Acórdão nº 2317/07.4TAAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 30 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelOLGA MAUR
Data da Resolução30 de Abril de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO 1.

Nos presentes autos os arguidos A..., B...e C... foram condenados nas penas de, respetivamente, 10 meses de prisão, substituída por 300 dias de multa à taxa diária de 15 €, 10 meses de prisão, substituída por 300 dias de multa à taxa diária de 15 €, e 5 meses de prisão, substituída por 150 dias de multa à taxa diária de 15 €, pela prática de um crime de recusa de médico, do art. 284º do Código Penal.

O pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante V... foi julgado parcialmente procedente e a responsabilidade no seu ressarcimento foi assim distribuída: - o demandado A... e a empresa K..., Lda, foram condenados solidariamente a pagar ao demandante a quantia de 3600 €; - o demandado B...e a empresa K..., Lda, foram condenados a pagar ao demandante a quantia de 3600 €; - o demandado C... e o Centro Hospitalar X..., EPE, foram condenados solidariamente a pagar ao demandante a quantia de 1800 €, todas acrescidas de juros à taxa legal, vencidos desde a notificação do pedido de indemnização civil, e ainda da sanção pecuniária compulsória à taxa de 5% a partir do trânsito em julgado da decisão.

As demandadas Companhia de Seguros AA..., Companhia de Seguros BB...S.A., e a CC...Seguradora, foram absolvidas do pedido de indemnização.

  1. Inconformados, a demandada K..., o assistente e os arguidos recorreram, concluindo do seguinte modo: A – K...

    a) O tribunal à quo estabeleceu que em causa está assim a responsabilidade, nos termos do art. 500º do C. Civil, isto é a responsabilidade do comitente por actos do comissário.

    b) Estabelece o art. 500º do CC que "aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar".

    c) Acrescentou ainda que, "O termo comissão tem aqui o sentido amplo de serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem (...), pressupõe uma relação de dependência entre o comitente e o comissário, que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este, pois só essa possibilidade de direcção é capaz de justificar a responsabilidade do primeiro pelos actos do segundo (...)" Segue-se a doutrina da Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol.1 Almedina Coimbra, 7ª edição, pags.634 e ss.

    d) Por conseguinte, "no caso, os arguidos foram contratados pela empresa K... para prestarem serviço no Hospital Y de Aveiro, A empresa organizou o turno, determinou o local e horário de trabalho, pagou o que foi estipulado entre a empresa e os arguidos. É assim patente que os arguidos, embora trabalhassem no Hospital Y de Aveiro e usando os meios deste hospital, o faziam sob direcção e orientação da empresa. Como é óbvio fica salvaguardada a independência técnica e cientifica dos médicos (como fica relativamente a qualquer administração hospitalar)".

    e) Considerou que a recorrente e os arguidos estabeleceram um contrato de trabalho.

    f) Estando subjacente a este a subordinação jurídica, conforme se transcreve da sentença "a empresa organizou o turno, determinou o local e horário de trabalho, pagou o que foi estipulado entre a empresa e os arguidos. É assim patente que os arguidos, embora trabalhassem no Hospital Y de Aveiro e usando os meios deste hospital, o faziam sob direcção e orientação da empresa".

    g) Mas, de facto foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a recorrente e os arguidos.

    h) Importa também referenciar que é visível, ao longo da sentença, na parte que respeita à demandada K..., ora recorrente, sistemática e deliberadamente são confundidos os poderes e as competências da recorrente e o hospital.

    i) Relembramos, que caso assim não fosse, o tribunal à quo não teria concluído pela existência de subordinação jurídica entre as partes - recorrente e arguidos, logo a primeira vir a ser demandada e consequentemente ser responsabilizada à luz do disposto no artigo 500.º do CC.

    j) Os turnos, horários e local de trabalho dos arguidos supra aludidos foram de facto estabelecidos pela recorrente.

    k) Contudo, a fixação se encontrava, de facto, sujeita a consenso permanente entre os arguidos e o hospital, tomando-se sempre em consideração, na definição dos mesmos, a disponibilidade horária manifestada pelos arguidos e necessidade dos hospitais, no caso em concreto o de Aveiro.

    l) A existência de tal horário e turnos é imposta pelas necessidades de organização do próprio hospital.

    m) É uma, entre várias, das condições mínimas exigidas para o bom funcionamento dos hospitais.

    n) Nunca a recorrente influiu, por qualquer via, na prestação desenvolvida pelos arguidos.

    o) Até porque, repita-se, estava legalmente impedida de o fazer.

    p) Os arguidos prestavam o resultado da sua actividade de modo absolutamente independente, sem estar integrado na estrutura organizativa da recorrente e sem sujeição a qualquer poder de direcção ou poder disciplinar desta.

    q) Nunca existiu qualquer subordinação dos arguidos à recorrente, pois esta não exercia qualquer autoridade, fiscalização ou interferência na actividade desenvolvida pelos arguidos.

    r) Da recorrente e como oportunamente já foi mencionado apenas recebiam a contrapartida financeira.

    s) Esgotava-se aí a intervenção da recorrente relativamente aos arguidos.

    t) Os arguidos desenvolviam a sua actividade de acordo com o seu saber científico e capacidade, com total autonomia técnica não se encontrando sujeitos às ordens, estrutura hierárquica, fiscalização e autoridade por banda da recorrente.

    u) Com efeito, os arguidos prestavam o resultado da sua actividade de modo absolutamente independente, sem estar integrado na estrutura organizativa da recorrente e sem sujeição a qualquer poder de direcção ou poder disciplinar desta.

    v) Ter seguro profissional é condição sine quo non para a recorrente contratar os prestadores de serviços, estes têm que demonstrar que o seguro está activo.

    w) Aliás, até porque o modelo de contratação estabelecido - prestação de serviços, carece inevitavelmente daquele seguro.

    x) Até porque como são profissionais liberais, tal seguro é obrigatório.

    y) Por forma, a que se ocorrer alguma eventualidade, tal como ocorreu, o seguro deverá ser accionado, z) E por seu turno a seguradora vir a ser demandada, e consequentemente responsabilizada, e não como já oportunamente foi explanado a recorrente.

    a

    a) Em suma: afastamos a conclusão emanada pelo tribunal à quo, no que respeita ao preenchimento dos pressupostos para a existência de um contrato de trabalho.

    bb) E consequentemente, subjacente ao contrato de trabalho a existência de uma relação entre as partes - recorrente e arguidos de comitente comissário conforme o disposto no artigo 500.º do Código Civil

    .

    B – V...

    1 - O recorrente considera incorrectamente julgado o quatum indemnizatório fixado pelo tribunal a quo na douta sentença em recurso, porquanto a prova produzida em julgamento, pertinente aos factos, correctamente apreendida, apreciada e valorada justifica uma decisão diversa da recorrida.

    2 - O recorrente, discorda da comparação que é feita sobre a indemnização que o assistente recebeu pelos danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes de um acidente de viação e a indemnização que lhe é devida pelos danos não patrimoniais resultantes da conduta levada a cabo pelos arguidos e que foi objecto deste processo, sendo vários os motivos:

    a) Não tem o tribunal ad quo quaisquer elementos que lhe permitam aferir da razoabilidade ou não do valor que o recorrente recebeu na sequência dos danos emergentes do acidente de viação em que se viu envolvido, não sendo este um critério equitativo, violando desta feita o artigo 496.º e 494.º do Código Civil.

    b) Não pode o tribunal estabelecer um termo de comparação entre o montante global peticionado pelo assistente, uma vez que não estamos perante responsabilidade solidária e para além disso, o que foi peticionado foi o montante de €30 000,00 a cada arguido pela responsabilidade que foi assacada a cada um deles.

    c) A indemnização resultante da conduta ilícita dos arguidos não pode nunca ser confundida, nem comparada com a circunstância que motivou a entrada do assistente no hospital, até porque esta poderia no campo das hipóteses nunca gerar responsabilidade civil.

    4 - Manda a lei que na fixação do montante de indemnização por danos não patrimoniais se deve atender e proceder segundo a equidade, ou seja, o tribunal ao definir o montante da indemnização, não o pode tomar tão escasso que seja objectivamente irrelevante, nem tão elevado que possa significar um enriquecimento injustificado e ainda que devem ser indemnizados os danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.

    5 - A este propósito refere a sentença que "poucos ou nenhuns valores serão superiores aos valores da vida e da saúde e poucos ou nenhuns medos serão superiores ao medo de os perder." 6 - Ficou ainda provado que “durante as onze horas que esperou pela cirurgia o ofendido sentiu muitas dores, sofrimento, incerteza e angústia, causadas pela ausência de cuidados médicos. Sentiu-se abandonado, sem vislumbrar o alcance dos cuidados q deveria receber, não sendo informado sobre a sua situação ou tratamentos a adoptar”.

    7 - Atendendo aos factos considerados provados e à motivação referida no texto da douta sentença de que se recorre, não soube o tribunal à quo atender devidamente ao critério que deve nortear a fixação da indemnização por danos não patrimoniais, ou seja, ao princípio da equidade.

    8 - Não logrou o tribunal à quo salvaguardar a natureza mista da reparação, pois para além do ressarcimento dos danos pressupõe-se também assegurar a vertente punitiva. Ou seja, o valor fixado para a indemnização não pode ser uma quantia insignificante que não cause sequer um transtorno a quem a ela está obrigado, o que acontece in casu, atenta à situação económica desafogada dos arguidos.

    9 - Naturalmente, que para considerar a vertente punitiva...

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