Acórdão nº 08P4030 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelHENRIQUES GASPAR
Data da Resolução21 de Janeiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1.

No processo comum colectivo n° 62/07.0GDEVR do 1° Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal Judicial de Évora, o arguido AA, identificado no processo, foi submetido a julgamento sob a acusação da prática de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos artigos 131° e 132°, n°s l e 2, alíneas a) e i) do Código Penal, na redacção em vigor à data dos factos, e posteriormente p. e p. pelos artigos 131° e 132°, n°s l e 2, alíneas a) e j) do referido diploma, face às alterações introduzidas pela Lei n° 50/2007 de 4 de Setembro, e de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 2°, alínea 1), 3°, n° l, alínea f), 4°, n° l e 86°, n° l, alínea d), todos da Lei n° 5/2006 de 23 de Fevereiro.

Na sequência do julgamento, o arguido foi absolvido da prática do crime de detenção de arma proibida, de que vinha acusado; e foi condenado como autor material de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 131° e 132°, nos l e 2, alíneas a) e i) do Código Penal, na redacção em vigor à data da prática dos factos e, actualmente, pelos artigos 131° e 132°, n°s l e 2, alíneas a) e j) do referido diploma, face às alterações introduzida pela Lei n° 59/2007, de 4 de Setembro, na pena de 21 (vinte e um) anos de prisão; O arguido foi condenado também no pagamento de indemnizações cíveis às asistentes.

  1. Recorreu para o tribunal da Relação relativamente à matéria criminal, e este tribunal, concedendo parcial provimento ao recurso, condenou o arguido na pena de vinte anos de prisão.

  2. Recorre para o Supremo Tribunal com os fundamentos constantes da motivação que apresenta, e que termina com a formulação das seguintes conclusões: l. Não se encontram reunidos os pressupostos para a qualificação do crime de homicídio, atenta a prova produzida em sede de audiência de julgamento.

  3. O arguido não actuou abruptamente, com frieza de ânimo, a sangue-frio, de modo reflectido e calculado, mas sob um profundo estado emotivo e de exaltação.

  4. Deveria o arguido ter sido condenado por um crime de homicídio p. e p. no artº 131°doC.P.

  5. Em virtude de a morte de BB ter sido produzida em circunstâncias que não revelam especial censurabilidade ou perversidade do agente - cfr. art. 132°, n°. l do C.P.

  6. Caso não seja alterada a qualificação jurídico-penal dos factos, reconduzindo-os ao preenchimento do tipo simples, de acordo com o prescrito no art.131º do C.P., sempre se adiantará que a pena em que o arguido foi condenado é clamorosamente desnecessária, desproporcional e totalmente desajustada.

  7. O que importa uma redução substancial da pena aplicada, a qual, não deveria ser superior a 15 anos de prisão, o que se requer.

  8. Foi violado o correcto entendimento dos princípios e dos preceitos legais, aludidos na presente peça.

  9. Justificando-se a intervenção correctiva do Supremo Tribunal de Justiça.

    O magistrado do Ministério Público respondeu à motivação, concluindo que ‘o recorrente alega sobre matéria de facto que não foi dado como provada - que agiu emocionado e exaltado - e, nessa medida, tal questão não pode ser atendida pelo STJ, que só conhece de direito: aliás - acrescenta - a matéria de facto assente a precisamente para uma actuação reveladora de frieza de ânimo; o simples facto do arguido de ser filho da vitima já revela a especial censurabilidade do seu acto (homicídio), independentemente da frieza de ânimo, esta também uma qualificativa, sob pena de, não sendo assim, ser inócua a previsão, como agravante, daquela relação de parentesco; não vêm alegados factos que consubstanciem o pedido de redução da pena de 20 anos de prisão para 15, limitando-se o recorrente a fazer considerações genéricas sem suporte na matéria de facto assente, pelo que o recurso não merece provimento.

    As assistentes respondem também à motivação, concluindo pela improcedência do recurso.

  10. No Supremo Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronuncia-se igualmente no sentido da improcedência do recurso, terminando o parecer que emitiu com as seguintes conclusões: 1. O arguido foi condenado como autor de um crime de homicídio qualificado, em razão das circunstâncias previstas nas alíneas a) - ser a vítima seu pai - e i) - actuação com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados - do n° 2 do artigo 132° do C. Penal (redacção em vigor à data da prática dos factos, a que correspondem as actuais alíneas a), e j) da mesma norma), tendo o acórdão recorrido fixado a pena de 20 anos de prisão, em lugar dos 21 anos aplicados pelo Tribunal Colectivo.

  11. As circunstâncias em que o arguido actuou revelam especial censurabilidade, mostrando-se inteiramente adequada a qualificação acolhida pelo acórdão recorrido.

  12. A pena de prisão aplicada mostra-se correctamente doseada e proporcionada, em função da culpa do agente e das especiais exigências de prevenção, que se verificam neste chocante caso, devendo negar-se provimento ao recurso.

    Notificado, o recorrente nada disse.

  13. Colhidos os vistos, o processo foi à conferência, cumprindo decidir.

    As instâncias consideraram provados os seguintes factos: 1.1- O arguido nasceu a 4 de Abril de 1964, sendo filho de BB e de CC.

    Desde há alguns anos que o arguido mantinha com os seus pais uma relação pontuada por conflitos, relacionados, nomeadamente, com o facto de as suas duas filhas terem passado a viver na companhia daqueles, desde Agosto de 2005.

    Não obstante o arguido, em 08/02/2007, no âmbito do processo nº 2368/05.3TBEVR, ter acordado com os seus pais a confiança sua filha menor RI caberia àqueles, mantendo os progenitores o exercício do poder paternal residual, sempre demonstrou dificuldades em aceitar tal situação, culpando os seus progenitores, principalmente o seu pai, pela saída das filhas de sua casa.

    1.2- No dia 4 de Abril de 2007, dia de aniversário do arguido, cerca das 21H00, este telefonou para a sua filha RI, a qual, porém, não atendeu o telefone.

    Perante tal situação, o arguido, intimamente culpou o seu pai pelo sucedido e convenceu-se de que o mesmo estava a persuadir a sua filha a afastar-se de si.

    O arguido, conduzindo o seu automóvel, matricula 00-00-AA, marca Ford, Modelo Fiesta, onde pelo menos desde esse dia pela manhã havia colocado a espingarda caçadeira semi-automática, calibre 12, de marca FN/Browning, modelo...

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