Acórdão nº 0214/14 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 28 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelARAGÃO SEIA
Data da Resolução28 de Maio de 2014
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A............, S.A., com sinais dos autos, recorre do despacho liminar, datado de 18/11/2013, do TAF de Sintra, que indeferiu liminarmente o presente pedido de intimação para comportamento, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos.

Alegou, tendo concluído: i. Para proferir a decisão em causa, o Tribunal a quo não procedeu à selecção da relevante matéria de facto - sendo que, nos termos do artigo 659.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º e) do CPPT deve o Juiz indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas aos factos que considera provados - o que implica o necessário labor de especificar os factos que considera provados, por remissão para o respectivo suporte probatório.

ii. A falta de fundamentação factual acarreta a nulidade da douta sentença recorrida, por violação do disposto nos artigos 158.º n.º 1 e 659.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º e) do CPPT.

iii. Entende o Tribunal a quo que a intimação para o comportamento não é o meio processual adequado e, do mesmo passo, elege como meio próprio a reclamação judicial de actos e decisões do órgão de execução fiscal, prevista no artigo 276.º sgs do CPPT.

iv. Para assim decidir, invoca o Tribunal a quo a Jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, de 28.02.2007, firmada no processo n.º 062/07 e, bem assim, a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul, constante do acórdão de 30.01.2007, dado no processo n.º 01596/07.

  1. Todavia, a referida jurisprudência versou sobre os meios processuais acessórios previstos no artigo 146.º do CPPT - destinados, nomeadamente, à intimação judicial para a consulta de documentos e passagem de certidões - sendo que, diversamente, está em causa nos autos a intimação judicial para um comportamento, prevista no artigo 147.º do CPPT.

    vi. Uma análise do objecto e finalidade da reclamação judicial prevista no artigo 276.º e seguintes do CPPT aponta, necessariamente, em sentido inverso do decidido pelo Tribunal a quo.

    vii. Em primeiro lugar, porque, versando sobre actos e decisões do órgão de execução fiscal, não se mostra apto a reagir contra meras omissões do dever de decisão - aliás: - o artigo 95.º da LGT, versando sobre o "acesso à justiça tributária", refere-se apenas, na alínea j) do n.º 2, à reacção contra "OS ACTOS praticados na execução fiscal"; - o artigo 103.º n.º 2 da LGT estabelece que «É garantido aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos ACTOS materialmente administrativos praticados por órgão da administração tributária ( ... )»; - tal reclamação judicial pressupõe sempre a prévia notificação de um acto ou decisão lesiva, como resulta expressamente do disposto no artigo 277.º n.º 1 do CPPT.

    viii. Em segundo lugar, haverá de notar-se que a finalidade da reclamação judicial em causa se concretiza na mera anulação do acto lesivo.

    ix. Ora o processo judicial tributário tem por função a tutela plena e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos - o que apenas poderá ser logrado caso o meio processual for apto para a finalidade a que destina, tendo em conta o princípio segundo o qual "a todo o direito corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo”.

  2. No caso concreto, aquilo que a Recorrente pretendia era a condenação na prática do acto devido - ou seja, que a AT fosse intimada a proferir uma decisão sobre a garantia prestada - afigurando-se notório à Recorrente, salvo o devido respeito, que uma decisão judicial de anulação, própria do recurso judicial previsto no artigo 276.º e seguintes do CPPT, não confere uma tutela eficaz e plena aos interesses da Recorrente.

    xi. O artigo 97.º n.º 2 da LGT, como consagração legal do princípio plasmado no artigo 20.º da CRP, pressupõe a concessão ao interessado do mais elevado grau de tutela jurisdicional, o que apenas será logrado com a obtenção de uma decisão judicial: i) que tutele de forma eficaz e efectiva os seus direitos e interesses legalmente protegidos, ou; ii) que seja susceptível de obstar a materialização de uma situação lesiva - o que não sucede com o meio processual indicado na sentença.

    xii. É certo que a intimação para um comportamento só é meio processual «aplicável quando, vistos os restantes meios processuais previstos no presente Código, ele for o meio mais adequado para assegurar a tutela plena, eficaz e efectiva dos direitos ou interesses em causa», de acordo com o nº 2 do referido artigo 147.º do CPPT.

    xiii. Ora, de entre os restantes meios contenciosos, a intimação judicial para um comportamento é mais ágil do que os demais meios em causa, e o seu pedido afigura-se como o mais adequado à salvaguarda dos interesses em causa.

    xiv. De resto, como decidido por este Supremo Tribunal: «( ... ) os meios impugnatórios dirigidos contra o acto silente só conduziriam à anulação desse acto. Mas, ainda que a Administração continuasse adstrita à obrigação de decidir expressamente a pretensão que a recorrida lhe apresentara, se, porventura, incumprisse, seria necessário o recurso a novo meio processual. Enquanto que, através da intimação para um comportamento, a interessada pode obter, logo, o que pretende, ou seja, a vinculação da Administração a, em prazo fixado pelo tribunal, concluir e decidir o procedimento. » xv. É inequívoco que, face ao disposto no artigo 56.º da LGT, a AT tem o dever jurídico de decidir os pedidos que lhe sejam formulados pelos Contribuintes – na senda do que estabelece, também, o artigo 9.º do CPA - sendo inegável que tal dever da AT se constituiu no caso em apreço, uma vez que i) o pedido foi formulado por quem é detentor de interesse legítimo e ii) o pedido foi endereçado ao órgão competente.

    xvi. Assim, nos termos do art. 147.º n.º 1 do CPPT, o meio processual usado pela Recorrente tem por objecto, precisamente, as situações em que existe uma omissão do dever de qualquer prestação jurídica, susceptível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária.

    xvii. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo incorre em novo erro de julgamento da matéria de Direito, quando parece exigir, como pressuposto processual para a intimação judicial, a efectiva materialização de um prejuízo ou a efectiva lesão de um interesse legalmente protegido - invocando que não foram identificados "actos que pela sua natureza não sejam consentâneos com a pretendida suspensão da execução fiscal".

    xviii. Ao invés do decidido, a lei não exige a efectiva lesão de um interesse ou direito legalmente protegido, bastando-se, outrossim, com a mera susceptibilidade dessa lesão - como decorre expressamente da letra do artigo 147.º n.º 1 do CPPT, quando fala na omissão "do dever de qualquer prestação jurídica susceptível de lesar direito ou interesse legítimo em matéria tributária".

    xix. Tampouco corresponde à realidade dos factos que a Recorrente não tenha concretizado em que medida o comportamento omissivo da AT é susceptível de lesar os seus interesses legalmente protegidos, resultando tal matéria do invocado nos artigos 6.º, 7.º, 8.º, e 18.º a 25.º da petição inicial.

    xx. Por outro lado, como consta da petição inicial, a Recorrente invocou: - QUE não logra obter a suspensão formal do processo executivo, nos termos do artigo 169.º do CPPT e 52.º da LGT; - QUE não logra obter certidão de "situação tributária regularizada", nos termos do artigo 169.º n.º 11 do CPPT; - QUE existe a possibilidade de realização, pela AT, de actos executivos e materialmente equiparados, nos termos do artigo 89.º do CPPT; - QUE existe a possibilidade de não lhe serem feitos pagamentos por entidades públicas, nos termos do artigo 39.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 197/99, de 08.06; - QUE existe a possibilidade de ser excluída dos procedimentos de contratação com entidades públicas, nos termos do artigo 33.º n.º 1 b) do Decreto-Lei n.º 197/99, de 08.06; - QUE lhe está vedado celebrar contratos de fornecimentos, empreitadas de obras públicas ou aquisição de serviços e bens com o Estado, Regiões Autónomas, institutos públicos, autarquias locais e instituições particulares de solidariedade social maioritariamente financiadas pelo Orçamento do Estado, bem como renovar o prazo dos já existentes; Concorrer à concessão de serviços públicos; Fazer cotar em bolsa de valores os títulos representativos do seu capital social; Lançar ofertas públicas de venda do seu capital ou alienar em subscrição pública títulos de participação, obrigações ou acções; Beneficiar dos apoios de fundos comunitários e públicos; Distribuir lucros do exercício ou fazer adiantamentos sobre lucros no decurso do exercício, nos termos do artigo 1.º do D.L. n.º 236/95, de 13.09.

    xxi. Entende a Recorrente, portanto, que face às consequências previstas expressamente na lei e resultantes directamente do facto de não ter a sua situação tributária regularizada - mormente pela suspensão da instância executiva mediante a prestação de garantia - a conduta omissiva da AT acarreta uma enorme e eminente restrição dos seus direitos e um bloqueio à sua...

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