no regime de propriedade horizontal, nos termos do Decreto-Lei nº 40.333, de 14 de Outubro de 1955; - pelo presente contrato, o primeiro outorgante promete vender e o segundo promete comprar, livre de quaisquer ónus ou encargos à data da escritura, a fracção autónoma designada pela letra "H", correspondente ao primeiro andar lado "D", do referido edifício, composto por quatro divisões assoalhadas, duas casas de banho, uma cozinha e uma garagem, esta com o nº 8.
- o preço ajustado é de 6 400 000$, e a importância de 800 000$ será liquidada por contrapartida do valor das rendas a creditar ao promitente comprador; - o primeiro outorgante garante aos segundos outorgantes o arrendamento da fracção objecto do presente contrato, pela renda mensal de 30 000$, sujeita a actualizações anuais com base no coeficiente fixado pelo Governo, desde que a administração dessa fracção seja entregue a pessoa singular ou colectiva, indicada pelos segundos outorgantes, mediante a assinatura do respectivo contrato de administração, e necessária procuração em simultâneo com o presente, sendo a entidade indicada CC & Cª, Ldª, com sede na ................., .... 2600 Vila Franca de Xira; - a garantia do arrendamento mencionado na cláusula anterior abrange apenas o primeiro arrendamento, e produz efeitos desde o primeiro dia do primeiro mês seguinte à data da escritura de compra e venda ou do decurso do prazo fixado na cláusula quinta, se o adiamento da escritura for devido a facto imputável aos primeiros outorgantes, e o segundo outorgante, desde já toma conhecimento, e aceita, que o primeiro outorgante proceda ao aluguer da fracção objecto do presente contrato, mas sempre nas condições acordadas com a empresa administradora; - se a fracção objecto do presente contrato não for arrendada, os primeiros outorgantes obrigam-se, no âmbito das cláusulas quinta e sexta, a pagar ao promitente comprador uma indemnização correspondente à renda mensal garantida; - as questões emergentes do presente contrato ficarão subordinadas à lei portuguesa e serão dirimidas no foro da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro; - este contrato corresponde à real vontade de todos os outorgantes, é aceite por eles livremente em todas as cláusulas, condições e obrigações de que têm inteiro e perfeito conhecimento, é feito em dois exemplares, ficando o original selado na posse do segundo outorgante e o duplicado na posse do primeiro outorgante.
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Seguidamente, foram apostas duas assinaturas no documento mencionado sob 5, a primeira, após a menção "Os primeiros outorgantes", de CC; a segunda, após a menção "Os segundos outorgantes", de AA.
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A seguir foi posto no documento mencionado sob 5, no Cartório Notarial de Benavente, em 26 de Outubro de 1987, um termo de reconhecimento da assinatura de CC, nos seguintes termos: "Reconheço a assinatura supra de CC, B.I. nº .........., de ......., de Lisboa, feita na minha presença pelo próprio, e certifico que é procurador de CC, conforme procuração que se encontra arquivada neste Cartório, no maço de documentos relativo ao livro de notas nº ..... fazendo parte integrante da escritura exarada a folhas 30, Cartório Notarial de Benavente, 26 de Outubro de 1987.
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Seguidamente foi elaborado, nesse documento, no Cartório Notarial de Benavente, em 26 de Outubro de 1987, um termo de reconhecimento de assinatura de AA, nos seguintes termos: "Reconheço a assinatura retro de AA, passaporte nº ........., de 18-12-84, do Consulado Geral de Portugal em Genebra, feita na minha presença pelo próprio, tendo-me sido exibida a licença de construção nº ......, passada em 19 de Junho de 1986, pela Câmara Municipal de Leiria.
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No dia 26 de Outubro de 1987, no Cartório Notarial de Benavente, compareceram perante o Notário, como outorgantes, primeiro: CC, que outorga na qualidade de procurador de CC e mulher DD, conforme procuração que se encontra arquivada no maço de documentos relativo ao livro de notas nº 17-D, fazendo parte da escritura exarada a folhas. 30, e que...
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Acórdão nº 1363/18.7T8BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Maio de 2019
...vol. I, 3ª ed., págs. 493 e 494. [7] Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, ob. e vol. cit. pág. 199. [8] Ac. STJ de 12/3/2009 (proc. 08B0532), disponível em www.dgsi.pt [9] Ac. STJ de 14-03-2002 (proc. 02B329), in [10] João Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 5ª ed.......
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Acórdão nº 1363/18.7T8BJA.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30 de Maio de 2019
...vol. I, 3ª ed., págs. 493 e 494. [7] Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, ob. e vol. cit. pág. 199. [8] Ac. STJ de 12/3/2009 (proc. 08B0532), disponível em www.dgsi.pt [9] Ac. STJ de 14-03-2002 (proc. 02B329), in [10] João Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 5ª ed.......