Acórdão nº 1012/12.7TBPMS-G.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelARLINDO OLIVEIRA
Data da Resolução10 de Julho de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra A Massa Insolvente de A..., representada pelo Administrador de Insolvência, Dr.

B...

, intentou a presente acção de impugnação pauliana contra C..., D... e E... , estes, todos menores e representados por seus pais F... e G... e ainda contra A...

, já todos identificados nos autos, peticionando que deve ser julgada procedente a Impugnação Pauliana, declarando-se a ineficácia, em relação à ora autora, do acto consubstanciado na Escritura Pública denominada de “Doação”, lavrada em 13.10.2008, a fls. 15 a 16, do Livro 135 B, do Cartório Notarial da Batalha, a cargo da Dr.ª H..., por via do qual a insolvente e o aqui quarto réu declararam, por via da mesma escritura, doar aos filhos de ambos, os aqui primeira, segunda e terceiro réus, o imóvel supra melhor identificado em 11º, nos termos supra melhor explicitados, designadamente, que o mesmo era o único bem de que dispunha a insolvente e que esta só praticou tal acto com a intenção de se eximir ao pagamento das quantias de que bem sabia ser devedora e que originaram a sua situação de insolvência, devendo, na expressão legal, reconhecer-se à ora autora o “(…)direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.” Os Réus C... e F..., contestaram, invocando, no que a este recurso interessa, a ilegitimidade da autora para intentar a presente acção, com o fundamento em que, resulta do disposto nos artigos 125.º e 127.º do CIRE, que o Sr. Administrador não tem legitimidade para, em nome e representação da massa insolvente, intentar acção de impugnação pauliana.

A Autora, regularmente notificada, não se pronunciou relativamente à predita excepção.

Após o que foi proferido despacho saneador, em que se julgou procedente a excepção de ilegitimidade da autora, com a consequente absolvição dos réus da instância, ficando as custas a cargo da autora.

Inconformada com a mesma, interpôs a autora, Massa Insolvente, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 157), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões: I. Face aos critérios gerais enunciados pelo art.º 30º do CPC, a ilegitimidade ad causam ou processual de qualquer das partes só se verificará quando, em juízo, se não encontrar(em) o titular ou titulares da relação material controvertida ou quando legalmente não for permitida a titularidade daquela relação.

  1. Mal andou o Tribunal a quo ao entender, no âmbito da prolação da Sentença aqui colocada em crise, julgar procedente a excepção de ilegitimidade activa e, consequentemente, absolver “(…) os Réus C..., F..., D...E E..., da instância, em consonância com o preceituado nos art.º 493º/1 e 2, 494º, al. e) e 495º do Código de Processo Civil. “, porquanto, segundo aí se afirma “(…) falece a norma legal que outorgue à Massa Insolvente a legitimidade activa para intentar acções de impugnação pauliana, i.e, no que se refere aos negócios jurídicos exarados pelo devedor, indexa-se ao administrador da insolvência apenas o direito de acção resolutiva, nos termos dos arts. 82º/2 e 3, 123º a 126º e 127º do CIRE, incumbindo aos credores a eventual exercitação dos demais meios processuais que tutelam os seus direitos creditícios. Em decorrência, infere-se que a Autora carece de legitimidade ad causam para a acção de impugnação pauliana (…)”.

  2. Ao decidir nos termos em que o fez, violou o Tribunal a quo, as disposições constantes do art.º 20º da CRP; dos art.º 2º/2 e 30º do CPC, aplicáveis ex vi art.º 17º do CIRE, do art.º 82º/2 e 3 e 120º e ss deste diploma, e, bem assim, dos art.º 9º; 610º a 616º, todos do CC.

  3. De acordo com o art.º 9º do CC, deverá privilegiar-se, como critério de hermenêutica legal, a reconstituição do pensamento legislativo tendo, designadamente, em conta a unidade do sistema jurídico, em detrimento da mera literalidade em que, salvo o devido respeito, a decisão recorrida incorre.

  4. Historicamente, e no que, em concreto, respeita ao processo insolvimentar, a possibilidade de recurso, pelo liquidatário judicial e em benefício da Massa Falida, ao Instituto da Impugnação Pauliana – configurado como Impugnação Pauliana colectiva – encontrava-se expressamente prevista no art.º 157º do CPEREF, com sujeição ao regime civilístico próprio deste remédio geral de conservação da garantia patrimonial, muito embora com observância de algumas especificidades, designadamente quanto aos seus efeitos, dado o afastamento da disciplina própria do art.º 616º do CC.

  5. A reforma do regime insolvimentar levada a cabo em 2004 veio introduzir modificações substanciais nesta matéria, com o objectivo declarado de facultar, ao Administrador da Insolvência, os meios necessários à efectiva concretização da finalidade precípua de tal regime – a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores da insolvência. (Cf. preâmbulo do DL 53/2004 de 18 de Março, ponto 41) VII. Com um tal propósito e reconhecendo a ineficiência generalizada do regime até então vigente – atento o conjunto restrito de actos susceptíveis de resolução em benefício da massa falida e a possibilidade de perseguição dos demais nos termos apenas da impugnação pauliana – entendeu o legislador por imperioso o reforço da possibilidade de perseguição dos actos de dissipação de património em prejuízo dos credores e de obtenção da “(…) reintegração dos bens e valores em causa na massa insolvente (…)” designadamente através da redefinição dos contornos do Instituto da Resolução em benefício da Massa Insolvente e da sua maior diferenciação face ao Instituto da Impugnação Pauliana. (Cf. Preâmbulo do DL 53/2004 de 18 de Março, ponto 41).

  6. Face a um tal intuito, não se configura como defensável o entendimento de acordo com o qual o Administrador da Insolvência se encontra impedido de, em representação da Massa Insolvente, logo, em defesa dos interesses de todos os credores, lançar mão do Instituto civilístico geral da Impugnação Pauliana, apesar da ausência de previsão expressa, tal como sucedia anteriormente, da designada Impugnação Pauliana colectiva.

  7. Limitar a actuação de uma qualquer Massa Insolvente apenas à acção de...

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