Acórdão nº 00075/14.5BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Maio de 2014

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução15 de Maio de 2014
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO O Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro propôs acção para declaração de perda de mandato contra FJ..., Presidente da Junta de Freguesia de V... e Sto.A..., residente … em Sto. A... de V..., e MGJJ..., Secretária da Junta de Freguesia de V... e Sto. A..., residente …, em Sto. A... de V..., peticionando a “perda do actual mandato de FJ... e de MGJJ..., ambos membros do executivo da união da Junta de Freguesia de V... e Sto. A....” Por sentença proferida pelo TAF de Aveiro foi julgada improcedente a acção.

Desta decisão vem interposto recurso pelo Ministério Público.

Em alegação concluiu assim: I - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 14/03/2014, pela Senhora Juiz, em que se julgou improcedente o pedido de declaração de perda de mandato dos RR FJ... e MGJJ..., na qualidade de Presidente e Tesoureira, respectivamente, da Junta de Freguesia de V... e Sto. A....

II – Entendemos, contudo, face à prova produzida, documental e testemunhal, que a Senhora Juiz deveria ter dado como provados todos os factos alegados pelo Ministério Público na p.i.

III - Sucede que, analisada a decisão recorrida não foi dado como provado ter o executivo da Junta de Freguesia, do qual faziam e fazem parte ambos os RR. deliberado verbalmente adjudicarem à V... os fornecimentos de betão e de pavê em causa nos autos sendo que tal factualidade é relevante para a correcta decisão da causa nomeadamente para, em conjugação com outros elementos, concluir pela verificação do elemento subjectivo alegado pelo Autor.

IV - Acresce que, apreciada a fundamentação da decisão recorrida, em termos de matéria de facto, verificamos que a Senhora juiz não deu como provado tal elemento subjectivo de que depende a perda de mandato isto é: -que os demandados tomaram parte nas deliberações supra indicadas em que foram adjudicados da forma descrita os fornecimentos de betão e de pavê à empresa V..., que pertence a PSFJ... o qual é filho do demandado FJ... e cônjuge da demandada MGJJ..., pretendendo claramente que a efectivação das mencionadas adjudicações fossem efectuadas àquela empresa visando, assim, proporcionar-lhe, e a si próprios, uma vantagem patrimonial que sabiam não ser permitida por lei agindo, com claros intuitos de favorecer a empresa do seu filho e cônjuge, respectivamente, criando, assim, um privilégio gerador de desigualdades, violando os princípios do exercício isento, desinteressado e imparcial, próprio dos cargos autárquicos.

V – Logo, o Tribunal a quo incorreu, em erro de julgamento ao não dar como provada aquela factualidade alegada pelo A. e relevante para a apreciação da causa.

VI – O erro de julgamento (ou erro de facto ou erro de direito) ocorre quando o Tribunal decide mal, decide contra lei expressa ou contra os factos apurados, apenas podendo ser sanado por via do recurso.

VII – Tal alteração cabe nos poderes desse Tribunal de recurso, nos termos do art. 662º, do CPC uma vez que as provas produzidas impõem decisão diversa.

VIII – Pelo que o Tribunal Central Administrativo Norte deve alterar a matéria de facto dada por provada na 1ª instância.

IX - Efectivamente, contrariamente ao sustentado na decisão recorrida afigura-se-nos que a conduta dos RR violou princípios e normas legais imperativas que lhes competia respeitar, e, por via disso, incorreram na sanção de perda de mandato.

X - Segundo o art. 266º, 2 da CRP, “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.” XI - A Lei 27/96, de 1 de Agosto, aprovou o Regime Jurídico da Tutela Administrativa.

XII – Segundo decorre do nº 2 do art. 8º referida lei “Incorrem, igualmente, em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos que, no exercício das suas funções, ou por causa delas, intervenham em procedimento administrativo, acto ou contrato de direito público ou privado relativamente ao qual se verifique impedimento legal, visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem.” XIII - Sendo que nos termos do nº 3 da mesma norma legal “Constitui ainda causa de perda de mandato a verificação em momento posterior ao da eleição, de prática, por acção ou omissão, em mandato imediatamente anterior, dos factos referidos na alínea d) do nº 1 e no nº 2 do presente artigo.” XIV – Como decorre do art. 44º, 1, do CPA, estava claramente vedado aos RR. Intervir em qualquer acto ou procedimento administrativo em que tivessem interesse.

XV – Acresce que sendo os RR FJ... e MJ... respectivamente Presidente e Tesoureira da Junta de Freguesia de Sto. A... de V..., impendia sobre eles o especial dever de se absterem de intervirem em processo administrativo, acto ou contrato de direito público ou privado, nem participar na discussão ou votação de assuntos em que tivessem interesse ou intervenção – art. 4º al. B) iv do Estatuto dos Eleitos Locais.

XVI – Ora, dúvidas não há que os RR tomaram parte nas deliberações supra indicadas em que foram adjudicados da forma descrita os fornecimentos de betão e de pavê à empresa V..., que pertence a PSFJ... o qual é filho do demandado FJ... e cônjuge da demandada MGJJ....

XVII - E tiveram o cuidado de não formalizar, isto é, não publicitar tais deliberações uma vez que não foi lavrada acta relativamente a tais assuntos.

XVIII - No caso subjudice, tendo sido deliberado pelo executivo da Junta de Freguesia efectuar adjudicações de fornecimento de matérias à empresa V... cujo sócio gerente é marido da Tesoureira e filho do Presidente da Junta teria de haver um especial cuidado de justificar cuidadosamente o porquê de se adjudicar a essa empresa e não a outra.

XIX – Só assim se poderá garantir a transparência e evitar que comodamente a posteriori se venha alegar, como aconteceu no caso dos autos, que afinal era a empresa que fazia mais barato.

XX - Ora, da conjugação da prova documental com a prova testemunhal, dúvidas não restam, em nosso entender, que foram efectuadas seis adjudicações à empresa pertencente ao filho do demandado e marido da demandada sem que tivesse sido dada a mesma possibilidade a outras empresas que não tivessem qualquer ligação com a Junta de Freguesia.

XXI – Sobre as adjudicações em causa pronunciou-se a testemunha MF... que, na altura, em conjunto com os RR, fazia parte do executivo da Junta de Freguesia e que espontaneamente declarou que decidiram adjudicar os fornecimentos em causa à V... na sequência de uma informação do Sr. Presidente e que não foram pedidos orçamentos a outras empresas.

XXII - Para a decisão a proferir tal depoimento, como aliás todos os restantes, terão de ser analisados de acordo com as regras da experiência, de acordo com o normal acontecer.

XXIII - E nesses termos teremos de concluir que o facto de a empresa V... ter celebrado um contrato com o Município de V... (datado de 18 de Julho de 2011) de aquisição de betão, não foi relevante nem poderia ser, para a efectivação das adjudicações em causa nos autos principalmente porque em causa não está apenas o fornecimento de betão mas também o fornecimento de pavê.

XXIV – E depois porque tal como referiu aquela testemunha, já no mandato anterior – 2005/2009 - em que o demandado FJ... também exerceu as funções de Presidente da Junta de Freguesia, ou seja, muito antes da outorga daquele contrato, o Executivo da Junta deliberou adjudicar o fornecimento de betão à V....

XXV – Finalmente resultando provado que não foram pedidos orçamentos a outras empresas para os fornecimentos dos materiais em causa, não releva o facto de virem agora algumas testemunhas referir que para as aquisições efectuadas pela Junta faziam um apuramento prévio dos preços mais baixos.

XXVI - Não podia, pois, face à prova produzida, interpretada de acordo com as mais elementares regras da experiência comum, deixar de se concluir que foram feitas as adjudicações em causa à empresa V... com a intenção dos RR obterem vantagem patrimonial para si ou para outrem nos termos supra referidos.

XXVII - Em causa está, pois, garantir a isenção e a independência com que os titulares dos órgãos autárquicos devem exercer os seus cargos e, assim, gerir os negócios públicos.

XXVIII - Em, consonância com este entendimento, foi decidido no Ac. do STA de 30/08/2000, proc. 046540: “I – (…) II – É de declarar a perda de mandato se ficou provado que um Presidente da Junta de Freguesia celebrou nesta qualidade com a sua esposa um contrato de prestação de serviços e de fornecimento de bens, tendo recebido as respectivas quantias.” XXIX - Os RR. ao intervirem, por seis vezes, nos procedimentos e deliberações que determinaram a adjudicação dos fornecimentos à empresa do seu filho e marido atribuíram aquele e à própria demandada um benefício que naquele contexto sabiam ser ilícito e violador dos princípios a que manda atender o art. 266º, nº 2 da CRP e art. 4º b)-i),ii),iii) e vi), da Lei 29/87, de 30/06 e que se traduziu nos pagamentos efectuados pela demandada na qualidade de tesoureira.

XXX – Termos em que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que decrete a requerida perda de mandato dos RR.

O Réu contra-alegou, concluindo nestes termos: 1. A sentença proferida nos presentes autos não merece qualquer reparo pois em face da prova documental e testemunhal produzida, inclusive a determinada por iniciativa da Autora, ora Recorrente, e da falta em absoluto de fundamento e prova das considerações, circunstâncias e fatos imputados ao Réu/Recorrido, outra decisão não podia ser que a de ser julgada improcedente a ação interposta de perda de mandato.

  1. Resultando claro que não foi feita prova, nem da existência de dolo direto (artigo 8º, nº 2 da Lei nº 27/96, de 01.08), nem de qualquer ilegalidade grave traduzida na prossecução de fins alheios ao...

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