Acórdão nº 1956/11.3T2OVR-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 03 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução03 de Julho de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Oposição à execução 1956/11.3T2OVR-A do juízo de execução de Ovar Sumário: Se em consequência da aplicação das várias cláusulas contratuais previstas para o incumprimento do locatário financeiro, o locador acabar por receber pelo incumprimento um valor muito superior ao que receberia se o contrato tivesse sido regularmente cumprido, deve ser-lhe recusado o direito de exigir ainda o pagamento de uma cláusula penal compulsória – por aplicação do art. 812 do Código Civil, sem passar pela aplicação das normas do art. 811 do CC ou do art. 19 da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados: B…, Lda, deduziu oposição à execução para pagamento de quantia certa, em processo comum, que lhe foi movida por C…, SA, querendo que se declare a nulidade da livrança dada à execução, por força da nulidade das cláusulas do art. 10 “das condições gerais” do contrato de locação financeira nº ……, que violam o art. 19/c) do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais (DL 446/85, de 25/10, e sucessivas alterações), ou, quando assim não se entender, que se considere extinta a dívida exequenda com a recuperação do bem locado pelo Banco e sua posterior venda a terceiro e que a livrança visava garantir.

Alega para o efeito que o título dado à execução é uma livrança subscrita em branco por si, na sequência de um contrato de locação financeira celebrado entre ela e um terceiro entretanto incorporado no Banco, contrato esse que não esclareceria as condições de preenchimento do título dado à execução, nem o acto de preenchimento foi junto com o título executivo; a executada só teve cópia do contrato quando o Banco propôs procedimento cautelar nos termos do art. 21 do DL 149/95 de 24/07, para a apreensão do veículo locado, o que veio a conseguir; o Banco escreveu à executada em 18/10/2010 comunicando-lhe que os valores vencidos e não pagos ascendiam a 6.040,14€, referente às rendas 32ª e seguintes e despesas de incumprimento e que procediam à resolução do contrato; de acordo com esta carta, a executada podia fazer precludir o direito à resolução do contrato “mediante o pagamento das rendas em atraso, acrescida de 50%, no prazo de 8 dias a contar da data da presente notificação.”; à data da resolução do contrato, a executada tinha pago 31 rendas, sendo a 1ª de 16.528,93€ + IVA e as restantes de 753,42€ + IVA, cada, e estava em mora em relação a 6 prestações, ou seja, menos de 10 % do capital em dívida. O Banco acabou por vender a viatura a terceiro pelo preço 23.600€ (a 03/02/2011) e, não satisfeito com isso e com os quase 50.000€ pagos pela executada, vem agora pedir à executada e avalistas não só os 6.040€, mas 9.734,33€, após o preenchimento abusivo da livrança, acrescido dos juros de mora; segundo a executada, o entendimento da melhor doutrina e jurisprudência é no sentido de que quando a locadora financeira resolve o contrato e recupera o bem locado, não pode exigir uma indemnização correspondente à totalidade das prestações não pagas, vencidas e vincendas, sem descontar o valor do bem recuperado; sempre segundo a executada, o contrato tem cláusulas nulas; a seguir a ter dito isto, transcreve as cláusulas dos arts. 4/9, 4/10, 10/1 e 10/2 do contrato, mas depois aponta a nulidade ao art. 10, sem especificação de ponto e alíneas, por violação do disposto no art. 19/c) do RCCG; acrescenta que no caso não só não houve qualquer prejuízo com a resolução do contrato como o Banco ficou beneficiado com a recuperação do veículo e sua venda; mais à frente diz que as cláusulas inseridas no art. 10/2, alíneas b) e c) das “condições gerais”, conjugadas entre si, são manifestamente desproporcionadas, pelo que são nulas, como decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08/11/2011 (103/08.3TMDA-A.C1).

O exequente contestou, impugnando parte dos factos base da excepção e os efeitos que a executada pretende tirar dos mesmos: é falso, diz, que não tenha sido entregue, no momento da outorga do contrato de locação, cópia do mesmo; tanto foi entregue a cópia do contrato como a cópia da autorização para preenchimento da livrança, devidamente assinada pela executada e pelos avalistas, e todo o teor dos documentos explicado; a executada não pagou a renda que se venceu em 15/05/2010, nem as seguintes, pelo que em 03/11/2010 foi resolvido o contrato; resolvido o contrato, além da obrigação de restituir o bem locado ao locador – o que apenas se logrou por via do procedimento cautelar instaurado – sobre o locatário impendia a obrigação de pagar as rendas, comissões e outros encargos ou despesas de sua conta, vencidos e não pagos, acrescida de juros de mora, e pagar a título de indemnização uma importância igual a 20% da soma das rendas vincendas e do valor residual, acrescido de juros de mora, tudo conforme o n.º 2 da mesma cláusula 10.ª das condições gerais do contrato; assim, a livrança foi preenchida pelo valor que resulta do incumprimento e consequente resolução, a saber, o correspondente a 6 rendas vencidas (de 15/5/2010 a 15/10/2010) acrescida dos respectivos juros de mora, calculados até 20/12/2010, no valor de 5.386,49€, mais despesas no valor de 2.223,10€, e indemnização no valor de 2.124,74€, tudo num total de 9.734,33€, do que resulta que carece de sentido e fundamento o alvitrado “preenchimento abusivo”; resolvido o contrato e restituído o veículo à locadora – para o que foi necessário o recurso a procedimento judicial, pois que a executada o continuava a usar sem pagar as rendas devidas – é, obviamente, a sua proprietária, no exercício desse seu direito, livre de o vender; o critério subjacente à fixação do valor da indemnização devida em caso de resolução do contrato é ponderado, justo e equilibrado, e a referida cláusula contratual não é nula, nem – ainda que o fosse – poderia ter como consequência a nulidade da livrança. Em articulado posterior, na sequência de despacho judicial para o efeito, apresentou uma factura de venda do veículo, com data de 16/03/2011 e o valor de 19.187€ + IVA à taxa de 23%, no total de 23.600,01€.

Depois foi proferida sentença julgando improcedente a oposição, e, em consequência, determinando o prosseguimento da execução, com custas da oposição pela executada.

A executada interpôs recurso desta sentença - para que seja revogada e substituída por outra que julgue procedente a oposição - terminando as suas alegações com as seguintes conclusões úteis: II – Em resultado da venda da viatura locada, por 23.600€ e tendo em conta as rendas, juros e comissões pagas pela locatária à locadora, [esta] em nada ficou prejudicada com o incumprimento do contrato.

III – Se o contrato de locação financeira nº ……, tivesse sido escrupulosamente cumprido pela locatária, o Banco teria recebido menos do que o que efectivamente veio a obter com a venda do veículo locado.

IV – A cláusula penal contratualmente fixada face à ausência de qualquer dano para a locadora, terá que ser substancialmente reduzida ou mesmo anulada.

V – O entendimento da melhor doutrina e jurisprudência vai no sentido de quando a locadora financeira resolve o contrato e recupera o bem locado, não pode exigir uma indemnização correspondente à totalidade das prestações não pagas vencidas e vincendas, sem descontar o valor do bem recuperado, sob pena da violação do disposto nos arts. 811/3 e 812 do Código Civil.

VI – No caso dos presentes autos, há uma desproporção integradora da previsão do art. 19/c) do DL 446/85 de 25/10, no que se refere às cláusulas do art. 10 das “condições gerais” do contrato de locação financeira nº 170587 e que as fere de nulidade e consequentemente inviabiliza o pedido formulado no requerimento executivo do Banco.

VII – Como consequência da nulidade das cláusulas supra mencionadas, deveria o Sr. juiz a quo aplicar as normas legais acima citadas e declarar nula a livrança dada à execução.

VIII – O Sr. juiz a quo, na fixação da cláusula penal, se entendesse admiti-la com validade, deveria ter tido em consideração todos os valores pagos pela executada, bem como o valor obtido com a venda da viatura por parte da locadora.

O Banco apresentou contra-alegações defendendo a improcedência do recurso; diz, no essencial, que não existe qualquer relação que seja entre o destino que ela, como proprietária do bem, lhe entendeu conferir (como podia: art...

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