Acórdão nº 10383/13 de Tribunal Central Administrativo Sul, 10 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelANA CELESTE CARVALHO
Data da Resolução10 de Julho de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I.

RELATÓRIO A Ordem dos Advogados, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datado de 30/04/2013 que, no âmbito da acção administrativa especial instaurada por ...

, julgou a acção procedente, declarando a nulidade do acto impugnado, o acórdão condenatório do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, de 08/01/2008 e da resposta ao pedido de aclaração, datada de 11/09/2009.

Formula a aqui Recorrente nas respectivas alegações (cfr. fls. 214 e segs. – paginação referente ao processo em suporte físico, tal como as referências posteriores), as seguintes conclusões que se reproduzem: “a) De acordo com o entendimento perfilhado pelos MM Juízes a quo, o acto impugnado padece de nulidade porquanto, “(...) a prova produzida é manifestamente insuficiente para a subsunção factual ao normativo do artigo 95º al. b) que prevê a conduta de infracção punida com a pena de suspensão, consideramos que, por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, a matéria probatória é insuficiente para punir o A., o que constitui nulidade insuprível do procedimento disciplinar, por se traduzir na violação do direito de presunção da inocência que merece acolhimento constitucional no artigo 32º da CRP”.

b) Salvo devido respeito não merece acolhimento tal entendimento, mostrando-se os factos dados como provados no âmbito do procedimento disciplinar, e que constam do ponto I da matéria de facto assente, suportados na prova documental produzida, sendo esta suficiente para fundamentar o juízo de censurabilidade que assentou sobre a conduta imputada ao aqui Recorrido.

c) Desde logo, porquanto o Recorrido devidamente notificado da prova documental junta aos autos não cuidou de impugnar a sua força probatória ou sequer invocou a falsidade dos factos ali vertidos.

d) Por outro lado, a versão dos factos apresentada pelo aqui Recorrido na sua petição inicial, não se apresenta verosímil ou credível de acordo com as regras de experiência comum, resultando, pelo contrário, da análise do processo administrativo, de forma inequívoca, a prática da infracção disciplinar que lhe foi imputada.

e) Com efeito, é entendimento da jurisprudência mais avisada que, “em processo disciplinar, tal como no processo penal, o Ónus da prova dos factos constitutivos da infracção cabe ao titular do poder disciplinar, devendo a prova coligida legitimar uma convicção segura da materialidade dos factos imputados ao arguido, para além de toda a dúvida razoável. Mas os princípios da presunção de inocência e do in dúbio pro reo aplicáveis ao processo disciplinar, não impedem que inexistindo prova directa, a convicção probatória no sentido da culpabilidade do arguido se forme com base em vários indícios a que este não contrapõe contra-indícios suficientes para gerar a dúvida razoável quanto à autoria dos factos que lhe eram imputados, uma vez que a verdade dos factos a atingir na decisão não é a verdade ontológica ou absoluta, mas a verdade prática, baseada na convicção objectivável do decisor, para além de toda a dúvida razoável” (cfr. acórdão do T.C.A. Sul, de 17/05/01, in www.dgsi.pt).

f) Ora, conforme se pode ler no acórdão suspendendo “(…) parece não restarem dúvidas de que pode considerar-se provado, para além dos n.ºs da matéria dada por provada e não posta em causa, o seguinte: 6. “A Sra Participante estava também presente, não tendo respondido à chamada”. Não seria crível que, como consta da Acta de Audiência de Discussão de Julgamento junta à Participação, estivessem presentes de entre as “pessoas convocadas”, o marido da Participante e o seu mandatário, e que esta, também convocada, nem sequer se deslocasse ao Tribunal, ao contrário do que afirma. E é, de resto, plausível, que não tivesse, como também afirma, respondido à chamada por o Recorrente não se achar presente. Mas disso não foi feita prova.

  1. “O Sr. Advogado não compareceu à audiência de julgamento, nem justificou a falta”.

    A referida acta de audiência de julgamento (também não posta em causa) revela a ausência do Recorrente àquela diligência, para a qual fora devidamente convocado, e dela não consta que tenha justificado a falta. Também aqui é plausível admitir que não tenha previamente avisado a Participante, mas tal não se mostra provado.

  2. “A Participante foi notificada para o pagamento de uma dívida que tinha pendente no tribunal de Setúbal”.

    Tanto foi notificada que veio a pagar a conta de custas, já agravada com juros de mora, conforme guia de pagamento que juntou.

  3. “O Sr. Advogado arguido fora notificado da sentença e da conta de custas.” Tal decorre da lei: a Secretaria Judicial deve notificar as sentenças, tal como a conta de custas, e fazê-lo na pessoa dos mandatários das partes (artºs 229, n.º 1 e 253º. n. º 1 CPC).

  4. “No entanto, nunca comunicou à participante o teor da sentença, que esta desconhecia ter sido proferida, nem a informou quanto à mencionada conta e prazo para pagamento”.

    Se a participante não esteve presente na Audiência de Julgamento, o que está provado pela respectiva Acta, e se a respectiva sentença, tal como a conta de custas, só foram notificadas ao Recorrente, como decorre dos preceitos legais, é bem de ver que aquela as desconhecia” (cfr. fls. 95 e 96 do processo instrutor).

    g) Donde resulta a existência de prova suficiente para a formação da convicção probatória no sentido da culpabilidade do arguido, assente na experiência comum e formada forme com base em vários indícios a que o recorrido não contrapôs contraindícios suficientes para gerar a dúvida razoável quanto à autoria dos factos que lhe eram imputados, mostrando-se preterido o dever deontológico contido no artigo 95°, n.º 1, ai. b) do E.O.A.

    h) Ao concluir em sentido contrário ao acima apontado, incorreu o douto acórdão recorrido em erro de julgamento, tendo violado o disposto nos artigos 3º do CPTA (na medida em que extravasou os poderes de pronúncia que legalmente lhe estão cometidos) e nos artigos 95°, n.º 1, al. b) do E.O.A. e 32º, n.º 10 da CRP (a contrario sensu).”.

    Termina pedindo que seja concedido provimento ao recurso jurisdicional, revogando-se a sentença recorrida.

    * O ora Recorrido notificado, apresentou contra-alegações (cfr. fls. 250 e segs.), concluindo nos seguintes termos: “1 - O Acórdão ora recorrido não sofre de qualquer vício ou erro de julgamento, é por demais evidente, a completa ausência de prova quer documental quer testemunhal, que permita concluir de forma diversa.

    2 - A livre apreciação da prova nunca pode ser confundida com o mero arbítrio. Liberdade não significa o arbítrio ou impressionismo emocional ou a decisão puramente assente no subjectivismo alheio à fundamentação e comunicação.

    3 - No recurso, a Ordem dos Advogados limita-se a repetir os argumentos constantes da decisão administrativa, não apresentando uma argumentação lógica, nem legal, perceptível de um raciocínio valorativo de um juízo diferente do explanado no Acórdão recorrido.”.

    * O Ministério Público junto deste Tribunal notificado nos termos e para efeitos do disposto no artº 146º do CPTA, emitiu parecer no sentido de o procedimento disciplinar se encontrar prescrito, devendo manter-se a decisão recorrida.

    * A Ordem dos Advogados pronunciou-se sobre o parecer emitido pelo Ministério Público, reiterando que o procedimento disciplinar não se encontra prescrito.

    * Colhidos os vistos legais foi o processo submetido à conferência para julgamento.

    II.

    DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR O objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artºs. 660º, n.º 2, 664º, 684º, nºs 3 e 4 e 690º, n.º 1, todos do CPC, ex vi artº 140º do CPTA.

    Encontra-se suscitada a questão de saber se o acórdão recorrido enferma de erro de julgamento, por violação do artº 3º do CPTA, do artº 95º, nº 1, al. b) do EOA e do artº 32º, nº 10 da Constituição (a contrario sensu), ao julgar-se não existir prova suficiente para a formação do juízo de ilicitude e de culpa, quanto ao cometimento da infracção sancionada disciplinarmente.

    III.

    FUNDAMENTOS DE FACTO O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos: “A - Em 2004-12-10 foi registada na Ordem dos Advogados, Conselho Distrital de Évora, sob o nº 8481, a entrada do requerimento subscrito por ... , datado de 2004-12-06, e dirigido ao Presidente do Conselho de Deontologia que constitui a participação contra o ora A., com o seguinte teor: “… 1 - Em finais do mês de Setembro de 2000 contactei a Drª ... , para tratar dos assuntos referentes ao meu divórcio.

    2 - Na primeira conferência foi-me dito que o processo demoraria entre 4 a 6 meses.

    3 - Decorrido uma semana realizou-se uma conferência entre nós, na qual o meu marido acordou em fazer o divórcio por mútuo consentimento.

    4 - Como já tinha passado cerca de um ano e o divórcio não era decretado contactei o Senhor Dr. ... , que se prontificou a tratar do assunto junto da Drª ... .

    5 - Entretanto fui notificada de um processo cível em que a Drª ... me exigia os honorários do divórcio, embora ainda não tivesse sido decretado.

    6 - Contactei o Senhor Dr. ... que me disse que eu tinha razão e que iria contestar o pedido...

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