Acórdão nº 3330/13.8TBLRA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 01 de Abril de 2014

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução01 de Abril de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

J… e cônjuge, M…, instauraram, no 5º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, processo especial de revitalização com a finalidade de estabelecer negociações com os seus credores e concluir, com estes, um acordo conducente à sua revitalização.

Os requerentes relacionaram, como únicos bens, a casa de habitação e um veículo automóvel, com reserva de propriedade, cujo valor estimaram em € 70.000,00 e € 7.500,00, respectivamente.

Na lista – definitiva – de créditos, foram reconhecidos, entre outros, como comuns, os créditos de A…, de B…, de C… e, como garantidos por hipotecas, proveniente da concessão de crédito para aquisição de habitação, o do Banco D…, nos valores de € 19.787,90, € 2.846,43, € 2.500,00 e € 84.425,23 correspondentes a 15,8%, 2,3%, 2% e 67,6% dos votos, respectivamente.

O plano de recuperação propôs o pagamento de 30% dos créditos comuns em 96 prestações mensais e no tocante ao único crédito garantido – o do Banco D… – o pagamento de 100% do montante reclamado, com a manutenção do prazo e condições contratadas (spread + Euribor) e a capitalização dos montantes em mora, com manutenção do prazo e condições contratadas (spread + Euribor).

O plano foi votado, por escrito, a favor, pelos credores Banco D…, SA e C…, e contra, por A… , tendo obtido 83,69% de votos favoráveis e 16,31% de votos desfavoráveis.

O plano foi homologado por decisão de 9 de Dezembro de 2013.

É justamente esta decisão que o credor A…, impugna através do recurso ordinário de apelação – a que o credor B…aderiu – no qual pede a sua revogação.

O recorrente rematou a sua alegação com estas conclusões: … Não foi oferecida resposta.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    Os factos que relevam para o conhecimento do objecto – relativos à votação e ao conteúdo do plano de recuperação – são os que o relatório documenta.

  2. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso Como o âmbito objectivo do recurso é recortado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, pelo requerimento de interposição pelas conclusões e pelas conclusões que o impugnante extrai da sua alegação, a questão controversa que esta Relação é chamada a resolver – tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e da alegação do recorrente - é a de saber se a decisão que homologou o plano de recuperação dos devedores deve ser revogada e, consequentemente, se deve recusar-se a homologação desse mesmo plano (artºs 635 nºs 2, 1ª parte, 3 e 4 do NCPC).

    A resolução deste problema vincula à ponderação, leve mas minimamente estruturada, do princípio da igualdade dos credores e das normas reguladoras da deliberação dos credores de aprovação do plano de recuperação.

    3.2.

    Princípio da igualdade dos credores.

    O processo de insolvência é uma execução colectiva ou universal (artº 1 nº 1 do CIRE).

    Na acção executiva promove-se, em geral, a realização coactiva de uma única prestação contra um único devedor e, em observância de um princípio de proporcionalidade, apenas são penhorados e excutidos os bens do devedor que sejam suficientes para liquidar a dívida exequenda (artºs 828 nº 5, 833 nº 1 e 832 nº 1 a) do CPC de 1961 e 735 nº 3 e 813 nº 1 do NCPC). Esta execução distingue-se do processo de insolvência que é uma execução universal, tanto porque nela intervêm todos os credores do insolvente, como porque nele é atingido, em princípio, todo o património deste devedor (artºs 1, 47 nºs 1 a 3, 128 nºs 1 e 3 e 149 nºs 1 e 2 do CIRE).

    Como o devedor se encontra em situação de insolvência, quer dizer, impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, todos os credores, podem reclamar os seus créditos e todo o património do devedor responde pelas suas dívidas (artº 3 nº 1 do CIRE).

    Na execução singular, um credor pretende ver satisfeito o seu direito a uma prestação; esse credor necessita de uma legitimação formal, que é um título executivo e se o devedor for solvente obtém na acção executiva a satisfação do seu crédito (artºs 45 nº 1 e 55 nº 1 do CPC de 1961 e 53 nº 1 do NCPC).

    No processo de insolvência podem apresentar-se todos os credores do insolvente, ainda que não possuam qualquer título executivo, porque todos eles podem concorrer ao pagamento rateado do seu crédito, através do produto apurado na venda de todos os bens arrolados para a massa insolvente.

    O processo de insolvência baseia-se na impossibilidade de o devedor saldar todas as suas dívidas e, portanto, orienta-se por um princípio de distribuição de perdas entre os credores.

    Admite-se, por isso, a par das reclamações preferenciais, a reclamação dos créditos comuns.

    Abstraindo de soluções intermédias, a posição relativa recíproca dos credores em processos concursais, pode organizar-se de harmonia com dois sistemas: um deles fundamenta-se no princípio da prioridade e expressa-se na máxima prior tempore, prior iure, dado que atribui ao credor que primeiro obteve a penhora ou acto equivalente de bens do devedor uma preferência em relação aos demais credores que não sejam titulares de quaisquer garantias reais sobre esses mesmos bens; outro sistema possível é o da igualdade ou da par conditio (omnium) creditorum, que não concede ao exequente qualquer preferência resultante da penhora em relação aos demais credores comuns do executado[1].

    Todavia, a diferença entre o sistema da par conditio creditorum e o sistema da prioridade não corresponde, verdadeiramente, a qualquer contraposição entre igualdade e a desigualdade dos credores. Qualquer dos sistemas baseia-se num pressuposto de igualdade entre os credores: o que é diferente è a igualdade que está subjacente a qualquer dos sistemas. No sistema da par conditio, a igualdade manifesta-se na possibilidade de qualquer credor impedir a satisfação integral dos créditos dos outros credores; no sistema da prioridade, a igualdade manifesta-se na possibilidade de qualquer credor conseguir a satisfação integral do seu crédito. Um sistema prejudica, de forma igual, todos os credores; o outro pode beneficiar, também de forma igual, qualquer credor[2].

    Seja como for, à igualdade dos credores na admissão ao concurso não o corresponde necessariamente uma igualdade na satisfação dos créditos reclamados, em razão de uma diferente ponderação pelo legislador dos interesses da generalidade dos credores e, designadamente, dos titulares de direitos preferenciais de pagamento.

    Os créditos sobre a insolvência separam-se em três classes: os créditos garantidos e privilegiados – que são os que beneficiam, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente; os créditos subordinados; os créditos comuns, que são nitidamente a categoria residual (artº 47 nºs 1, 2 e 4 a) a c) do CIRE).

    A esta tríade de créditos sobre a insolvência corresponde, naturalmente, uma homótropa tríade de credores sobre a insolvência.

    Os créditos subordinados – categoria inovatoriamente introduzida pelo CIRE – recebem da lei um nítido tratamento de desfavor, de que o exemplo mais acabado é a circunstância de independentemente da sua fonte, serem graduados e, portanto, satisfeitos, depois de todos os restantes créditos sobre a insolvência (artº 48, corpo, 2ª parte, e 177 nº 1 do CIRE).

    Outro ponto é que é visível o tratamento de desfavor dos créditos subordinados diz respeito ao direito de voto: os créditos subordinados não conferem direito de voto, excepto se a deliberação tiver por objecto a aprovação de um plano de insolvência (artº 77 nº 3 do CIRE). A solução compreende-se em vista do drástico efeito que, na ausência de estatuição expressa constante do plano de insolvência, decorre para os créditos subordinados da sua aprovação: o perdão total dos créditos dessa classe (artº 197 b) do CIRE).

    Na insolvência, os créditos são satisfeitos de harmonia com o princípio da satisfação integral sucessiva, i.e., segundo a ordem da sua graduação, regra de que decorre esta consequência: um crédito só pode ser pago depois de o crédito anteriormente graduado se encontrar totalmente solvido (artº 173 do CIRE e 604 nº 1, 1ª parte, do Código Civil). Assim, mesmo que o produto obtido com a venda dos bens apreendidos para a massa seja insuficiente para satisfazer...

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