Acórdão nº 4741/10.6T3SNT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 02 de Julho de 2014

Magistrado ResponsávelVÍTOR MORGADO
Data da Resolução02 de Julho de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Recurso nº 4741/10.6T3SNT.P1 Origem: 2ª Vara Criminal do Porto Acordam, em conferência, na 1ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto: I – Para julgamento em processo comum com intervenção de tribunal singular, o Ministério Público acusou a arguida, B…, divorciada, nascida a 22/11/1954, natural de …, filha de C… e de D…, titular do BI nº ……. e residente na …, .., ….-… Sintra, imputando-lhe a prática, em concurso real, de um crime de falsificação, previsto e punido pelo artigo 256.º, nºs 1, al. d), e 3, do Código Penal e de um crime de burla, previsto e punido pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al a), por referência ao art. 202.º, al b), todos do Código Penal.

Realizou-se a audiência de julgamento, no final da qual o tribunal de 1ª instância proferiu sentença em que decidiu: a) condenar a arguida, pela prática do crime de falsificação, previsto e punido pelos artigos 255.º, alínea a), e 256.º, n.ºs 1, al. a), e 3, do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão; b) condenar a arguida, pela prática do crime de burla, previsto e punido pelos artigos 217.º e 218.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão; c) condenar a arguida, pela prática dos dois crimes, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução por idêntico período de 2 anos e 6 meses.

*Discordando de tal decisão, veio a arguida interpor o presente recurso, sintetizando os respetivos fundamentos nas seguintes conclusões: - não se verificam os pressupostos dos crimes de burla e falsificação em que a Recorrente foi condenada; - verificam-se, isso sim, os pressupostos do crime de infidelidade, previsto no artigo 224º do Código Penal, que, atendendo à qualidade dos ofendidos, depende forçosamente de acusação particular – artigo 207º, n.º 1, a), por remissão do artigo 224º, n.º 4, ambos do Código Penal; - compulsados os autos, e face à ausência de acusação particular, estamos perante nulidade prevista no artigo 119º/ b), ‘a contrario’, do Código de Processo Penal; - pelo que, em consequência, deverá a arguida ser absolvida dos crimes que lhe são imputados.

*O Ministério Público apresentou resposta em que, refutando o alegado pela recorrente e mostrando a sua concordância com a sentença recorrida, concluiu pela afirmação de que não ocorreu, na sentença, qualquer erro na qualificação jurídica, pelo que deve ser o presente recurso rejeitado, considerando-se mesmo ser manifesta a sua improcedência.

Idêntica posição manifestou o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu já nesta 2ª instância, em que expressamente aderiu aos termos da resposta.

Cumpre, pois, decidir.

*II – FUNDAMENTAÇÃO O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar [1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Tendo como referência a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida, as principais questões a decidir são as de saber: - se as provas existentes nos autos implicam a modificação da decisão respeitante aos factos subjetivos; - se a factualidade provada não permite imputar à arguida o crime de falsificação agravada por que vem condenada, mas se subsiste um crime de falsificação simples; - se a factualidade provada não possibilita atribuir à arguida a prática do crime de burla qualificada por que foi também condenada; - se a arguida cometeu um possível crime de infidelidade, mas, em tal hipótese, o processo está inquinado pela nulidade insanável do artigo 119º, alínea b), ‘a contrario sensu’, do Código de Processo Penal, face à inexistência de acusação particular.

*A decisão de facto na sentença recorrida (transcrição): « (1) [2] Por procuração de 11 de Abril de 2008, lavrada no Cartório Notarial sito na …, nº …, .º, Lisboa, a arguida foi constituída procuradora de seus pais, [C…] e D….

(2) Assim, foram conferidos a B…, os poderes especiais “para, em seu nome, em conjunto com os demais interessados (…) prometer vender e vender, a quem e pelos preços, termos e condições que entender, o direito predial”, propriedade, e “outorgar e assinar as competentes escrituras…receber os preços correspondentes” que possuíam sobre um terço indiviso “do prédio rústico, com a área de oito mil oitocentos e quarenta e cinco metros quadrados, denominado “…”, sito no …, freguesia …, concelho de Sintra, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o número sessenta e dois mil seiscentos e cinquenta, no Livro B-cento e sessenta e três”.

(3) A descrição do mencionado prédio foi atualizada, correspondendo então ao número dez mil novecentos e setenta e cinco, daquela Primeira Conservatória do Registo Predial de Sintra e inscrito na matriz sob o artigo 159.

(4) Na posse de tal procuração, a arguida, no dia 3 de Março de 2009 celebrou um contrato-promessa de compra e venda da referida parcela, a favor de E…, promitente compradora.

(5) Entretanto, no dia 13 de Março de 2009, faleceu o pai da arguida, C….

(6) Ao invés de comunicar o referido contrato aos demais herdeiros e de diligenciar no sentido de celebrar a necessária escritura de habilitação de herdeiros, a arguida decidiu, em prejuízo daqueles, celebrar o contrato definitivo.

(7) Assim, no dia 29 de Abril de 2009, após o falecimento do seu pai, e tendo em vista a celebração da escritura pública, a arguida, em Matosinhos, aceitou e assinou a cessão de posição contratual, na qualidade de procuradora de e em representação do seu pai C… e mulher D…, no uso dos poderes que lhe foram conferidos pela procuração supra referida, a qual estava caduca.

(8) Tal contrato foi certificado por advogada.

(9) Em tal contrato, a arguida interveio como promitente vendedora, primeira contraente, sendo a segunda contraente E…, promitente compradora, a qual cedeu à sociedade “F…, Ldª”, a posição contratual que possuía no contrato-promessa de compra e venda celebrado em 3 de Março de 2009 entre as duas primeiras e que tinha por objeto a mencionada “terça parte indivisa do prédio rústico”, denominado “…”.

(10) Na mesma data, 29 de Abril de 2009, no Cartório Notarial de Matosinhos, da …, nº …, .º, …, Matosinhos, do Notário G…, a arguida, na qualidade de procuradora, em representação de C… e mulher D…, “casados em comunhão geral de bens…, com ela residentes, no uso dos poderes que lhe foram conferidos” pela procuração supra referida que apresentou, declarou que, “em nome dos seus representados”, pelo preço de quarenta mil euros, já recebido, vendia à sociedade “F…, Ldª”, representada pela segunda outorgante, H…, a mencionada “terça parte indivisa do prédio rústico”, com a área de oito mil oitocentos e quarenta e cinco metros quadrados, denominado “…”, sito no …, freguesia …, concelho de Sintra, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o número dez mil novecentos e setenta e cinco, e inscrito na matriz sob o artigo 159, registado a favor dos seus pais.

(11) A arguida recebeu da compradora “F…, Ldª,” o preço da venda daquele prédio, no montante global de 41.650€, através do cheque nº ………., datado de 20/04/2009, no valor de 10.650€ e do cheque nº ………., datado de 15/07/2009, no valor de 31.000€, ambos do “I…” e que foram emitidos à sua ordem.

(12) Assim, a arguida, quando celebrou a mencionada escritura pública e o referido contrato de cessão de posição contratual, declarou e fez constar nos mesmos que era procuradora e agia em representação do seu pai C…, no uso dos poderes que lhe haviam sido conferidos pela mencionada procuração, bem sabendo que o seu pai já tinha falecido e que já não tinha tais poderes de representação, porquanto aquela procuração havia caducado, quanto ao mesmo, na data da sua morte.

(13) A arguida atuou voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que não podia ter declarado, contrariamente à verdade, que era procuradora e representante do seu pai, após a morte deste. No entanto fê-lo, levando o Notário a fazer constar da dita escritura factos não verdadeiros, juridicamente relevantes, e a compradora do citado imóvel a celebrar e assinar a mesma, o que quis.

(14) Sabia que aquelas declarações não correspondiam à verdade e abalavam a confiança e credibilidade na autenticidade e genuinidade do documento autêntico e autenticado e atentavam contra a fé pública que merecem as escrituras públicas e os documentos autenticados.

(15) Agiu com intenção de assegurar para si o recebimento da quantia correspondente ao preço do referido imóvel, de, pelo menos, 40.000€, em prejuízo dos demais herdeiros, o que conseguiu.

(16) Assim, a arguida, fazendo acreditar ao Notário, à promitente compradora que cedeu a sua posição contratual e à compradora do citado imóvel, ser verdade que o seu pai ainda era vivo e que a procuração que exibiu lhe conferia os poderes que afirmou ter, conseguiu reter para si os montantes recebidos.

(17) Tal contrato de cessão de posição contratual e escritura pública não teriam sido celebrados se a promitente compradora, que cedeu a sua posição contratual, a compradora do imóvel e o Notário soubessem que a arguida não tinha poderes para vender um imóvel que não era seu.

(18) Obedecendo a uma única resolução, a arguida, ao atuar da forma descrita, sabia que estava a conseguir, em cada uma das vezes supra referidas, uma vantagem patrimonial que não lhe era devida, que lesava patrimonialmente os demais herdeiros do seu pai e o Estado, o que quis e aconteceu.

(19) Sabia que o seu comportamento era proibido e punido por lei.

(20) A arguida encontra-se desempregada e sem rendimentos.

(21) Vive com a mãe.

(22) Tem o 9.º ano de escolaridade e efetuou um curso de belas-artes.

(23) Do certificado de registo criminal da arguida nada consta.

*Factos não provados.

Com relevância para a decisão da causa, inexistem.

Motivação.

O Tribunal formou a convicção quanto à matéria de facto constante da acusação com base na prova produzida em audiência de julgamento, analisada e conjugada criticamente à...

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