Acórdão nº 08P3459 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelRAÚL BORGES
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do processo comum singular n.º 8/06.2GSEI, do Tribunal Judicial da Comarca de Seia, foi submetido a julgamento o arguido AA, solteiro, funcionário público, nascido a 12/05/1976, em Seia, filho de BB e de CC, residente na Rua ..., Bloco 0, 3º Esquerdo, Seia.

Pelos demandantes DD e EE (herdeiros da vítima) foi deduzido pedido de indemnização civil contra a Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., pedindo a sua condenação a pagar-lhe a importância global de 90.000 Euros, a título de indemnização pelo dano morte e danos próprios sofridos com a morte de seu filho, bem como custas e procuradoria.

Por sentença de 21-12-2007 foi decidido: - Condenar o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão; - Suspender a execução da pena de prisão pelo período de 1 ano e 2 meses; - Condenar a demandada Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., a pagar aos demandantes DD e EE a quantia global de 70.000 Euros, assim repartida: em conjunto, a ambos os demandantes, a título do dano morte, a quantia de 50.000 Euros; a cada um dos referidos demandantes, a título de danos não patrimoniais próprios, a quantia de 10.000 Euros; - Absolver a demandada do demais peticionado pelos demandantes DD e EE.

- Condenar a demandada a pagar ao interveniente principal Instituto de Segurança Social a quantia de 1.233,50 €, acrescidos de juros moratórios à taxa legal desde a notificação para contestar o pedido.

Inconformados, os demandantes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, conforme fls. 516 a 518, restrito à matéria civil, e dentro desta, ao cômputo do dano não patrimonial sofrido pelos próprios com a morte de seu filho.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25-06-2008, foi deliberado manter o decidido na primeira instância.

Inconformados, os demandantes interpuseram novo recurso agora para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando a motivação de fls. 583 a 586, que rematam com as seguintes conclusões: 1) A morte do jovem de 23 anos, FF, vítima do acidente de viação a que se reportam estes autos, ocorreu por culpa grave e exclusiva do arguido, condutor do veículo segurado da ré.

2) Os demandantes civis/recorrentes, pais do FF, agonizam incessantemente com a sua morte, sendo muito profundo o padecimento, a mágoa e o abalo moral sentidos.

3) Ante a relevância deste dano moral, peticionaram os demandantes civis que lhes fosse arbitrada, a cada um, indemnização não inferior a 20.000,00 €.

4) O Tribunal recorrido decidiu reduzir e fixar a indemnização, a título de danos não patrimoniais próprios, na quantia de 10.000,00 €.

5) Entendem os recorrentes, com o merecido respeito, que uma tal quantia indemnizatória, decorrente da violenta perda do seu filho, se revela desajustada à natureza e à dimensão dos danos em apreço e à orientação jurisprudencial dominante, não traduzindo a expressão daquilo que é a equidade e a justiça.

6) Nesta conformidade, deverá ser arbitrada, a cada um dos pais, compensação não inferior a 20.000,00 €, por a mesma se revelar justa e adequada ao caso concerto, devendo Vossas Excelências, para tal, "ter presente as regras da boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, tendo presente os padrões de indemnização geralmente adoptados pela jurisprudência".

No provimento do recurso pedem a revogação do acórdão recorrido e, em consequência, a condenação da demandada cível a pagar-lhes as sobreditas quantias por eles peticionadas.

A demandada respondeu, conforme fls. 603/6, concluindo: 1 - É ajustado e conforme a equidade o montante indemnizatório por danos não patrimoniais atribuído a cada um dos recorrentes.

2 - Os termos expressos do douto Acórdão recorrido são por si suficientes para considerar adequada a quantia indemnizatória arbitrada para ressarcimento de tais danos.

3 - Na fixação dos referidos montantes a douta decisão recorrida ponderou sabiamente todos os elementos e circunstancias relevantes e que emergem da factualidade provada.

4 - 0 montante indemnizatório fixado corresponde aos danos não patrimoniais e foi calculado segundo critérios de equidade, atendendo às circunstâncias do caso, conforme art°s 496°, n° 3 e 494° do C.C..

5 - 0 douto Acórdão recorrido considerou ainda os padrões de indemnização geralmente adoptados pela jurisprudência, demonstrando a adequação, a justeza e o equilíbrio dos valores fixados.

6 - Pelo que a decisão recorrida não justifica a critica que neste recurso lhe é dirigida.

7 - E o recurso não pode deixar de improceder.

Defende que deve ser negado provimento ao recurso interposto e o acórdão recorrido ser confirmado nos seus precisos termos por não merecer qualquer censura.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido (artigo 412º, n.º 1, do CPP), que se delimita o horizonte cognitivo do tribunal superior.

Questão a decidir O presente recurso circunscreve-se a matéria civil e dentro desta ao segmento respeitante ao dano não patrimonial sofrido pelos demandantes, pais da vítima mortal do acidente de viação versado nos autos, pretendendo a sua fixação em 20.000 euros, para cada um.

Factos provados 1. No dia 9 de Fevereiro de 2006, cerca das 22h00m, o arguido tripulava pela Estrada Nacional nº. 231, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 00-00-SQ, pertencente ao seu pai, BB, no sentido Seia - Nelas.

  1. Nesse veículo seguia como passageiro FF, o qual seguia sentado, no banco da frente, ao lado do condutor, ora arguido.

  2. Por virtude da velocidade que seguia, da desatenção manifestada e revelando falta de perícia, o arguido, ao Km. 29,800 da mencionada Estrada Nacional, em Vale de Igreja, área desta comarca, ao descrever uma curva à esquerda, sem que nada o justificasse, perdeu o controlo do veículo que conduzia e permitiu que este entrasse em despiste.

  3. Antes de iniciar a descrição da curva, o arguido tripulava aquela viatura a uma velocidade não concretamente apurada, mas pelo menos a 112,74 Km/h.

  4. Assim, completamente desgovernada e por força da grande velocidade de que vinha animada, a referida viatura automóvel atravessou toda a hemifaixa de rodagem esquerda da estrada (atento o sentido de marcha do arguido) e invadiu a berma do mesmo lado, vindo a embater num morro aí existente, chocando, ainda, com um sinal vertical (sinal C14 - sinal de proibição de ultrapassar) e com uma conduta de águas pluviais ali situadas, acabando, depois, por se imobilizar, mais concretamente no talude que ali existia, após ter capotado.

  5. O veículo ficou bastante danificado, com maior incidência do lado do passageiro da frente, sendo que o habitáculo do condutor ficou praticamente intacto.

  6. Após o alerta dado aos Bombeiros Voluntários de Seia estes deslocaram-se ao local, onde viriam a recolher o malogrado FF, retirando-o do interior da viatura, mais concretamente do lugar frontal direito.

  7. Como a porta do lugar daquele passageiro não abria, a extracção do corpo de FF foi efectuada pelo lado contrário, ou seja pelo lado do condutor, para onde entrou um dos bombeiros a fim de retirar aquele desafortunado, o que fez, com a ajuda dos seus colegas, depois de terem desapertado o cinto de segurança que sustentava o corpo daquele.

  8. Como consequência, o FF sofreu os ferimentos descritos e examinados no relatório de autópsia de fls. 252 a 257, - aqui dados por reproduzidos -, nomeadamente lesões traumáticas crânio encefálicas, que lhe determinou, directa e necessariamente, a morte.

  9. No local, a estrada desenvolve-se em traçado recto, antecedida de uma curva à esquerda (atento o sentido de marcha do veículo tripulado pelo arguido), com piso betuminoso, em bom estado; e a faixa de rodagem apresenta 7,10 metros de largura (3,4 metros afectos a cada sentido de marcha; 80 cms para a berma do lado esquerdo e 0,55. cms, para a berma do lado direito).

  10. Na berma do lado direito existia, à data dos factos, um rail de protecção metálica e no lado esquerdo um morro de terra batida.

  11. A anteceder o local onde a viatura se acabou por imobilizar existe o sinal de perigo (indicando curva à esquerda e contracurva), complementado com as baias direccionais (que indicam ao condutor a direcção da via de circulação) e os reflectores colocados nos rails de protecção lateral (tudo do lado direito, atento o sentido de marcha do arguido).

  12. O limite máximo de velocidade no local era, à data dos factos, de 90 Kms. horários.

  13. Na altura do acidente fazia bom tempo, o céu estava limpo e havia boa visibilidade.

  14. O aludido veículo deixou marcas de pneumático no pavimento, de derrapagem, na faixa da direita, a primeira, atento o seu sentido de marcha, numa extensão de 15 metros, a segunda numa extensão de 2,80 metros, com início na mencionada curva à esquerda que antecede a recta onde aquele se viria a despistar.

  15. A viatura encontrava-se registada, à data dos factos, em nome do pai do arguido e foi apreendida.

  16. O arguido agiu com grave violação e desrespeito pelas regras de circulação rodoviária, querendo e sabendo que conduzia o aludido veículo a velocidade excessiva, não só por superior à legalmente permitida no local, mas também por desajustada às condições da via; provocando, assim, o arguido, por via disso, e por ter ainda actuado com manifesta falta dos cuidados e atenção inerentes a uma condução prudente, que lhe eram exigidos...

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