Acórdão nº 55/08.0TTVNG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução10 de Abril de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 16 de Janeiro de 2008, no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, 2.º Juízo, AA instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra R. T. P. – Rádio Televisão de Portugal, S. A., pedindo que esta fosse condenada (a) a reconhecer a existência de um contrato de trabalho com ela celebrado, (b) a integrá-la nos seus quadros como produtora de nível de desenvolvimento 1B, (c) a pagar-lhe € 4.754,84 de diferenças salariais e € 24.667,10, respeitantes a férias não gozadas, subsídios de férias e de Natal não pagos, acrescidos de juros moratórios à taxa anual de 4% desde a citação, bem como (d) a pagar-lhe € 5.000, por danos não patrimoniais, para além das remunerações vincendas.

Alegou, em suma, que esteve ao serviço da ré, desde 2003, exercendo funções de produção, sobretudo nos programas «P...» e, após 2007, «P...», e que apesar da ré sempre lhe ter dado a assinar contratos denominados de prestação de serviço, pago um valor por cada dia de trabalho e exigido recibos verdes, o certo é, porém, que trabalhava sob as ordens de responsáveis da empresa, em locais e horários estipulados por esta e não inferiores a 8 horas por dia e 40 horas por semana, com equipamentos da mesma, de modo idêntico ao dos trabalhadores do quadro de pessoal, pelo que o contrato existente entre as partes devia ser qualificado como de trabalho, reconhecendo-lhe o direito à categoria, vencimento, férias, subsídios de férias e de Natal, conforme o peticionado.

A ré contestou, por excepção e por impugnação, tendo alegado que entre as partes existiu um contrato de prestação de serviço, na medida em que a autora se limitava a dar assistência à produção de certos programas, ora de emissão diária, ora ocasional, que a sua intervenção terminava com o fim do programa para que era convocada, que os honorários eram por dia de trabalho, que se limitava a indicar à autora os objectivos que pretendia, deixando-a livre quanto à forma de execução, que não havia controlo de assiduidade, que entre cada contrato havia intervalos de dias (2 a 15) e que a autora gozou dias de descanso em número não inferior àquele conferido aos seus trabalhadores efectivos, pelo que esta apenas tem direito aos honorários, que já lhe foram pagos, não lhe sendo aplicável o Acordo de Empresa.

A autora respondeu.

Após a prolação do despacho saneador, em que foi dispensada a condensação do processo, a ré apresentou um articulado superveniente, invocando que tendo o contrato terminado em 29 de Junho de 2009 e para a hipótese de se entender que tal contrato é de trabalho e que a autora foi ilicitamente despedida, então verificar-se-ia a prescrição dos correspondentes créditos, nos termos estatuídos no n.º 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho de 2009.

A autora respondeu, alegando a inadmissibilidade daquele articulado, mas o certo é que o mesmo foi admitido, sendo remetido para discussão, em audiência de julgamento, o seguinte facto: «No dia 19 de Junho de 2009, a ré comunicou à autora que “uma vez terminado o programa P... e por indicações superiores se irá proceder a uma redução de colaboradores para o projecto das manhãs — V... —, razão pela qual se prescinde da colaboração de V.ª Ex.ª a partir do dia 29 de Junho de 2009” — cfr. documento entregue à A. junto a fls. 606 e que aqui se dá por inteiramente reproduzido».

Em 8 de Abril de 2011, a autora deduziu articulado superveniente, alegando pretender a ampliação do pedido e da causa de pedir, tendo formulado os seguintes pedidos: a) declaração de ilicitude do seu despedimento, por não ter sido precedido do respectivo procedimento, com as legais consequências, nos termos do artigo 381.º, alínea c), do Código do Trabalho de 2009; b) reintegração no posto de trabalho, nos termos dos artigos 331.º, n.º 4, e 389.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho de 2009; c) indemnização pela ré, em relação às quantias que deixou de auferir, designadamente o valor do salário correspondente à categoria profissional de produtora de Nível de Desenvolvimento 1 B, com as sucessivas atualizações e até trânsito em julgado da decisão do tribunal, nos termos do artigo 390.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009, cujo cômputo global relegou para posterior liquidação.

A ré respondeu, alegando que aquele articulado era inadmissível, por ser extemporâneo e, sem prescindir, considerou que a ser qualificável como de trabalho o contrato invocado e como despedimento a cessação do mesmo, os direitos daí derivados encontravam-se prescritos, conforme defendido no seu anterior articulado, sendo certo que tal articulado foi admitido, na sua totalidade.

Entretanto, a autora reduziu o pedido correspondente à categoria de produtora para o correspondente à categoria de assistente de programas, redução a que a ré não se opôs e que foi deferida pelo tribunal.

Realizado julgamento, exarou-se sentença, que condenou a ré (i) a reconhecer a autora como sua trabalhadora subordinada no âmbito de um contrato de trabalho efectivo, com início em 25 de Janeiro de 2003, (ii) a reconhecer a ilicitude do despedimento da autora, em 29 de Junho de 2009, (iii) a reintegrar a autora nos seus quadros, como assistente de programas, no nível de desenvolvimento I B, e com a retribuição correspondente a essa categoria e nível no Acordo de Empresa, (iv) a pagar à autora as retribuições mensais, retribuições de férias e subsídios de férias e de Natal, correspondentes a essa categoria e nível vencidos desde a propositura da acção (em Janeiro de 2008) e vincendos até à efectiva reintegração, descontadas as quantias que já tenham sido pagas a título de honorários por prestação de serviços desde a propositura da acção até ao despedimento em Junho de 2009, tudo a liquidar em execução de sentença, (v) a pagar à autora a quantia global de 17.741,56 euros, por férias, subsídios de férias e de Natal já vencidos até à propositura da acção, (vi) a pagar à autora uma indemnização de 2.000 euros, por danos não patrimoniais, e (vii) a pagar, sobre as quantias já vencidas e líquidas, juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

  1. Inconformada, a ré apelou para o Tribunal da Relação do Porto, que julgou o recurso de apelação parcialmente procedente e revogou a decisão recorrida, tendo-a substituído por acórdão, posteriormente rectificado a requerimento da ré, no qual se deliberou, «quanto ao despedimento ilícito, tudo se passa como se a ação não tivesse sido intentada, como efetivamente aconteceu, surgindo o articulado superveniente decorrido mais de um ano sobre a data do despedimento, o que determina a prescrição dos direitos respetivos, atento o disposto no Art.º 337.º, n.º 1 do CT2009, a saber: a reintegração na empresa, as retribuições vencidas desde o despedimento e os danos não patrimoniais derivados do mesmo despedimento». E, assim, condenou a ré a pagar à autora, (i) «as quantias que esta deixou de auferir, designadamente o valor do salário correspondente à categoria profissional de assistente de programas de nível de desenvolvimento 1 B, com as sucessivas atualizações, até 2009-06-29, cujo cômputo global se relega para oportuna liquidação» e (ii) «a quantia de € 1.000,00, a título de compensação por danos não patrimoniais».

    É contra esta deliberação que a autora agora se insurge, mediante recurso de revista, em que alinha as conclusões seguintes, explicitadas na sequência de convite que lhe foi dirigido para sintetizar as conclusões produzidas na alegação do recurso: «I – A douta decisão recorrida na parte em que julgou verificada a excepção de prescrição dos direitos da Recorrente quanto à reintegração na Recorrida, às retribuições vencidas desde o despedimento e aos danos não patrimoniais derivados do mesmo despedimento não deve manter-se pois consubstancia uma solução que não consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso em apreço das normas legais e princípios jurídicos competentes.

    II – Verifica-se erro na determinação da lei aplicável, pois o Tribunal recorrido não deveria ter enquadrado a situação em apreço ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 337.º do Código de Trabalho de 2009.

    III – A aplicação da figura da prescrição não tem cabimento no caso vertente, devendo, pelo contrário, ser a mesma enquadrada ao abrigo da figura da caducidade.

    IV – A revogação do artigo 435.º do Cód. Trabalho de 2003 (Lei 99/2003), e a entrada em vigor do artigo 387.º n.º 2 do Cód. Trabalho de 2009 só produziram efeitos a partir da entrada de início da vigência da legislação que procedeu à revisão do Código de Processo do Trabalho — cfr. artigos 12.º n.º 5 e 14.º da Lei 7/2009.

    V – À data em que foi publicada a Lei 7/2009 (12 de Fevereiro de 2009) vigorava o Código de Processo do Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei 489/99, com a redacção dada pelas alterações introduzidas pelos Decreto-Lei 323/2001 e Decreto-Lei 38/2003.

    VI – Só com o Decreto-Lei 295/2009, de 13 de Outubro é que foi efectuada a mencionada revisão do Código de Processo do Trabalho, o qual entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2010 — vd. artigo 9.º n.º 1 do DL 295/2009.

    VII – Seguindo o raciocínio consagrado no douto acórdão recorrido — o que se concede por cautela de patrocínio, como analisaremos adiante — que o prazo que a Autora dispunha para intentar a acção de impugnação do despedimento se iniciou no dia 29 de Junho de 2009, nessa data vigorava ainda a norma consagrada no artigo 435.º n.º 2 do Cód. Trabalho de 2003.

    VIII – Convoca-se a norma transitória constante da alínea b) do n.º 5 do artigo 7.º da Lei 7/2009 que dispõe que os prazos de prescrição e caducidade são regidos pela lei que vigorava no momento em que a situação se constituiu.

    IX – Não tem cabimento, no caso vertente, a aplicação da figura da prescrição, devendo a decisão recorrida ser revogada por errada aplicação da norma constante no artigo 337.º n.º 1 do Cód. Trabalho, pelo que a situação em apreço...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT