Acórdão nº 61/10.4IDCBR.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução26 de Março de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: A) No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 61/10.4IDCBR que corre termos no Tribunal Judicial da Figueira da Foz, 1º Juízo, em 30/8/2013, foi proferida Sentença, cujo DISPOSITIVO é o seguinte: “Por todo o exposto, o Tribunal julga a acusação provada e procedente e, consequentemente: a) Condena o arguido A...

como autor material de um crime de Fraude Fiscal, previsto e punido pelos artigos 6.º, n.º 1, 7.º, n.º 3 e 103.º do Regime Geral das Infracções Tributárias na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; b) Suspende a pena de prisão em que o arguido A... vai condenado pelo período de 1 anos e 6 meses sob condição de o arguido proceder ao pagamento à Administração Tributária do valor de € 16.233,69 e acréscimos legais no mesmo lapso temporal em conformidade com o disposto no artigo 50.º do Código Penal e 14.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, o que deverá comprovar nos autos; c) Condena a arguida B..., Lda., como autora de um crime de Fraude Fiscal, previsto e punido pelo artigo 7.º, n.º 1 e 103.º do Regime Geral das Infracções Tributárias na pena de 200 dias à taxa diária de € 7,50; d) Condenam-se os arguidos nas custas do processo em conformidade com o disposto no artigo 513.º do Código de Processo Penal, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC – n.º 5 do artigo 8.º e Tabela III constante do Regulamento das Custas Processuais; e) Ordena a remessa, após trânsito, de boletim ao registo criminal; Proceda-se ao depósito desta sentença nos termos do disposto no artigo 372º n.º 5 do Código de Processo Penal.” **** B) Inconformado com a decisão recorrida, dela recorreu, em 20/9/2013, o arguido A..., pedindo: 1) a declaração de nulidade da sentença por violação do princípio da equidade e da proporcionalidade; 2) se assim se não entender, a nulidade da sentença recorrida; 3) caso ainda assim se não entenda, a sua absolvição; 4) se nenhum dos anteriores pedidos formulados for atendido, a condenação em pena de multa, extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1. (…).

2. (…).

3. (…).

4. (…).

5. (…).

6. (…).

7. (…).

8. (…).

9. (…).

10. O Meritíssimo Juiz não ponderou a capacidade do Arguido em pagar a quantia condicionante da suspensão da execução da pena de prisão.

11. Conforme ficou provado em audiência de julgamento, o Recorrente não tem meios económicos para proceder ao pagamento da quantia de € 16.233,69, visto que o mesmo se encontra desempregado, não auferindo quaisquer rendimentos, bem como não possui nenhum bem móvel ou imóvel em seu nome.

12. O Meritíssimo Juiz, ao decidir como decidiu, nomeadamente, a suspensão da pena de prisão pelo período de 1 ano e 6 meses, mediante a condição de proceder ao pagamento do valor de € 16.233,69, no mesmo período, é o mesmo que empurrar o Recorrente para a prisão.

13. Se o Recorrente tivesse possibilidades de proceder ao pagamento de tal quantia já o teria feito.

14. O recorrente apenas recusou prestar trabalho a favor da comunidade, em virtude de ser uma pessoa doente crónica, estando o mesmo em processo de pedido de reforma por invalidez – vide depoimento prestado em sede de julgamento.

15. O Recorrente não aceitou prestar trabalho a favor da comunidade, não por não querer, mas apenas por não poder, em virtude dos seus problemas de saúde.

16. Deve ser a Sentença recorrida revogada, com todas as consequências legais, o que, desde já, e aqui se requer.

17. A pena concreta aplicada de 1 ano e 6 meses, apesar de suspensa na sua execução pelo mesmo prazo, na condição de o Recorrente pagar à Administração Tributária o valor de € 16.233,69, é injusta.

18. Quer a pena aplicada quer a condição imposta são excessivas, de cumprimento inviável e, portanto, violadoras da lei.

19. Face à situação económica do Recorrente, nomeadamente, da situação de desemprego, vivendo apenas com a pensão de viuvez da sua sogra, no valor de € 280,00, bem como o seu estado de saúde, nunca virá este a conseguir reunir os meios necessários para pagar o montante a que se encontra subordinada a condição de suspensão da execução da pena privativa da liberdade a que foi condenado.

20. O previsível incumprimento da condição imposta não advém de opção própria do Recorrente mas, antes, de impossibilidade de facto em consequência da sua insuficiência económica como impeditiva e, até por razões conjunturais, alheias à sua vontade.

21. O Tribunal não pode exigir ao Recorrente o cumprimento de qualquer reparação que lhe seja de todo impraticável. Não pode deixar de exigir apenas o razoável, sob pena de violar o princípio da equidade e proporcionalidade.

22. Por outro lado, o regime da suspensão da execução da pena enquadra-se na filosofia consagrada no sistema punitivo do Código Penal, no sentido de que a pena de prisão constitui a ultima ratio da política criminal, devendo sempre que possível ser aplicada pena não detentiva da liberdade.

23. O STJ tem vindo a entender, de forma pacífica, tratar-se a suspensão da execução de um poder-dever, de um poder vinculado do julgador, tendo o Tribunal sempre de fundamentar, especificadamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão.

24. De acordo com o disposto no n.º 2, do artigo 52.º, do Código Penal, os deveres impostos para a suspensão não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.

25. A norma legal acima referida consagra o princípio da razoabilidade a que tem de obedecer a imposição dos deveres.

26. Ao impor a condição de pagamento da quantia de € 16.233,69, o Meritíssimo Juiz sabia da impossibilidade de cumprimento do dever imposto ao Arguido.

27. Não devem ser impostos ao arguido deveres, nomeadamente, o de pagar a quantia de € 16.233,69, sem que seja viável a possibilidade de cumprimento desses deveres.

28. No caso dos autos, o Tribunal a quo, para além de averiguar a situação pessoal e económica do Arguido, conhecendo totalmente a capacidade financeira do mesmo, e verificando que o mesmo não tem condições para cumprir a injunção que condiciona a suspensão da prisão em que foi condenado, violou o princípio da razoabilidade e da equidade.

29. Tendo em conta o acima exposto, não se poderia ter decidido como se decidiu.

30. Facto pelo qual deve ser revogada a Sentença recorrida, com todas as consequências legais, o que, desde já, e aqui se requer.

31. Nunca poderia ter sido concedido um prazo de pagamento de apenas 1 ano e 6 meses.

32. Tendo em conta a situação económica e de saúde do Recorrente, tal condição mostra-se impossível de realizar e, consequentemente, empurra o Recorrente para a prisão.

33. Deve ser dado um prazo para pagamento superior, visto que a lei diz que pode ir até ao limite máximo de 5 anos.

34. A realização de tal condição tem de ser razoável para o recorrente.

35. Não poderia o Meritíssimo Juiz ter dado como provado que a sociedade obteve proveitos no valor de € 190.068,80, quer o valor de € 124.609,00, a título de custos indispensáveis para a realização daquela facturação, bem como o valor de € 16.233,09, a título de tributo, tendo em conta que os mesmos foram apurados através de métodos indirectos.

36. Conforme não se pode dar como provado o crime de Fraude Fiscal apenas com base em presunções que resultaram da aplicação de métodos indirectos pela Administração Tributária, como foi o caso nos presentes autos.

37. Não foi averiguado com toda a certeza absoluta que o valor apurado pela Administração Tributária corresponde à realidade, em virtude de não possuir documentos que comprovem esse valor.

38. O Meritíssimo Juiz deveria ter em conta o princípio do “in dubio pro reo”, constitucionalmente consagrado.

39. O Meritíssimo Juiz, ao decidir como decidiu, violou os preceitos constantes nos artigos 32.º, n.º 2, da CRP, 11.º, n.º 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, 14.º, n.º 2, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, e 6.º, n.º 2, da Convenção europeia dos Direitos do Homem.

40. Deixando o Meritíssimo Juiz de se pronunciar sobre estas questões que devesse apreciar, nomeadamente as já alegadas nesta peça processual, ou apreciando-as superficialmente, e com bastantes lacunas, como acima já se disse.

41. Lendo, atentamente, a Sentença recorrida, nesta parte, ou noutra parte qualquer, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar e fundamentar a real e efectiva situação do verdadeiro motivo da condenação do arguido.

42. A Sentença recorrida viola.

a) Artigos 374.º, 375.º, 377.º, 379.º, n.º 1, al. c), e 410.º, do CPP; b) Artigos 13.º, 32.º, 205.º, 207.º e 208.º, da CRP; c) Artigos 40.ª, 50.º, 70.º, 71.º, do CP; d) Artigos 14.º e 103.º, do RGIT; e) Artigo 11.º, n.º 2, da Declaração Universal dos direitos do Homem; f) Artigo 14.º, n.º 2, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos; g) Artigo 6.º, n.º 2, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

**** C) O recurso foi, em 9/10/2013, admitido.

**** D) O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu ao recurso, em 4/11/2013, defendendo a sua improcedência e apresentando as seguintes conclusões: 1. Não há qualquer dos vícios elencados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP.

  1. Existe prova do crime de fraude fiscal quando (além do mais) assente nos métodos indirectos de tributação, pelo que se justifica a condenação do ora recorrente.

  2. É justa a pena de prisão (suspensa na sua execução) aplicada ao arguido A..., sendo pertinaz o condicionamento de tal suspensão ao específico regime consagrado, para os crimes fiscais, no artigo 14.º, n.º 1, do RGIT.

    **** Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, em 13/12/2013, emitiu douto parecer, no qual defendeu a improcedência do recurso Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.

    Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar a legal conferência, cumprindo...

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