Acórdão nº 08S2277 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelSOUSA PEIXOTO
Data da Resolução10 de Dezembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório Os presentes autos referem-se a um acidente de trabalho, ocorrido em 3 de Dezembro de 1999, na ............ Monte Gordo, Vila Franca de Xira, de que foram vítimas AA e BB, quando trabalhavam por conta da sociedade CC - Utilidades, Equipamentos e Investimentos Imobiliários, L.da, que tinha a sua responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a Companhia de Seguros DD, S. A.

, com quem tinha celebrado contrato de seguro.

O acidente consistiu no aluimento de terras, quando os sinistrados se encontravam no interior de uma vala, desprovida de entivação, o que provocou o soterramento dos mesmos, daí resultando a morte do sinistrado AA e uma incapacidade permanente de 15% para o sinistrado BB.

Os respectivos processos correram termos no Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira e ambos passaram à fase contenciosa, pelo facto de, na tentativa de conciliação levada a cabo em cada um deles, a companhia de seguros ter entendido que o acidente tinha resultado da inobservância, por parte da entidade empregadora, das normas legais sobre a segurança no trabalho e pelo facto ainda da entidade empregadora não ter concordado com tal imputação, nem com a natureza remuneratória das quantias que os sinistrados tinham auferido a título de ajudas de custo.

Ambas as acções foram contestadas e, já na fase de julgamento, foram objecto de apensação.

Realizado o julgamento e dadas as respostas aos quesitos, foram proferidas duas sentenças, uma para cada acidente, condenando a ré entidade empregadora como principal responsável pela reparação agravada do acidente, por se ter entendido que este tinha resultado da inobservância das normas sobre a segurança no trabalho, por parte daquela ré, e a ré seguradora como responsável meramente subsidiária pelas prestações que normalmente seriam devidas (isto é, sem agravamento) com base no salário que tinha sido declarado para efeito do contrato de seguro, o qual não incluía o subsídio de refeição nem a quantia paga aos sinistrados a título de ajudas de custo.

Inconformada com as sentenças, a ré CC - Utilidades, Equipamentos e Investimentos Imobiliários, L.da interpôs recursos de apelação e fê-lo com relativo sucesso, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa reduziu o montante das pensões que tinham sido fixadas na 1.ª instância, por entender que a quantia auferida pelos sinistrados a título de ajudas de custo não integrava a retribuição a levar em conta para efeitos do cálculo das respectivas pensões e por entender que o cálculo destas devia ser efectuado nos termos da Lei n.º 2.127, de 3 de Agosto de 1969, e não nos termos da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, como havia sido feito na sentença.

O autor BB conformou-se com o acórdão da Relação, mas o mesmo não aconteceu com a ré "CC" e com a autora EE (viúva do sinistrado AA), que dele interpuseram recurso de revista, concluindo as respectivas alegações da seguinte forma: Conclusões da ré "CC": 1 - O acidente de trabalho dos autos, que vitimou o infeliz sinistrado AA, ocorreu em 3 de Dezembro de 1999.

2 - Por isso, é-lhe aplicável, ainda, a Lei n.º 2.127, de 3 de Agosto de 1965 (antiga LAT), e o Decreto n.º 360/71 que a regulamentou.

3 - A vala onde se verificou o acidente não se encontrava entivada.

4 - Era, porém, ao próprio sinistrado AA que competia decidir e promover, se fosse caso disso, a entivação das valas, pois, 5 - Era a ele que, como encarregado e único responsável pela orientação e direcção de todos os trabalhos da obra, competia decidir sobre os modos e processos de fazer as valas e designadamente se estas deveriam ou não ser entivadas, consoante a própria natureza dos terrenos.

6 - E, para o caso de se tomar necessário fazer a entivação das valas, o infeliz sinistrado tinha, na obra, à sua inteira disposição, todos os materiais necessários, designadamente as madeiras apropriadas, bem como as máquinas e os operários suficientes à execução desses trabalhos.

7 - O facto de a vala onde se verificou o acidente não estar entivada, nem feito em talude o lado onde ocorreu o desabamento de terras ficou a dever-se unicamente à imprevidência, inconsideração e imprudência do próprio encarregado e infeliz sinistrado AA.

8 - E, atentas as especiais funções e inerentes responsabilidades de encarregado, exercidas pelo infeliz sinistrado AA, tinha ele até o especial dever de cuidado e de diligência de não permitir a realização de trabalhos dentro de valas não entivadas que fossem susceptíveis de pôr em perigo a segurança e saúde dos trabalhadores e dele próprio.

9 - Se o sinistrado encarregado tivesse providenciado, como lhe cumpria, a entivação da vala ou a formação dos seus lados em rampa ou, pelo menos, se nela não tivesse entrado, nem tivesse permitido que o outro trabalhador sinistrado lá entrasse, o acidente de trabalho que o vitimou nem sequer teria ocorrido.

10 - O acidente em causa tem, pois, de ser imputável a culpa ou mera negligência do próprio encarregado e infeliz sinistrado AA.

11 - A entidade responsável pela reparação dos danos resultantes desse acidente é, portanto, a seguradora, 1.ª ré, em função dos valores transferidos, cabendo à 2.ª ré, como entidade empregadora, apenas a responsabilidade dos valores devidos e não transferidos, relativos ao subsídio de alimentação.

12 - Não é devida qualquer compensação a título de danos não patrimoniais sofridos pela A. com a morte do marido e sinistrado AA, em virtude de o acidente que o vitimou ser imputável a culpa exclusiva dele próprio.

13 - Caso, porém, se entenda que a 2.ª ré teria, de alguma forma, contribuído, também, para a produção do acidente, o valor da compensação arbitrada por danos não patrimoniais na sentença da 1.ª instância e mantida nesta parte pelo acórdão impugnado teria, pelo menos, de ser bastante reduzido e não ultrapassar, pois, o montante de € 5.000,00.

14 - Assim, o douto acórdão recorrido violou, por errada interpretação e ou aplicação, entre outras disposições legais, as Bases XVII, n.os 2 e 3, e XIX da Lei n.º 2.127 e o art.º 483.º do Cód. Civil.

A recorrente terminou pedindo a revogação do acórdão recorrido na parte impugnada e a sua substituição por outro que declare a ré seguradora responsável pela reparação dos danos resultantes do acidente de trabalho dos autos em função dos valores transferidos pela 2.ª ré e que condene esta a pagar apenas: (i) à autora EE a pensão anual e vitalícia de 59.895$00 (€ 298,75), até ela completar 65 anos de idade e, a partir dessa data, os valores correspondentes à percentagem legal de 40%; (ii) e ao autor BB o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de 19.965$00 (€ 99,59), absolvendo-se ainda a 2.ª ré de tudo o mais peticionado em cada uma das acções.

Conclusões da autora EE (viúva do sinistrado AA: I - A responsabilidade sobre o risco apenas estava transferida para a seguradora na parte que a entidade patronal designava de retribuição base (170.000$00 x 14 meses).

II - Esta retribuição base estava fixada, ao longo dos anos, para ser tomada como encargo com seguro e outros descontos.

III - Os aumentos salariais anuais, para fazer face à inflação e desvalorização da moeda, eram feitos sobre os salários variáveis, "ajudas de custo".

IV - Tais procedimentos e práticas estavam previstos na legislação em vigor, Dec.-Lei n.º 49408, de 24/11/69, artigos 82.º, 84.º e 87.º, bem como na Lei n.º 2127 - Base XXIII, hoje expressa no n.º 5 do artigo 26.º da Lei n.º 100/97, de 13/09, tomando o n.º 2 do artigo 82.° do LCT.

V - A doutrina e a jurisprudência valorizam os factos resultantes de tais procedimentos e práticas com a flexibilidade e adaptação das circunstâncias e a natureza dos serviços, segundo o prudente arbítrio.

VI - O rendimento, a retribuição ou o salário mensal do trabalhador é o conjunto de valores que periódica e regularmente se leva para casa e que, segundo os usos, faz face às despesas familiares do dia a dia.

VII - A presunção prevista no n.º 3 do artigo 82.º da LCT, e no n.º 2 da Base XXIII da Lei n.º 2127, reforçada com a excepção da parte final do artigo 87.º da LCT, dáo às "ajudas de custo" a natureza de retribuição.

VIII - Pois a regra prevista na parte inicial do artigo 87.° da LCT, de não considerar retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viajem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras, são tomadas no sentido restrito e bem definido, o trabalhador está obrigado a apresentar os respectivos comprovativos dessas despesas, com indicação da sua afectação.

IX - Jamais se podem considerar ajudas de custo, as verbas pagas aos trabalhadores com carácter genérico, em que o empregador simula ao designá-las "ajudas de custo", quando, na prática e na realidade, se trata de retribuição, compensando o trabalho extra e complementar e não as despesas relativas a despesas e ao local de trabalho[sic].

A autora terminou as suas alegações pedindo a repristinação da sentença, na parte sobre que versa o seu recurso.

A ré seguradora contra-alegou o recurso interposto pela ré "CC", suscitando a questão prévia de que a decisão recorrida não pode ser alterada no que toca à culpa da ré entidade patronal, uma vez que a culpa baseada em inconsideração integra matéria de facto da exclusiva competência dos tribunais de instância, e defendendo a confirmação do julgado.

Por sua vez, a ré empregadora contra-alegou o recurso interposto pela autora, sustentando que as quantias pagas ao falecido AA, a título de ajudas de custo, não devem entrar no cálculo das pensões e pedindo a rejeição do recurso, por inadmissibilidade ou, caso assim não se entenda, a sua improcedência.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma magistrada do Ministério Público emitiu "parecer", que mereceu resposta discordante por parte da ré empregadora, pronunciando-se pela improcedência do recurso da ré "CC" e pela procedência do recurso da autora EE e filhos.

Corridos os vistos dos juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

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