Acórdão nº 2/11.1GDCNT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelALCINA DA COSTA RIBEIRO
Data da Resolução09 de Abril de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO 1 - Em processo comum e com intervenção do tribunal colectivo, o Ministério Público deduziu acusação contra A...

, divorciado, trabalhador indiferenciado, nascido em 11 de Fevereiro de 1972, filho de (...) e de (...), natural de (...), e residente na Rua (...), imputando-lhe a autoria material, e em concurso real, de 208 crimes de violação agravada, p. e p. nos termos conjugados dos art.s 164º, n.º 1 e 177º, n.º 5, ambos do Código Penal, 25 crimes de violação agravada, p. e p. nos termos conjugados dos art.s 164º, n.º 1 e 177º/n.º 6 e um crime de sequestro, p. e p. no art. 158º, n.º 1, do Código Penal.

2 – O Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E. (melhor identificado nos autos) deduziu pedido de reembolso contra o arguido, por via do qual impetrou a condenação deste no pagamento da quantia de € 147, acrescida de juros moratórios à taxa legal, a partir da notificação até efectivo e integral pagamento, devido à assistência prestada à queixosa B... em consequência da actuação do arguido.

3 - Por seu turno, C...

, em representação legal da sua filha menor B... (todos melhor identificados nos autos), deduziu pedido de indemnização cível impetrando a condenação do arguido no pagamento da quantia total de € 1.500.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a notificação até efectivo e integral pagamento, a título de compensação pelos diversos danos não patrimoniais sofridos em consequência da conduta de tal arguido, consubstanciadora dos crimes de que o mesmo é acusado pelo Ministério Público.

4 - Realizada a audiência de discussão e julgamento, veio a acusação ser julgada parcialmente procedente, por provada, e em consequência, decidiu-se:

  1. Condenar o arguido A..., como autor material de 104 (cento e quatro) crimes de violação agravada, p. e p. nos art.s 164º/n.º 1-a) e 177º/n.º 6, ambos C.P., na pena de 5 (cinco) anos de prisão por cada um desses crimes; b) Condenar o arguido A..., como autor material de 12 (doze) crimes de violação agravada, p. e p. nos art.s 164º/n.º 1-a) e 177º/n.º 5, ambos C.P., na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão por cada um desses crimes; c) Condenar o arguido A..., como autor material de um crime de sequestro, p. e p. no art. 158º/n.º 1 C.P., na pena de 9 (nove) meses de prisão; d) Operando-se o cúmulo jurídico pertinente, de acordo com os critérios dos art.s 30º/n.º 1 e 77º/nºs 1 e 2 C.P. (tomando-se em conta, em conjunto, os factos e a personalidade revelada pelo mesmo), condenar o arguido A... na pena única de 9 (nove) anos de prisão.

    5 – No que toca aos pedidos cíveis, decidiu o tribunal de primeira instância:

  2. Julgar o pedido cível formulado pela demandante, B..., representada pelo seu pai C..., parcialmente provado e procedente, condenando o demandado A... a pagar àquela demandante a quantia de € 70.000 (setenta mil euros), acrescida de juros, à taxa legal, contados da presente decisão até efectivo e integral pagamento, absolvendo o demandado do demais contra si peticionado.

  3. Julgar o pedido cível de reembolso formulado pelo demandante Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E. provado e procedente, condenando o demandado A... a pagar àquele demandante a quantia de € 147 (cento e quarenta e sete euros), acrescida de juros, à taxa legal, contados da notificação do pedido ao demandado até efectivo e integral pagamento.

    6 - Inconformado com estas condenações, delas recorre o arguido, formulando as Conclusões que, a seguir, se sintetizam: 1ª – O Acórdão de que ora se recorre formou a sua convicção no depoimento da menor B..., os quais não forma coerentes nem verosímeis.

    1. – Existem inúmeras imprecisões e falta de rigor na descrição dos factos, sendo na sua generalidade vagos e inconsistentes.

    2. – A menor ao ser inquirida não responde com convicção ao que lhe é perguntado, sendo muitas das suas respostas simplesmente “sim” e “não”, não contando por sua iniciativa e de forma continuada qualquer descrição dos factos, o que põe em causa a autenticidade dos depoimentos.

    3. – Não é credível que a ofendida não se recorde sobre a data do início concreto em que alega ter sido vitima dos abusos, nomeadamente, a hora, ou a altura do dia, não precisando se foi de manhã, à tarde ou à noite, e, ainda em que ano tal começou a ocorrer e que idade tinha.

    4. – Além das declarações da menor sobre os factos dados como provados nos nºs 4 a 26, não há outras testemunhas a comprová-los.

    5. – As testemunhas ouvidas sobre tal matéria, limitaram-se, algumas delas, a dizer que suspeitavam, ou desconfiavam, sem que dessem uma justificação plausível para tais suspeitas.

    6. – Existindo, assim, uma nítida contradição nos seus depoimentos, uma dizendo que tais suspeitas se baseavam pelo seu “ar triste” e outras dizendo que não suspeitaram de nada, face ao comportamento alegre da menor.

    7. – Estes depoimentos contraditórios devem ser valorados de igual forma.

    8. – A menor referiu que, quando o Recorrente a obrigava a ter relações sexuais, gritava e chorava muito, fazendo-o quando a sua tia-avó estava em casa.

    9. – Esta tia-avó declarou nunca ter ouvido gritos nem choros.

    10. – Não tendo sido provada a surdez desta testemunha, a única conclusão a tirar é de que não houve gritos.

    11. – A menor diz que só contou o sucedido a uma única amiga, D...

      .

    12. – Esta amiga não foi ouvida no processo, quando o devia ter sido.

    13. – Relativamente ao episódio de 3 de Janeiro de 2011, além das declarações prestadas pela menor, nenhuma prova foi feita, quer nos autos, quer no julgamento, sobre a veracidade de tal depoimento.

    14. – O depoimento da jovem mostra-se absurdo, se comparado com a carta que, um mês antes, aquela tinha enviado ao professor W..., acusando o arguido de a ter agredido por uma ou duas vezes, devido a um namorico que ela tinha na internet, com o qual a sua mãe não estava de acordo.

    15. – É estranho que, sentindo medo do agressor, tenha tido a coragem de escrever tal carta.

    16. – As testemunhas ouvidas sobre tal episódio nada provaram, quanto ao declarado pela menor, pois o depoimento de S...

      é mais que confuso e contraditório e o segundo nada sabe e nada lhe foi referido pela menor.

    17. – Deveria ter sido valorado o depoimento prestado pelo arguido.

    18. - Donde os factos sob os nºs 17º a 21º, foram indevidamente julgados como provados.

    19. - Os factos provados sob os nºs 4º a 26º não têm qualquer sustentação face aos depoimentos e declarações atrás referidos.

    20. - O exame pericial realizado em 5 de Janeiro de 2011, é inconclusivo sobre a violação da vítima.

    21. – A prova produzida nos presentes autos impunha ao tribunal recorrido uma decisão diferente, considerando que o Recorrente não praticou os factos que lhe foram imputados na acusação e sentença, devendo, por isso ser absolvido.

    22. – A fundamentação do Acórdão recorrido não assenta em quaisquer factos que possam ser considerados provados.

    23. – A condenação do arguido é consequência de uma construção, aparentemente lógica-dedutiva, completamente desfasada e inclusive contrária à realidade.

    24. – Mas, mesmo que o arguido tivesse praticado tais factos, deveria o arguido ter sido condenado por único crime continuado – de violação agravada – e não em 116 crimes em concurso efectivo.

    25. – Das declarações da menor, não resulta, no que toca à quantidade, número, donde se possa concluir, que existiram 116 violações.

      27º - As penas parcelares e pena única mostram-se excessivas, devendo esta última, situar-se nos 5 anos de prisão, suspensa na sua execução.

      7 – O Ministério na primeira instância, apresentou a sua resposta, como consta a fls. 1101 a 1111, concluindo: 1ª Ao dar-se como provado que, pelo menos, uma vez por semana, durante o período compreendido entre Dezembro de 2007 e inícios de 2010, o arguido mantinha relações de cópula completa, com fricção repetida e ejaculação dentro da vagina da menor, mantendo-se o hímen da menor intacto, não obstante isso, constituiu-se o acórdão em erro notório na apreciação da prova, que resulta do texto da própria decisão recorrida [art. 410º, nº 2, al. c) do Código de Processo Penal].

    26. – Na verdade, os próprios peritos referem na conjugação do relatório médico-legal com as suas declarações já transcritas prestadas em audiência de julgamento, que a complacência do hímen não se coaduna com relações de cópula tão frequentes como as provadas com um adulto.

    27. – Aliás, um aspecto que retrata ainda com maior acuidade esse erro notório na apreciação da prova resulta do facto de em casos de relações sexuais apressadas, em que a lubrificação não é a ideal, é mais fácil o rompimento do hímen, película dérmica presente na entrada da vagina.

    28. – Ora, tendo-se dado como provadas, pelos menos 104 relações de cópula completa com ejaculação até a menor completar 14 anos de idade, relações não consentidas, em circunstâncias de “stress” físico, uma vez que não consentidas, acompanhadas por vezes de agressões, não se vê como compatibilizar isto com a integridade do hímen.

    29. – Assim e na impossibilidade de quantificar as vezes em que ocorreu cópula através da introdução do pénis ou de parte do mesmo, na vagina da menor, e não se provando outro tipo de introdução, não resta senão concluir pela obrigatoriedade de aplicar aqui a interpretação mais favorável ao arguido, ou seja, dar como provado que o arguido penetrou totalmente a menor uma única vez, ejaculando no seu interior, e, quanto às demais vezes, provando apenas que se despia, apalpava os seios da menor e o seu corpo e se colocava em cima dela, estando esta nua, e ainda que o pénis contactava com a vagina da menor, mesmo sem que se prove a penetração parcial ou total.

    30. - E, quanto à ejaculação, na falta de descrição de ejaculação exterior, não resta senão circunscrever a prova da mesma a uma única vez, a da penetração.

    31. – Em função disto, ter-se-á de alterar a qualificação jurídica, provando-se a autoria material, sob a forma consumada e em concurso efectivo real...

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