Acórdão nº 08S2314 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução18 de Dezembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - O Lic.ºAA intentou contra a CC acção de processo comum, solicitando que fosse declarada a nulidade do despedimento de que ele, autor, foi alvo por parte da ré, e fosse esta condenada a pagar-lhe € 237,93 referentes a diferenças salariais em dívida nos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2002, e juros, a quantia que viesse a ser liquidada em execução de sentença, acrescida de juros, a título de compensação por trabalho extraordinário, € 9.322,84, a título de subsídio de férias não pagas, acrescidos de juros, € 8.125,10, a título de subsídio de Natal, acrescidos de juros, e a quantia referente às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença, e juros.

Alegou, para tal, em síntese: - em 15 de Novembro de 1993, foi admitido ao serviço da ré para, sob as suas autoridade, direcção e fiscalização, e mediante a retribuição correspondente a € 821,62 mensais, posteriormente aumentada, retribuição essa que, em Dezembro de 2001, foi fixada no valor equivalente a € 1.196,74 mensais, exercer a profissão de advogado a tempo parcial na sede da mesma ré, onde procedia a consultas jurídicas, quer a ela, quer aos associados por ela indicados, utilizando meios propriedade da ré, nomeadamente mobiliário, livros, consumíveis de escritório e serviços de apoio, sendo que, nessas funções, era auxiliado por duas funcionárias da ré em serviço no gabinete de contencioso; - na prossecução da sua actividade, o autor notava documentos diversos, designadamente peças processuais no âmbito do patrocínio que lhe era conferido pela ré, tendo-lhe sido fixado um horário de trabalho, salvo se tivesse audiências marcadas em tribunal, das 8 horas e 30 minutos às 10 horas e 30 minutos, ou das 9 horas e 30 minutos às 11 horas e 30 minutos, às terças-feiras, das 14 horas às 16 horas, às quintas-feiras, e das 10 horas e 30 minutos às 12 horas e 30 minutos, às sextas-feiras, sendo que, para além do indicado horário, ainda tinha que patrocinar judicialmente a ré e seus associados em causas que surgissem relacionadas com as suas actividades, acontecendo muitas vezes que, apesar de ter intervenções em tribunal, ainda ia fazer consulta jurídica ou acompanhamento administrativos dos processos a seu cargo, o que implicava a feitura de horas extraordinárias, decerto equivalentes ao número de horas que tinha de prestar em função do estabelecido horário de trabalho; - a ré, em Janeiro, Fevereiro e Março de 2002, somente pagou ao autor € 1.117,43, nunca lhe tendo pago horas extraordinárias, subsídio de férias e de Natal; - em 18 de Março de 2002, a ré pôs termo ao contrato firmado com o autor, com efeitos a partir de 31 desses mês e ano, sem ter ocorrido processo disciplinar ou invocação de justa causa.

A ré contestou., defendendo, em síntese, que o negócio jurídico outorgado com o autor fora um contrato de prestação de serviço, desenvolvendo este a sua actividade no âmbito de tal contrato com completa autonomia, nunca tendo sido dirigido ou fiscalizado pela contestante ou tendo sido fixado qualquer horário de trabalho, mas antes estabelecido um dado de número de horas semanais para o autor desempenhar a actividade contratada; que, contrariamente ao sustentado pelo autor, este, em 2001, por erro de cálculo, recebeu mais do que devia, pelo que era a ré credora de € 951,62, quantia que, em reconvenção, reclamou do autor; que a finalização do contrato estabelecido entre a ré e o autor se deveu somente ao facto de haver insatisfação quanto aos resultados.

Prosseguindo os autos seus termos, veio, em 31 de Janeiro de 2007, a ser proferida sentença, por intermédio da qual foi: - declarado ilícito o despedimento do autor; - a ré condenada a pagar-lhe: - € 62.749,72, a título de importâncias que deixou de auferir desde 1 de Abril de 2002 até 31 de Janeiro de 2007, sem prejuízo das retribuições vincendas até ao trânsito em julgado da decisão, e juros até efectivo pagamento; - € 2.153,17, a título de férias e subsídio de férias relativos a 2006 e proporcionais do ano de 2007, sem prejuízo dos proporcionais que se vencessem até ao trânsito em julgado da decisão, além de juros; - € 153,79, a título de subsídio de Natal proporcional ao trabalho prestado em 2007, sem prejuízo dos proporcionais que se vencessem até ao trânsito em julgado da decisão, e juros; - € 12.919,06, a título de indemnização por antiguidade, sem prejuízo do que se vencesse, à razão de um mês de remuneração base por cada ano de antiguidade, até ao trânsito em julgado da decisão, e juros; - € 13.702,11, a título de subsídios de férias e de Natal relativos aos anos de 1994 a 2001, acrescidos de juros; - absolvida a ré do demais peticionado; - julgado improcedente o pedido reconvencional, consequentemente dele tendo sido absolvido o autor.

Inconformada, apelou a ré para o Tribunal da Relação de Lisboa, impugnando, no recurso, a matéria de facto.

Apelou também o autor subordinadamente, tendo, nesse recurso, impugnado a matéria de facto.

Aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 27 de Fevereiro de 2008, julgou improcedente a apelação da ré e, julgando parcialmente procedente o recurso subordinado de apelação, alterou a sentença impugnada, condenando a ré a pagar ao autor € 64.944,76, a título de importâncias que deixou de receber desde 1 de Abril de 2002 e liquidadas até 31 de Janeiro de 2007, sem prejuízo das retribuições vincendas até ao trânsito da decisão, além de juros; € 2.069,32, a título de férias e subsídio de férias respeitantes ao ano de 2006 e proporcionais de 1 a 31 de Janeiro de 2007, sem prejuízo dos que se vencessem desde a última daquelas datas até ao trânsito em julgado da decisão, e juros; € 79,60, a título de subsídio de Natal proporcional a Janeiro de 2007, sem prejuízo dos proporcionais que se vencessem até ao trânsito em julgado da decisão, e juros; e € 13.370,98, a título de indemnização por antiguidade, sem prejuízo da que se vencesse até ao trânsito em julgado da decisão, e juros.

II - Mantendo-se irresignada, veio a ré pedir revista, em que apresentou as seguintes conclusões: "

  1. Estamos perante um caso em que se impõe qualificar a relação jurídica da relação contratual entre a recorrente e o recorrido; b) A prova produzida foi demasiado simplista para se poder decidir como se decidiu; c) Dos factos dados como provados não se retira que o recorrido recebia instruções, nem ordens da recorrente e, muito menos, que estava sujeito a qualquer tipo de poder disciplinar; d) O que se retira da matéria de facto provada é que a Direcção da recorrida, por vezes, fazia solicitações ou pedidos aos advogados, entre os quais o recorrido, e não que impunha ou dava ordens a estes.

    e) A recorrente nunca fixou os termos em que a actividade do recorrido devia ser prestada e a execução e disciplina da sua actividade estava dependente deste; f) Não existia qualquer sujeição ao poder disciplinar, nos casos em que o recorrido se negava a interpor qualquer acção nem nos casos em que o recorrido não prestava consulta jurídica nos dias que tinha designado; g) O recorrido era, pois, um trabalhador autónomo; h) Além do mais, o recorrido era economicamente independente da recorrente, pois resulta da matéria de facto provada que aquele também tinha o seu escritório particular; i) Por outro lado, a vontade manifestada pelas partes desde 1993, foi a de celebração de um contrato de prestação de serviços; j) Como também se conclui da análise dos elementos externos do contrato; k) Ao longo destes anos, o recorrido não efectuou retenção na fonte, nem descontou para a Segurança Social e estava inscrito na Repartição de Finanças como trabalhador independente; l) O local de trabalho era nas instalações da recorrente, de facto; m) Mas há que atender ao caso em concreto; n) Uma vez que a recorrente apoia juridicamente os seus associados convém que esse serviço seja prestado nas suas instalações e não no escritório particular de cada advogado que presta serviços para a recorrente, sob pena de se descaracterizar o apoio desta aos seus associados; o) Daí que nas próprias instalações da recorrente estejam ao dispor dos advogados mobiliário, livros de direito e consumíveis de escritório.

    p) Não obstante, resulta da matéria de facto provada, que parte do serviço prestado pelo recorrido era preparado no seu escritório particular.

  2. Mas mesmo que assim não fosse, nada impede que se qualifique esta relação como prestação de serviços, como bem refere Pedro Romano Martinez, in Manual do Trabalho, II Volume, 1º Tomo; r) Quanto ao horário de trabalho, este não existe, pelo menos não da forma pretendida pelo recorrido; s) Resulta da matéria de facto provada que era afixado o horário de presença de cada advogado nas instalações da recorrente; t) No entanto, trata-se de uma escala do horário de atendimento dos associados da recorrente afixada na porta desta, escala essa resultante do acordo entre recorrente e recorrido; u) E, a razão de ser desta escala prende-se com o facto de a recorrida pretender manter a presença de um advogado na sua sede, diariamente, de forma a haver atendimento aos seus associados diariamente; v) Além do mais, também ficou provado que o recorrido podia abandonar as instalações da recorrente se não houvesse nenhum associado para atender ou o atendimento terminasse antes do fim do período para as consultas; w) Situação não configurável nos casos de existência de um contrato de trabalho; x) E, apesar da remuneração do A. ser constante, também refere Pedro Romano Martinez que ‘podem celebrar-se contratos de prestação de serviços em que a retribuição seja aferida em função do tempo utilizado na execução da tarefa'; y) Além do mais, nunca tendo sido efectuado o pagamento de subsídios de férias e de Natal ao recorrido, estamos perante um contrato de prestação de serviços; z) Resumindo, da análise conjugada destes elementos (uma vez que não podem ser apreciados isoladamente como se...

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