Acórdão nº 724/12.0YYPRT-A.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Maio de 2014
Magistrado Responsável | GRANJA DA FONSECA |
Data da Resolução | 22 de Maio de 2014 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.
Por apenso à execução que lhe movem AA, S. A., BB, CC e DD, o Banco EE, S. A., deduziu oposição, invocando que o documento de garantia bancária dado à execução não vale como título executivo, por não se tratar de uma garantia autónoma, automática ou “à primeira solicitação", tratando-se apenas de fiança, sem renúncia ao benefício da excussão prévia. Sustenta, ainda, que não são exigíveis os juros de mora reclamados.
Contestaram os exequentes, defendendo tratar-se de garantia autónoma e à “à primeira solicitação", concluindo pela improcedência da oposição.
Conhecendo directamente do mérito da oposição, foi proferido saneador sentença, julgando procedente a oposição por considerar, em síntese, que a garantia dada à execução não constitui uma garantia bancária à primeira solicitação (on first demand) e determinou a extinção da acção executiva.
Inconformados, recorreram os exequentes, tendo o Tribunal da Relação, na procedência da apelação, revogado a sentença recorrida e determinado, em consequência, o prosseguimento da execução.
Inconformado, recorreu agora de revista o EE, formulando as seguintes conclusões: 1ª – O Recorrente entende que a decisão do Tribunal a quo fez incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos dados como provados nos autos, relativamente a três questões essenciais, a saber: a) – A natureza jurídica da garantia bancária que titula a execução; b) – Os pressupostos/condições da "transformação” ou “conversão" da garantia condicional em garantia incondicional; c) – A exequibilidade da garantia bancária que titula a execução.
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- Nos presentes autos, e com relevância para o presente recurso, foi considerado provado o teor dos documentos 1 (Garantia nº 05/021/22611), 2 (Protocolo de Acordo) e 3 (Acórdão da COUR d' APPEL de Bruxelas de 13/01/2011) e respectivas traduções, juntos com o requerimento executivo, transcritos parcialmente no corpo da presente alegação - que aqui se dá por integralmente reproduzida para evitar repetições inúteis -, por se entender imprescindível à resolução das questões suscitadas.
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- Defende-se na decisão sob recurso que a garantia em causa nos autos não é uma garantia automática, mas que a ausência de tal automaticidade não prejudica a sua autonomia ou independência em relação ao contrato base.
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- Com todo o respeito, o recorrente discorda da interpretação efectuada pelo Tribunal a quo.
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- Desde logo, no texto da garantia bancária não é feita qualquer alusão expressa quer a "Fiança", quer, também a "Garantia bancária autónoma", ou à exclusão da invocação de excepções do contrato-base por parte do garante.
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– O Banco recorrente comprometeu-se a pagar aos vendedores / beneficiários, “(…) ao seu pedido por escrito, declarando-se que o nosso cliente não cumpriu as suas obrigações de pagamento de alguns montantes necessários para liquidar os seguintes pagamentos (…)”.
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- Ou seja, o ora recorrente obrigou-se a pagar aos vendedores / beneficiários apenas alguns montantes necessários para regularizar as prestações elencadas no texto da garantia, em conformidade com o Protocolo de Acordo celebrado entre vendedores e compradores.
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- Resulta da primeira parte do texto da garantia que o Banco recorrente prestou uma “garantia condicional” até ao montante de € 192.700, para caucionar uma parte dos pagamentos diferidos, no âmbito de um Protocolo de Acordo celebrado em 30/12/2004, entre a ordenadora e os beneficiários - "em conformidade com o ponto 1.2. do "Protocolo de Acordo" assinado em 30/12/2004 pelo comprador e vendedores".
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- Assim, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a garantia bancária em causa nos autos não é autónoma relativamente ao contrato-base, na medida em que se faz expressa referência à falta de cumprimento das obrigações de pagamento previstas no Protocolo de Acordo (contrato-base): "(...), declarando-se que o nosso cliente não cumpriu as obrigações de pagamento de alguns montantes necessários para liquidar os seguintes pagamentos (...)".
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- "Formulação esta," - nas palavras da decisão proferida em primeira instância - "mais compatível com uma responsabilidade subsidiária e não autónoma, inculcando também que o Banco não prescindiu de controlar, por alguma forma, o incumprimento do mandante" (cfr. fls. 12 da sentença proferida em 1ª instância).
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- Tal ideia de acessoriedade é ainda reforçada do texto da garantia, já que neste não se encontra expressa qualquer declaração de renúncia do Banco à invocação das excepções derivadas do contrato-base.
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- "Transformar esta garantia bancária simples em garantia autónoma - impedindo assim o Banco garante de discutir a relação de base quando nenhuma cláusula de exclusão foi contratada - fazê-Ia equivaler a garantia automática, apesar de não conter cláusula de pagamento à primeira solicitação ou semelhante, é concluir que qualquer garantia, só por ser prestada por um Banco, há-de ser garantia bancária autónoma, à primeira solicitação, é atraiçoar a liberdade contratual (...) (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 16.06.2011, no Proc. 2760/08.1 TBVCD-A.P1 (disponível em www.dgsi.pt/itrp).
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- Acrescenta-se, ainda, no Acórdão citado no número anterior: "Tanto mais que, em caso de dúvida, o negócio de garantia presume-se ser de fiança, em virtude de ser esta o tipo considerado na lei e de em matéria de garantias autónomas valer a interpretação textual, o conteúdo objectivo do acto e não o literal. Isto, se dúvidas houvesse, o que não se nos afigura, ao menos fundamentadas (cfr. Ac. do STJ de 28.09.2006, Proc. 06A2412, a este propósito e que temos vindo a seguir de perto)." 14ª - As garantias autónomas distOOuem-se da fiança pela inexistência de acessoriedade com a relação jurídica principal, “(…) pela completa distinção entre a obrigação principal (contrato identificado na garantia) e a obrigação de garantia, que se mantêm incomunicáveis ao nível das excepções que o garante pode opor ao beneficiário, como obstáculo ao pagamento da quantia garantida" (cfr. fls. 5 e 6 da sentença proferida em 1ª instância).
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– “O objecto da fiança confunde-se com o objecto da dívida afiançada, no sentido de que o fiador tem de pagar o que o afiançado deixou de satisfazer.
O objecto da garantia autónoma é distinto do objecto da obrigação decorrente do contrato-base", razão pela qual “(…) o garante autónomo ou independente, ao contrário do fiador, não é admitido a opor ao beneficiário as excepções de que se pode prevalecer o garantido"(cfr. Acórdão do STJ de 28/09/2006, proferido no processo 06A2412, disponível em www.dgsi.pt jstj.
(sublinhado nosso).
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- Face ao acima exposto e o texto da garantia bancária em causa nos autos, conclui-se -ao contrário da decisão recorrida - pela falta de autonomia da mesma relativamente ao Protocolo de Acordo assinado entre os ora Apelantes e a ordenadora, ou seja, pela existência da aludida acessoriedade, característica própria da fiança.
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- Por fim, a última parte do texto da garantia que titula a execução esclarece definitivamente as eventuais dúvidas sobre a natureza jurídica da mesma: "Esta garantia condicional será convertível em garantia incondicional e ao primeiro pedido, nos termos do ponto 1.2.
do Protocolo acima referido".
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- Para que a garantia condicional prestada pelo Banco fosse convertida em garantia incondicional, os beneficiários teriam que demonstrar que as condições expressamente acordadas no Protocolo de Acordo assinado em 30/12/2004 estavam integralmente cumpridas, o que, como se demonstrará de seguida, não ocorreu, contrariamente ao decidido.
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- Percorridas as várias etapas da análise interpretativa da garantia bancária que titula a execução, conclui-se que não estamos perante uma garantia autónoma e automática – “a garantia poderá ser transformada em garantia autónoma, automática ou à primeira solicitação”.
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- Com todo o respeito pelo entendimento do Tribunal a quo, foi precisamente essa actividade interpretativa que o Tribunal de primeira instância fez de forma exemplar, através de uma análise rigorosa e sistematizada do texto da garantia, partindo do elemento literal que "constitui, assim, o ponto de partida, o fundamento ou suporte basilar e o limite da interpretação, não podendo defender-se um entendimento que não tenha na letra do contrato um mínimo de correspondência verbal", conjugado com os "(...) restantes elementos da hermenêutica jurídica, designadamente o lógico e o teleológico (cfr. fls. 9 da sentença).
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- Por seu turno, para fundamentar o preenchimento das condições previstas no Protocolo de Acordo assinado em 30/12/2004, o Tribunal a quo invoca “(…) a decisão proferida no tribunal de 2ª instância de Bruxelas (...)”.
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- No entanto, como se refere na sentença recorrida, “(…) a decisão proferida pela COUR d'APPEL de Bruxelas (…) que não constitui título executivo contra o Banco Executado, pois este não foi parte na ação em que foi proferida a mencionada decisão - não basta para se poder afirmar (como afirmam os Exequentes) que "a garantia dada à execução, após a sentença proferida nos Tribunais Belgas (…) converteu-se numa garantia incondicional, ao primeiro pedido”.
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- Logo, conclui, "(…) a verificação das condições para a transformação ou conversão da garantia não está documentada no documento em que se baseia a execução, nem em qualquer outro documento com força executiva”.
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- Sustentando-se ainda o Tribunal de 1ª instância na própria decisão do Tribunal de Bruxelas, transcrita parcialmente no corpo da presente alegação, a qual se dá aqui por reproduzida para todos os efeitos - "É a própria decisão que o dá a entender sob a epígrafe "remarques préliminaires" (…) ao referir que (…) ("este tribunal não se pronunciará sobre as consideracões das partes no gue se refere ao prazo previsto no acordo para a conversão pela FF das garantias bancárias em garantias incondicionais") (fls. 14 da sentença, sombreado e sublinhados nossos).
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- A citada decisão não resolveu...
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