Acórdão nº 08B3743 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução11 de Dezembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I AA e BB intentaram, no dia 26 de Abril de 2002, contra a Corporação Missionária Província Portuguesa da Congregação do Espírito Santo, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a reconhecer o seu direito de propriedade sobre as parcelas de terreno A, B e C, identificadas no documento inserto a folhas 18.

Fundamentaram a sua pretensão na transmissão pela ré da parcela de terreno B por via de contrato-promessa de compra e venda e na cedência das parcelas de terreno A e C, e na aquisição de todas elas por usucapião, por as virem usufruindo como se donos delas fossem, sem qualquer oposição, há mais de vinte anos.

A ré, em contestação, com apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, afirmou, em síntese, apenas ter prometido vender aos autores parte da parcela B e que continua a ser dona dessa das parcelas A e C, exercendo os inerentes poderes sobre elas, e, em reconvenção, pediu a condenação dos autores a reconhecerem a sua titularidade, a retirarem a vedação por eles erguida e a indemnizá-la pelos prejuízos a liquidar em execução de sentença.

Os autores responderam, impugnando os factos em que a ré fundou o pedido reconvencional e reiteraram o afirmado na petição inicial, e a ré treplicou sob o argumento de os autores terem invocado na réplica a ininteligibilidade do pedido reconvencional quanto à indemnização.

Frustrada a audiência preliminar designada para a tentativa de conciliação das partes, foi proferido despacho saneador, pelo qual foi admitida a reconvenção, salvo quanto ao pedido indemnizatório, ambas as partes impugnaram, sem êxito, a matéria de facto assente e a controvertida, e a ré agravou daquele despacho na parte em que lhe não foi admitido o pedido reconvencional relativo à indemnização.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 18 de Abril de 2006, por via da qual a ré foi absolvida do pedido e declarada proprietária das parcelas de terreno e os autores foram condenados a remover a respectiva vedação.

Apelaram os autores, impugnando também a decisão da matéria de facto, e a Relação, por acórdão proferido no dia 5 de Junho de 2008, julgou o recurso de agravo improcedente e a apelação procedente, alterando a decisão da matéria de facto proferida no tribunal da primeira instância e condenando a ré a reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre as parcelas de terreno adquirido por usucapião.

Interpôs a apelada recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - os pontos 21 a 23 da fundamentação de facto na versão resultante das alterações introduzidas pela Relação contém expressões de importância central no respectivo sentido global, que são conclusivas e equiparáveis a matéria de direito, designadamente entregue, entregou, ocupam e entrega, pelo que se deverão ter por não escritas as correspondentes respostas dadas aos quesitos; - a expressou entregou ou entregue não traduz nenhuma acção concreta susceptível de sobre ela recair um juízo probatório, quando, como no caso em apreço, está em causa saber se um imóvel, no caso uma determinada área de um terreno rústico, passou para as mãos do autor, o senhorio de facto; - a entrega poderia ser expressão suficiente caso estivesse em causa um bem móvel, pois nesse caso ela traduz correctamente o acto de entregar no sentido que comummente lhe é atribuído, isto é, o gesto de dar em mão determinado objecto ou depositar certa coisa nas instalações do accipiens, importando uma actividade física de loco movere; mas no caso a entrega não é possível dessa forma, pelo que a expressão não pode ter o sentido que o uso comum lhe atribui; - uma resposta verdadeiramente factual seria aquela que referisse o concreto gesto praticado, com base no qual se poderia ou não concluir pela existência de uma entrega, e não uma que, saltando essa necessária premissa afirma directamente a conclusão genérica de que houve entrega; - se se aceitasse como factual a mera referência a uma genérica entrega, estar-se-ia a eximir a parte de alegar e provar as ocorrências concretas a que ela atribui o sentido de entrega, impedindo o tribunal de fazer esse juízo sobre se ocorreu verdadeira entrega ou não, e sobre qual o seu valor como acto transmissivo da posse; - a expressão entregou exprime mais um juízo de valor sobre a conduta de AD do que os factos concretos em que essa conduta consistiu; - a expressão ocupou é conclusiva, dado que a ocupação, no sentido de manifestação exterior de detenção ou senhorio de facto sobre determinado bem - corpus - há-de traduzir-se necessariamente em actos materiais correspondentes ao exercício do direito - artigo 1263º, alínea a), os quais não vêm referidos no ponto da matéria de facto em causa; - não se trata de expressões menores ou secundárias na economia dos factos factuais em causa, porque concluir sobre a existência ou não de verdadeira entrega, e concluir sobre a existência ou não de verdadeira ocupação, são as questões centrais a que aqui se dá resposta, e são duas das questões centrais de todo o processo, fazendo parte integrante do próprio thema decidendum; - por força da aplicação do nº 4 do artigo 646º do Código de Processo Civil, as respostas dadas pelo tribunal da Relação constantes dos pontos 21, 22 e 23 da matéria de facto deverão ser tidas por não escritas, pelo que violou aquela disposição legal e o artigo 1263º, alínea a), do Código Civil; - a traditio paralela a um mero contrato-promessa de compra e venda, não translativo da propriedade, não pode por princípio ter o efeito de transmitir para o promitente-adquirente a posse nos termos do direito de propriedade, sendo que esta só poderá considerar-se transmitida caso a tradição seja rodeada de circunstâncias excepcionais que o indiquem inequivocamente, mesmo que se distinga claramente o contrato-promessa em si do acordo de tradição; - tais circunstâncias hão de limitar-se às que acompanham a traditio, não contando para analisar o significado da tradição os actos posteriores do promitente-comprador. Assim, caso as circunstâncias não permitam atribuir à tradição o valor de transmissão da posse nos termos da propriedade, então também a actuação posterior deverá ser tida como exercida sem animus rem sibi habendi, a menos que, por se tratar de uma oposição, incompatível com a utilização de um mero detentor, haja que ser considerada como verdadeira inversão do título da posse nos termos do artigo 1265º do Código Civil, havendo nesse caso uma aquisição originária e não derivada da posse; - no caso não existem circunstâncias de excepção de molde a permitir inverter a regra geral nos casos de tradição paralela a um contrato-promessa de compra e venda, e atribuir à entrega o valor de tornar os recorridos possuidores em nome próprio dos terrenos em causa; - o facto de o preço ter sido integral e prontamente pago pelo autor tomado pelo acórdão como fundamento para julgar ultrapassado aquele princípio, não está dado como provado, nem foi alegado, mas é apresentado no acórdão como facto principal, parte integrante da causa de pedir no caso complexa porque engloba todos os factos que permitam aferir da existência da posse, caracterizá-la e determinar durante quanto tempo se prolongou - pelo que não pode servir para fundar a decisão, nos termos dos artigos 664º, parte, e 264º, nº 2, do Código de Processo Civil; - mesmo que o preço tivesse sido pronta e integralmente pago, não se poderia ter conferido ao contrato-promessa o sentido de operar de imediato a transmissão da posse nos termos do direito de propriedade, uma vez que nem sequer estavam reunidas as condições para que o contrato de compra e venda fosse celebrado, porquanto nem o problema dos avos estava resolvido em 17 de Março de 1982, data do contrato-promessa; - mesmo que constasse da factualidade que a ré nunca mais agricultou ou utilizou os terrenos em causa, directa ou indirectamente, ou que não ordenou nem consentiu o respectivo aproveitamento por terceiros até 1999, fundamento utilizado na decisão recorrida, sem suporte na factualidade provada, tal nunca poderia fazer concluir que a tradição constituiu o autor numa situação de posse nos termos do direito de propriedade, sendo pelo contrário natural que a ré não quisesse intervir nos terrenos em causa, pelo menos na sua totalidade; - houve actos de oposição da ré logo que se apercebeu da real disparidade entre o contrato-promessa e as posteriores pretensões do autor - desacordo expresso quanto à área que havia sido prometida vender, pedido de suspensão do processo camarário e persistente oposição aquando da vedação do terreno pelo autor; - as fundamentações seguintes - exploração de vacaria, autorização para uso por terceiros, vedação e apresentação de requerimentos à Câmara Municipal de Cascais - referem-se as circunstâncias que se verificarem depois da tradição, cujo real sentido e valor se pretende averiguar, pelo que só valeriam, quando muito, enquanto actos de inversão do título da posse; - à excepção da vedação, ocorrida tardiamente, não antes de 1999, nenhuma dessas circunstâncias é de molde a consubstanciar uma inversão do título da posse, por não se tratar de actos unilaterais que tivessem sido impostos pelo autor contra a vontade da ré, actos de rebelião, quer a exploração temporária de uma vacaria, quer a eventual autorização dada a terceiros para que aproveitassem os terrenos porque são compatíveis com a autorização dada pela ré para aproveitamento dos terrenos, em nada contrariando o carácter de mera detenção sem animus possedendi por parte do autor; - também o requerimento conjunto à Câmara Municipal não constitui acto de rebelião, porque a ré também nele interveio, ainda que equivocada quanto à configuração dos terrenos em causa, que posteriormente veio a verificar não estarem incluídos no contrato-promessa por ela aceite, sendo que veio a corrigir tal equívoco...

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