Acórdão nº 08P2849 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 26 de Novembro de 2008
Magistrado Responsável | OLIVEIRA MANDES |
Data da Resolução | 26 de Novembro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 1082/05, do 1º Juízo Criminal de Paredes, AA e BB, com os sinais dos autos, foram condenados como co-autores materiais, em concurso real, de um crime de homicídio qualificado, um crime de profanação de cadáver e um crime de detenção ilegal de arma, o primeiro na pena conjunta de 20 anos de prisão - (1) Na parcial procedência do pedido de indemnização civil deduzido por CC e EE, na qualidade de ascendentes da vítima DD, foram os arguidos e demandados condenados, em regime de solidariedade, a pagarem a cada um dos demandantes, a título de indemnização por danos não patrimoniais por eles sofridos, a quantia de € 15.000,00, e a ambos, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela vítima e a título de indemnização pela perda do direito à vida, a importância de € 70.000,00, acrescidas de juros contados desde a data da notificação para contestação do pedido.
Os arguidos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto, instância que os rejeitou, sendo o recurso da arguida BB rejeitado por extemporâneo, o do arguido AA por manifesta improcedência.
Oficiosamente, o Tribunal da Relação do Porto anulou a vertente civil da decisão de 1ª instância, absolvendo da instância os demandados BB e AA.
Recorrem agora para o Supremo Tribunal de Justiça o arguido AA e os demandantes CC e EE.
É do seguinte teor o segmento conclusivo da motivação de recurso do arguido AA: 1. Com o devido respeito, o ora recorrente, considera ter sido verificado um vício constante do n.º 2 do artigo 410º do CPP.
-
Em abono da verdade, sempre se dirá que o Tribunal a quo, na sua douta apreciação, quanto à matéria de facto, ignorou uma realidade que implicaria uma decisão diversa da tomada.
-
Atendendo à prova produzida, nomeadamente a pericial e testemunhal, esta foi erroneamente valorada.
-
Não há nenhuma prova concreta e certa contra o ora recorrente.
-
Não foi, durante a audiência de discussão e julgamento, produzida qualquer prova segura, convincente e suficiente nos termos explanados.
-
Face a tudo quanto foi exposto muitas dúvidas subsistem quanto à actuação/participação do arguido nos crimes em que foi condenado no douto acórdão recorrido.
-
Ora, um dos princípios basilares do sistema penal português assenta, precisamente, no facto de ninguém poder ser condenado em caso de dúvida, ou seja, em caso de dúvida o arguido deve ser absolvido.
-
A livre convicção não significa, como é óbvio, apreciação segundo as impressões, nem a existência de pressupostos valorativos, ou a desconsideração do valor de critérios, ainda objectivos ou objectiváveis, determinados pela experiência comum das coisas e da vida, e pelas inferências lógicas do homem comum suposto pela ordem jurídica.
-
Não se analisando em liberdade não motivada de valoração, a livre convicção constitui antes um modo não estritamente vinculado de valoração da prova e de descoberta da verdade processualmente relevante, isto é, uma conclusão subordinada à lógica e à razão e não limitada por prescrições formais exteriores (cfr. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, II, 27).
-
O princípio, tal como está inscrito no artigo 127º, do CPP, significa, no rigor das coisas, que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido, devendo o tribunal apreciá-los de acordo com a experiência comum, com o distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica, na "liberdade para a objectividade" (cfr. Teresa Beleza, Revista do Ministério Público, ano 19, pág. 40; sobre a génese do princípio, quadro histórico, fundamentos e conteúdo, António Alberto Medina Seiça, "O Conhecimento Probatório do Co-arguido", Col. Studia Iuridica, Universidade de Coimbra, n.º 42, pág. 162-205).
-
A livre apreciação da prova pressupõe, pois, a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelece um substrato racional de fundamentação da convicção, que emerge da intervenção de tais critérios objectivos e racionais.
-
Apenas a fundamentação racional e lógica, que possa fazer compreender a intervenção e o sentido das regras da experiência, permite formar uma convicção motivada e apreensível, afastando as conclusões que sejam susceptíveis de se revelar como arbitrárias, ou em formulação semântica marcada, meramente impressionistas (cfr. Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, ed. CEJ, pág. 226).
-
Nos termos do artigo 71º, do Código Penal, a determinação a pena deve fazer-se dentro daqueles limites, em função da culpa e exigências de prevenção.
-
É que as penas de prisão servem para apaziguar a consciência da sociedade mas muito dificilmente reintegram e reinserem o indivíduo, sendo consabido tratarem-se as cadeias de grandes escolas de crime.
-
E o arguido ainda é jovem, tem vontade de trabalhar, mostrando-se a pena efectiva demasiadamente gravosa e severa.
-
Pelo exposto, entende o recorrente que foram violados, de forma clamorosa, os artigos 70º, 71º, n.ºs 1 e 2, 131º, 132º, n.ºs 1 e 2, alíneas, g) e i) e 254º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, 6º, da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, 127º e 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal e 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Por sua vez, os demandantes CC e EE extraíram da motivação apresentada as seguintes conclusões: 1. Atenta a rejeição do recurso - por extemporaneidade - interposto pela recorrente BB e atento o objecto do recurso interposto pelo recorrente AA - relativo à matéria criminal - ficou o tribunal de recurso com o seu âmbito de cognoscibilidade limitado à matéria criminal da decisão recorrida.
-
Transitou pois em julgado a decisão recorrida na parte cível - caso julgado parcial - estando o tribunal de recurso impedido de conhecer e de anular a referida decisão no atinente a esta matéria, por respeito à sua definitividade, aos princípios do dispositivo, da cindibilidade e da separabilidade dos recursos em processo penal.
-
Ao conhecer de matérias que não foram impugnadas nem apeladas pelos recorrentes violou o acórdão aqui em crise o artigo 403º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), do (actual) Código de Processo Penal, porquanto, o tribunal superior não se encontra munido da faculdade de violar a limitação quantitativa da impugnação.
-
O tribunal de recurso não tem qualquer fundamento legal para conhecer oficiosamente das alegadas nulidade e excepção dilatória da decisão recorrida na parte cível.
-
E não fundamentou adequadamente tal conhecimento oficioso e a alegada nulidade, padecendo pois o respectivo acórdão de um vício de falta de fundamentação... de direito... nos termos do artigo 374º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que determina a nulidade deste nesta parte, por força do artigo 379º, n.º 1, alínea a).
-
Decorre do próprio regime e estrutura dos recursos penais e considerando-se a forma pacífica que são as respectivas conclusões que delimitam o seu objecto, que é a partir destas que o tribunal definirá os seus poderes de cognição, verificando-se, assim, o efeito parcialmente devolutivo para o tribunal ad quem, que, em princípio, não conhecerá de toda a decisão.
-
Como é expressamente ressalvado pela parte inicial do artigo 402º, n.º 1, do Código de Processo Penal (normativo violado), é limitado pela cindibilidade do objecto do recurso por vontade dos sujeitos processuais recorrentes.
-
O Tribunal da Relação quando conheceu da matéria civil do acórdão recorrido estava já a apreciar uma parte da decisão que havia transitado em julgado por não ter sido impugnada.
-
E a formação de caso julgado torna insindicáveis todos os vícios susceptíveis de constituir causa de nulidade - seja qual for a sua natureza - permitindo a sua conservação.
-
Ao rejeitar, por extemporâneo, o recurso da arguida BB, o Tribunal da Relação não podia, ao mesmo tempo, conhecer de qualquer aspecto da decisão quanto a ela, uma que tudo se passa como a arguida não tivesse recorrido.
-
Sendo solidária a responsabilidade dos arguidos em matéria civil - artigos 497º e 512º, do Código Civil - com o trânsito em julgado da decisão de 1ª instância quanto à arguida BB, não pode esta deixar de ser plenamente responsável pela indemnização fixada.
-
A imputação - oficiosa - do acórdão da Relação ao acórdão da 1ª instância da nulidade sanável prevista no artigo 379º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, é ilegal, uma vez que tal nulidade, por não ser insanável, depende de arguição nos termos dos artigos 120º e ss. do Código de Processo Penal, com o que foram violados estes normativos.
-
O acórdão aqui em crise do Tribunal da Relação ao pronunciar-se sobre questões que não podia tomar conhecimento é nulo por excesso de pronúncia - artigo 379º, n.º 1, alínea c) in fine, do Código de Processo Penal - pois não estava habilitado, não tinha competência, nem podia conhecer e decidir nos termos em que o fez.
Na contra-motivação apresentada o Ministério Público pugna pela improcedência do recurso do arguido AA, com o fundamento de que a decisão recorrida não enferma de qualquer um dos vícios arguidos e doseou, de forma criteriosa, na base da culpa e da prevenção, as penas parcelares e conjunta cominadas.
Igual posição assume nesta instância o Exm.º Procurador-Geral Adjunto.
No exame preliminar, por razões de economia e de celeridade processual, relegou-se para decisão final a rejeição parcial do recurso interposto pelo arguido AA.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
* Começando por delimitar o objecto dos recursos...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO