Acórdão nº 5722/04.4TDLSB.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 21 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelPEDRO VAZ PATO
Data da Resolução21 de Maio de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Pr. 5722/04.4TDLSB.P1 Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I – O Ministério Público veio interpor recurso do douto acórdão do Tribunal Judicial de Castelo de Paiva que declarou não puníveis as condutas por que vinham pronunciados os arguidos B… (este no que se refere a oito dos crimes de fraude fiscal qualificada por que vinha pronunciado), C…, “D…, Ldª”, E…, “F…, Ldª”, G…, H…, “I…, Ldª”, J…, K…, L…; M…, N…, “O…, Ldª”, P…, “Q…, Ldª”, S…, T… e “U…, Ldª” Das conclusões da motivação do recurso consta o seguinte: «(…) 4. O douto Tribunal recorrido, nesta sua decisão, renovou, aqui e agora essa sua posição – maioritária a nível doutrinal e jurisprudencial (ainda que não unânime) -, em conformidade com a recente decisão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de Março de 2011, no âmbito do processo comum colectivo nº 65/02.01DAVR, deste mesmo Tribunal de Castelo de Paiva, convolando quanto àqueles citados arguidos, os crimes de fraude fiscal, para meras contra-ordenações da previsão do art. 118º do RGIT, ainda que em relação aos arguidos em numero maioritário, que pagaram as coimas, viesse a julgar extinto o procedimento desta natureza e por tal efeito; 5. A razão da nossa discordância prende-se com o facto de se tratar de um tipo legal de crime agravado em relação aquele outro simples, porque ocorreu com uma conduta especialmente censurável, com recurso a facturação falsa, pelo que o disposto no art. 104º do RGIT não se submete uma qualificação meramente de valor, como o entretanto previsto na lei de aprovação do OE, para o transacto ano de 2009; 6. Interpretação esta que se nos afigura ter sido a intenção do legislador tanto mais que do ponto de vista literal e sistemático, não o referiu, bastando ter acrescentado uma alínea ou um novo número ao art. 103º do RGIT; 7. Tanto mais que e ainda que se possa considerar a vantagem patrimonial um elemento típico deste crime de fraude fiscal, a fixação de um determinado limite para a sua penalização terá de ser sempre entendida como uma condição objectiva de punibilidade; 8. Aliás os crimes de fraude fiscal simples e qualificada, das previsões dos artigos 103º e 104º do RGIT comportam duas diferentes realidades, como se vem constatando em várias jurisprudências dos tribunais superiores; 9. Por outro lado se poderá também constatar e como argumento de autoridade, tal como recentemente se decidiu superiormente, no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, ainda que quanto ao crime de abuso de confiança fiscal à Segurança Social, que a redacção da citada lei (OE), não contemplou as condutas anteriormente integradoras desse crime de natureza fiscal; 10. Referindo-se também o último acórdão de fixação de jurisprudência com o nº 8/2010, de 23 de Setembro, que uniformizou e quanto a este ultimo tipo de ilicitude, ainda que baseando-se noutros valores de natureza penal, entendeu-se não relevar o critério do valor patrimonial; 11. Saliente-se, igualmente a posição do Sr. Desembargador Dr. José Vaz Carreto no seu voto de vencido lançado naquela citada decisão referente ao acórdão mais recente do recurso referente ao processo de Castelo de Paiva, cuja fundamentação fazemos nossa, onde se referencia, também o acórdão de fixação de jurisprudência como o nº 3/03. de 10-7-2003, sobre a relação de concurso aparente entre os crimes de fraude fiscal e de falsificação de documento, que considerou a sua punibilidade não dependente do valor do prejuízo patrimonial; 12. Aduzindo-se, também e pela nossa parte, como um argumento de natureza pragmática, que esta situação poderá facilmente conduzir a uma autentica fraude à lei, por parte dos contribuintes fraudulentos, que passa a apresentar várias declarações que não ultrapassem o aludido montante de 15 mil euros; 13. Como fez este douto Tribunal recorrido, que violou, assim, o disposto nos arts. 104º nº 1 als. a) e e), do RGIT e 103º e 118º, deste mesmo diploma; 14. Decisão esta que deverá ser revogada, substituindo-se por uma outra que impute os aludidos ilícitos penais aos visados arguidos, que deles vieram a ser absolvidos, enquanto representantes da firmas arguidas, bem com destas e também do arguido B…, na qualidade de emitente, condenando-os nos termos e numa pena em tudo idêntica àquelas que foram escolhidas para ao arguidos B… e V…;» Os arguidos G…, H…, “I…, Ldª”, L… e K… apresentaram respostas a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, pugnando também pelo não provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, a de saber se devem considerar-se não puníveis as condutas dos arguidos acima referidos, ao abrigo do disposto no artigo 103º, nº 2, do R.G.I.T., ou não, por este preceito não ser aplicável a condutas enquadráveis no crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo artigo 104º do mesmo diploma, mas apenas as enquadráveis no crime de fraude fiscal simples, p. e p. pelo referido artigo 103º.

III – Da fundamentação do douto acórdão recorrido consta o seguinte: «(…) II) Da qualificação jurídica dos factos.

Do crime de fraude fiscal Aos arguidos é imputada a prática, ao arguido B…, e enquanto utilizador, em autoria material e na forma consumada de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p., pelos arts. 104º nº1 als. a), e e) e nº2 da Lei nº15/2001, de 5 de Junho; e enquanto emitente, a prática em co-autoria e em concurso real pela prática de nove crimes de fraude fiscal qualificada, p. e p., pelos arts.104º nº1 als. a), e) e nº2, da Lei nº15/2001, de 5 de Junho; aos restantes arguidos a prática em co-autoria de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p., pelos arts.104º nº1 als. a), e) e nº2, da Lei nº15/2001, de 5 de Junho.

Dispõem o art. 103º do RGIT, que “1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por: (...) c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.

Por seu turno, prescreve o artigo 104.º, quanto à fraude qualificada que - Os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando (...) 2 - A mesma pena é aplicável quando a fraude tiver lugar mediante a utilização de facturas ou documentos equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes ou ainda com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação subjacente.

(…) Apurou-se ainda que o arguido B… com a apresentação da declaração periódica de IVA dos 1º, 2º, 3 e 4º trimestres de 2002 obteve uma vantagem patrimonial indevida no que concerne a este imposto, no valor de € 2.720,00€ para o 1º trimestre, 15.390,00€ para o 2º trimestre, 4.628,34€ para o 3º trimestre e 65.080,44€ para o 4º trimestre, donde só no 1º e 4º trimestre aquela vantagem patrimonial ilegítima obtida foi superior a 15.000,00€.

Nos restantes casos como se vê do elenco das vantagens patrimoniais descritas no facto 328) para o IVA e nos factos 333) a 339) para o IRC, a vantagem patrimonial ilegítima obtida com a descrita conduta não alcança aquele montante, excepção feita à arguida W…, Lda. que enquadrada no regime de IVA de periodicidade mensal no mês de Outubro de 2003 apresenta vantagem patrimonial ilegítima de 15.172,45€.

Ora da interpretação sistemática do que se dispõem no artigo 103.º do R.G.I.T, o qual contém a previsão simples da fraude fiscal, como se referiu, haverá que atentar ao n.º 2 do mesmo preceito que estabelece que os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a € 15.000 (redacção dada pela Lei n.º 60-A/2005 de 30 de Dezembro, sendo anteriormente a esta de €7.500); considerando-se nos termos do n.º 3 que, para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.» Do exposto nos citados normativos legais, lidos sistematicamente, conclui-se que presentemente não é criminalmente punível como fraude fiscal a factualidade conducente à obtenção de vantagem ilegítima inferior a €15.000 referida a cada uma das declarações a apresentar, sendo a vantagem patrimonial indevida de que fala o enunciado n.º2, o montante do imposto que o sujeito passivo deixou de pagar por causa da fraude, ou nas palavras de Susana Aires de Sousa, in Os crimes fiscais, Análise Dogmática e Reflexão sobre a legitimidade do Discurso Criminalizador, pag. 88 «a vantagem patrimonial há-de reconduzir-se à prestação tributária em falta». A vantagem patrimonial é, assim, elemento típico para a verificação do crime.

Aos arguidos é, todavia, imputada a prática da forma qualificada da fraude fiscal cuja previsão se encontra elencada no art. 104º, n.º 1, als. a) e e) que dispõem que 1 – os factos previstos no artigo anterior são puníveis com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares e multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas quando se verificar a acumulação de mais de uma das seguintes circunstâncias: al. a) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária; al. e) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiro.

Aqui chegados a questão que se coloca é a de saber se o já enunciado...

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