Acórdão nº 833/11.2TVPRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 09 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução09 de Julho de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

833/11.2TVPRT.P1 Sumário do acórdão proferido no processo nº 833/11.2TVPRT.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil: 1. Em regra, constitui matéria de facto tudo aquilo que é passível de prova e como tal, susceptível de ser considerado verdadeiro ou falso, enquanto que integra matéria de direito a aplicação das normas jurídicas aos factos em conformidade com a interpretação de tais preceitos e a valoração e subsunção dos factos, de acordo com certo enquadramento normativo, actividade esta que é ajuizada segundo um critério de correcção ou de fundamentação.

  1. No actual Código de Processo Civil, as partes continuam oneradas à alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e daqueles em que se baseiam as excepções deduzidas (artigo 5º, nº 1, do Código de Processo Civil), estando o tribunal limitado na sua actividade por tal factualidade essencial e apenas podendo considerar, além dela, a factualidade instrumental, os factos complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa e desde que sobre os mesmos as partes tenham tido a oportunidade de tomar posição, os factos notórios e os factos de que o tribunal tem conhecimento por força do exercício das suas funções (artigo 5º, nº 2, do Código de Processo Civil).

  2. A inclusão na fundamentação de facto da sentença de matéria de direito determina uma deficiência na decisão da matéria de facto, por excesso, vício passível de ser oficiosamente conhecido em segunda instância, nos termos previstos na alínea c), do nº 2, do artigo 662º, do Código de Processo Civil.

  3. As partes imperativamente comuns na propriedade horizontal são aquelas sem as quais as fracções autónomas ficam prejudicadas nas suas funcionalidades.

  4. Os pressupostos da proibição do venire contra factum proprium são: a) uma situação objectiva de confiança; b) “investimento” na confiança e irreversibilidade desse investimento; c) boa-fé da contraparte que confiou.

  5. A confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá tutela quando desconheça a divergência entre a situação aparente e a situação real e tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfico jurídico, sendo que o cuidado e as precauções a exigir da parte que busca abrigo na proibição do venire contra factum proprium serão tanto maiores quanto mais vultuosos forem os actos praticados por força do investimento de confiança.

    ***Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto: 1. Relatório[1] A 25 de Novembro de 2011, nas Varas Cíveis da Comarca do Porto, o Condomínio do Prédio constituído em Propriedade Horizontal sito na Rua …, nº .., …, Porto, B…, C… e mulher D…, E… e mulher F…, G… e mulher H…, instauraram contra I…, acção declarativa sob a forma de processo experimental pedindo que o réu seja condenado a reconhecer que a zona ajardinada e o portão mencionados nos artigos 6º, 7º, 10º a 15º da petição inicial, bem como a zona empedrada referida no artigo 18º da mesma peça processual, são partes comuns do prédio identificado no artigo 1º do mesmo articulado e a abster-se de ter qualquer actuação que impeça o uso dessas zonas por parte dos autores.

    Para tanto, e no essencial, alegam que são proprietários das fracções A, B, C e D do primeiro autor, sendo o réu proprietário da fracção E do mesmo imóvel, que o prédio foi construído pelo réu e por este constituído em propriedade horizontal; que o acesso às diversas fracções do prédio em questão é feito, a Poente, a partir de um portão comum e de uma rampa empedrada que permite a passagem de pessoas e viaturas e, a Nascente, através de um portão igualmente comum que permite a passagem apenas de pessoas e que dá para a Rua …; que este portão a Nascente existe desde a construção do prédio, efectuada pelo próprio réu; que o réu, aquando da promoção da venda das fracções, publicitou a existência do mesmo como comum; que esse portão serve todas as fracções autónomas do prédio em apreço, sendo por isso comum; que junto a esse portão existe uma zona ajardinada, a qual está demarcada do logradouro que serve a fracção autónoma pertença do réu, zona que tem de ser atravessada por todos os que pretendam usar o referido portão sito a nascente; que recentemente o réu sustenta que essa zona ajardinada pertence à sua fracção e que os demais condóminos não a podem utilizar, sustentando ainda que a zona empedrada que se situa à frente da sua fracção e que confina a sul com a zona ajardinada também faz parte da sua fracção.

    Citado, o réu contestou, e, no essencial, impugna os factos alegados pelos autores para suportar a respectiva pretensão, alegando que a única entrada comum do prédio se situa a Poente, o que é suportado pelo título constitutivo da propriedade horizontal. Conclui, afirmando que a entrada pedonal para a Rua …, bem como as zonas ajardinadas a Nascente e seu empedrado não se incluem no que a escritura de propriedade horizontal denomina “toda a zona de logradouro a Nascente incluindo as zonas ajardinadas”, englobando esta referência na escritura pública tão-só, a zona de logradouro Nascente que vai do fim da fracção D à entrada principal a Poente e as zonas ajardinadas paralelas a esta, sendo o restante logradouro Nascente, que vai da fracção E à entrada pedonal, inclusive, as zonas ajardinadas e a zona empedrada, propriedade privada do réu, facto que, alega, foi explicado aos autores nas negociações que conduziram à compra e venda das fracções e termina pugnando pela improcedência da acção.

    Os autores responderam à contestação e pediram a condenação do réu como litigante de má fé, em multa e indemnização aos autores.

    Findos os articulados, fixou-se o valor da causa no montante de trinta e um mil euros, proferiu-se despacho saneador tabelar e procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes, dos controvertidos, estes últimos a integrar a base instrutória.

    Realizou-se audiência de discussão e julgamento em três sessões, efectuando-se inspecção ao local, documentando-se fotograficamente aquilo que foi sendo percepcionado.

    A 18 de Fevereiro de 2014 foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente.

    Inconformados com a sentença, a 31 de Março de 2014, os autores interpuseram recurso de apelação terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: “1 - A, aliás, douta decisão proferida, quer quanto à matéria de direito, quer quanto à de facto, alicerçou-se (como se diz expressamente nas suas fls. 9 e 25) no constante das plantas do processo camarário, em especial a de fls. 330, abstraindo-se por completo da realidade constatada no local (tal qual consta da factualidade dada como provada e resulta da planta que constitui o doc. 9 e das fotografias que constituem os docs. 10 a 21 juntos com a petição e do auto de inspeção judicial ao local e respetivas fotografias), o que conduziu à errada decisão do presente pleito. Vejamos: Quanto à decisão da matéria de facto: 2 - Não é admissível a formulação de um quesito (e, por maioria de razão, a sua resposta) “que, por si só, contenha a priori a resolução da concreta questão de direito que é objecto da acção” (Ac. RC de 26.4.1994 in BMJ 436 p. 456) – neste sentido veja-se também, v.g., Ac. RG de 24.3.2004 in Proc. 404/04-2.dgsi.net. Ora, 3 - Saber se o portão pedonal existente a Nascente do condomínio, a zona ajardinada em que o mesmo se encontra, indicada a laranja no doc. 9 junto com a petição inicial, e a zona empedrada indicada a azul na mesma planta são partes comuns ou se, pelo contrário, fazem parte (do logradouro) da fração pertença do Réu é precisamente o tema de direito a decidir na presente ação.

    4 – Daí que devem ter-se por não escritas as respostas dadas sobre questão de direito (e não factos), em violação ao disposto nos arts. 607º nº 4 CPC atual e 646º nº 4 CPC anterior: - aos pontos 23 a 27 da Base Instrutória na parte em que se dá como provado (sem que tal fizesse parte do que era perguntado, aliás) que o portão pedonal foi construído “no interior do logradouro pertencente à fracção do réu”; - aos pontos 28 a 30 da Base Instrutória, na parte em que é dado como provado que “a fração E, pertença do Réu, engloba uma área de Logradouro a Nascente que vai da fracção D ao portão colocado a nascente, as zonas ajardinadas pintadas a laranja no documento nº2 junto à contestação, e a zona empedrada”; e - ao ponto 31 da mesma Base, onde se deu como provado que “as zonas ajardinadas referidas na escritura de constituição da propriedade horizontal, limitam-se apenas e só aquelas que se estendem paralelamente ao logradouro que vai da entrada a poente até ao término da fracção D”.

    Por outro lado, 5 - Em resposta ao ponto 1 da Base Instrutória a Mma. Juiz a quo deu como provada a existência de um portão a Nascente que dá para a Rua …, mas não deu como provado que o mesmo permite o acesso às diversas frações do prédio em apreço (e, também, que esse portão apenas permite a passagem de pessoas – o que é dado como provado na resposta, v.g., aos pontos 2 e 3, 4 a 6, 7, 15 e 16).

    6 - Porém, resulta claro e evidente da planta que constitui o doc. 9 e das fotografias que constituem os docs. 10 a 18 juntos com a petição, da planta que constitui o doc. 1 junto com a contestação, da própria planta de fls. 330 do processo camarário anexo, da ata da inspeção judicial ao local (onde se pode ler: “O Tribunal entrou pelo portão sito a nascente. De seguida percorreu o caminho em paralelepípedo até ao portão com duas folhas sito a poente”) e, para além disso, constitui uma circunstância que nenhuma das partes coloca em causa nas suas peças, que real e fisicamente, o portão existente a Nascente permite o acesso às diversas frações do prédio em questão.

    7 - Assim não se entendendo, existe contradição entre essa parte da decisão da matéria de facto e a que consta da resposta dada aos pontos 4 a 6 e 14 da Base Instrutória...

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