Acórdão nº 165/12.9TTSTS.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Junho de 2014

Magistrado ResponsávelEDUARDO PETERSEN SILVA
Data da Resolução16 de Junho de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Processo nº 165/12.9TTSTS.P1 Apelação Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 374) Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto Adjunto: Desembargadora Fernanda Soares Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório B…, Delegada de Informação Médica, residente em ….-… – …, Madeira, intentou contra C…, S.A., pessoa colectiva nº ………, com sede na …, Apartado …, em …, a presente acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, pedindo que, julgada provada e procedente, a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 15.341.91 euros, acrescida de juros, a título de trabalho suplementar prestado e não pago, bem como a quantia de 5.000,00 euros a título de danos morais[1].

Para tanto, alegou, em síntese, que trabalhou para a ré, como delegada de informação médica, de 09/10/2002 até 31/03/2011, data em que foi despedida por extinção do seu posto de trabalho. Durante a relação laboral a Autora efectuava com regularidade deslocações ao serviço da Ré, quer em Portugal Continental, Ilha da Madeira, quer ainda no estrangeiro, em dias de descanso semanal, complementar e feriados, e ainda prestava trabalho suplementar no âmbito de congressos, reuniões de formação e com clientes, tudo efectuado por ordem e no interesse da Ré. Liquida o trabalho suplementar decorrentes, que a Ré nunca lhe pagou, não lhe tendo sido igualmente prestado qualquer dia de descanso.

Em consequência desse trabalho suplementar deixou de prestar assistência à família, de conviver socialmente, e sofreu grande cansaço físico.

A ré contestou, impugnando a matéria afirmada pela autora, alegando que nunca determinou à mesma a realização de qualquer trabalho suplementar, nunca a obrigando a viajar à noite ou ao fim de semana, tendo a Autora inteira liberdade para marcar as horas dos voos como lhe fosse mais adequado. Por outro lado (e relativamente à petição inicial) alegou que os cálculos se mostravam indevidamente realizados os cálculos que a Autora fez para reclamar o pagamento do alegado trabalho suplementar.

A autora respondeu à contestação, pedindo a condenação da ré como litigante de má fé.

Considerando as observações da Ré constantes da contestação relativas aos cálculos realizados pela Autora na petição inicial, a Mmª Juiz proferiu despacho convidando a A. a esclarecer o seu raciocínio quanto ao número de horas de trabalho suplementar peticionado.

Respondendo ao convite a Autora apresentou nova petição inicial aperfeiçoada, à qual a Ré respondeu, alegando continuar a não compreender o método de cálculo utilizado pela Autora.

Foi proferido despacho saneador, fixou-se à acção o valor de €23.240,96 e seleccionou-se a matéria de facto assente e controvertida, após o que se realizou a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova nela prestada, no final da qual foi proferido o despacho de resposta à matéria de facto controvertida e respectiva fundamentação, sem reclamações.

Foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: “Em face do exposto, julga-se a acção parcialmente procedente por provada e em consequência condena-se a ré a pagar à autora o valor global de 11.257,40 euros, a que acrescerão juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

As custas serão suportadas por autora e ré na proporção dos respectivos decaimentos”.

Inconformada, interpôs a Ré o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões: QUANTO À RESPEITOSA DISCORDÂNCIA SOBRE A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO A.

Atendendo aos depoimentos das testemunhas: a. D…, depoimento prestado no dia 28/05/2013, e cuja gravação consta do minuto 11.28.44 ao minuto 11.49.25, mormente nos trechos que constam dos minutos 1 a 5 e 18.27 em diante.

  1. E…, depoimento prestado no dia 28/05/2013, e cuja gravação consta do minuto 11:49:55 ao minuto 11:57:45, mormente nos trechos que constam dos minutos 7.10 a 5 e 7.49.

  2. F…, depoimento prestado no dia 28/05/2013, e cuja gravação consta do minuto 11:58:13 ao minuto 12:15:38, mormente nos trechos que constam dos minutos 3.58 a 8.40 e 15.22 em diante.

    E à douta fundamentação invocada pelo Ilustre Tribunal a quo, quanto à resposta dada ao quesito 15.º (e ao 14.º e 17.º): A testemunha G… (…) disse que o tratamento para a autora era o mesmo que para os restantes trabalhadores da C1…, sendo por norma a secretaria que fazia as marcações de acordo com as disponibilidades daqueles, trabalhando com determinadas agências, que eram sempre as mesmas. Também o já referido F… disse que as marcações das viagens são sempre feitas de acordo com os interesses dos colaboradores, o que poderia levar a que as viagens, que deveriam ser marcadas, por norma, no horário de trabalho, não o fossem. E explica: se, por exemplo, a reunião está agendada para uma segunda-feira de manhã, em vez de se deslocar dentro do horário de trabalho, sexta, o colaborador poderá optar, indo apenas no domingo, aproveitando assim o fim-de-semana com a família, ou poderá ir na sexta, passando o fim-de-semana fora, conforme os interesses e conveniências do trabalhador, sem que, em qualquer uma das hipóteses a empresa tal controle ou obste.

    (…). D…, secretária da C1…, há cerca de 11 anos, disse que as marcações eram feitas segundo as conveniências da própria autora, não fazendo a mesma qualquer tipo de controlo no solicitado. Assim, por norma, e conforme procedimento habitual com restantes colaboradores da ré, a Autora dizia que tinha que estar em determinado horário e local, pelo que a testemunha solicitava à agência informações de voos, informava a autora, ela escolhia, de acordo com a sua preferência, após o que a testemunha procedia à marcação da viagem.

    B.

    Deverá ser alterada a resposta dada ao quesito 15.º (conjuntamente com a resposta dada aos quesitos número 14.º e 17.º), passando o mesmo a apresentar a seguinte redacção: Provado que a autora, no gozo da liberdade que sempre lhe foi concedida pela ré para marcar as horas dos voos da forma que lhe fosse mais adequada, organizou as suas viagens, sem interferência da ré, de modo a cumprir e estar presente nos horários previstos nos eventos aludidos em 2.º, estando a ré disponível para que a autora viajasse durante o seu horário de trabalho.

    QUANTO À RESPEITOSA DISCORDÂNCIA SOBRE A QUALIFICAÇÃO DAS DESLOCAÇÕES DA RECORRIDA DA MADEIRA PARA O CONTINENTE E DE REGRESSO COMO TEMPO DE TRABALHO C.

    A Recorrente fundamenta a sua respeitosa discordância com o Ilustre Tribunal a quo, quanto a este aspecto específico, nos seguintes pontos: D. Factos assentes número 6.º e 7.º, que se passam a transcrever: A autora, desde que iniciou a sua relação laboral, sempre soube que teria de efectuar deslocações ao continente, para participar em reuniões da empregadora.

    Enquanto trabalhadora da ré, a autora estava obrigada a fazer as deslocações necessárias ao exercício das suas funções, o que decorre não só dos usos da empresa e da relação laboral em apreço.

    E.

    O artigo 197.º, número 1, do Código do Trabalho dispõe que Considera-se tempo de trabalho qualquer período durante o qual o trabalhador exerce a actividade ou permanece adstrito à realização da prestação, bem como as interrupções e os intervalos previstos no número seguinte.

    1. A doutrina tem vindo a descrever o conceito de tempo de trabalho como um instituto construído pela combinação de três critérios: a) o tempo em que efectivamente se realiza a prestação; b) o tempo da disponibilidade para efeito, com ou sem a presença no posto de trabalho; c) o tempo da interrupção da prestação normativamente assimilada às anteriores (Cfr. Código do Trabalho Anotado, Pedro Romano Martinez, 7.ª Edição, 2009, páginas 495 e 496).

    2. No caso das viagens em apreço, o tempo de duração das mesmas apenas poderia ser qualificado como tempo de trabalho na medida em que se considerasse ser o mesmo tempo de disponibilidade, sem presença no posto de trabalho, uma vez que, nesse período, a Recorrida não se encontrava a realizar a sua prestação de trabalho.

    3. Sucede que, sabendo a Recorrida, desde o início da sua relação laboral, que se encontrava adstrita à realização das suas funções, quer na Ilha da Madeira, quer no continente, para participar nas reuniões da empregadora, a questão que se coloca é a seguinte: por que razão o tempo despendido pela Recorrida, desde a sua residência até ao continente, para comparecer nas aludidas reuniões é considerado tempo de trabalho? I. E, em confronto, pergunta-se ainda o seguinte: o tempo despendido pela Recorrida, da sua residência, para o seu local de trabalho, no Funchal, seria considerado tempo de trabalho? J. Não se apresenta matéria controversa a da qualificação do tempo despendido por um trabalhador desde a sua residência para o seu local de trabalho.

    4. De facto, dois dos elementos essenciais de um contrato de trabalho são: a) O local de trabalho – Cfr. artigo 106.º, n.º 3, alínea b) do Código do Trabalho.

  3. O horário de trabalho (na medida em que se apresenta como aspecto relevante para a prestação da actividade laboral – Cfr. artigo 106.º, n.º 2 do Código do Trabalho).

    L. Assim, quando um trabalhador celebra o seu contrato de trabalho sabe que tem que cumprir um determinado horário, em determinado local, organizando assim a sua vida de acordo com o cumprimento de tais obrigações.

    1. Ora, a Entidade Empregadora será sempre alheia ao facto de um trabalhador que, residindo a 160 quilómetros do seu local de trabalho aceita prestar o seu serviço ali – implicando tal realidade uma deslocação diária de horas.

    2. A Entidade Empregadora manter-se-á alheia a essa realidade ainda que se comprometa a pagar ao trabalhador o custo dessas deslocações.

    3. Querendo com isto dizer-se que, ainda que a Entidade Empregadora custeie a deslocação de comboio do seu trabalhador, que, nesse meio de transporte, despende 4 horas diárias (duas na ida, duas na vinda), esse período de tempo não é considerado tempo de trabalho.

    4. Ora, esta...

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