Acórdão nº 482/11.5TBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução25 de Março de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Em 14/02/2011[1] M… e marido, A… (1ºs AA. e Apelados) e D… e marido, J… (2ºs AA. e Apelados), demandaram R… e mulher, F… (1ºs RR. e Apelantes no contexto da presente instância de recurso), e Q… e mulher, H… (2ºs RR.).

Com esta acção pretendem os AA. o reconhecimento judicial de uma servidão de passagem com determinadas características – constituída de antanho por usucapião – em beneficio de dois prédios, respectivamente dos 1ºs e 2ºs AA., onerando prédios dos 1ºs RR. e um prédio dos 2ºs RR.

A este respeito formulam os AA. os seguintes pedidos: “[…] Deve a presente acção ser julgada procedente por provada, e em consequência:

  1. Declarar-se a propriedade dos Primeiros Autores sobre o prédio referido em 1º[[2]].

  2. Declarar-se a propriedade dos Segundos Autores sobre o prédio referido em [24º[3]].

  3. Declarar-se a existência de uma servidão de passagem, com as características referidas em 21º[[4]], em favor do prédio dos Primeiros Autores identificado em 1º e a onerar os prédios dos Primeiros Réus referidos em 7º[[5]].

  4. Declarar-se a existência de uma servidão de passagem, com as características referidas em 34º[[6]], em favor do prédio dos Segundos Autores identificado em [24º] e a onerar os prédios dos Primeiros Réus referidos em 7º e o prédio dos Segundos Réus referidos em 12º[[7]].

  5. Condenarem-se os Réus a reconhecerem as aludidas servidões de passagem e a absterem-se de actos que as violem, a desobstrui-las, bem como os Primeiros Réus a repor a situação prévia ao escavamento alegado em 42º[[8]].

    […]”.

    1.1.

    Contestaram os 2ºs RR. aceitando a existência de uma servidão onerando o respectivo prédio bem como o dos 1ºs RR., com mais de 30 anos de uso, apenas contestando a largura desta no que exceda 2,50 m.

    1.1.1.

    Os 1ºs RR., por sua vez, contestaram longamente (131º artigos para responder a 43º artigos dos AA.), negando terminantemente a existência de qualquer servidão em favor dos prédios de qualquer dos demandantes, invocando antes uma – notoriamente inexistente – excepção de ilegitimidade dos 1ºs AA., derivada de “só” reterem estes a nua propriedade do prédio dominante (com atribuição a terceiros do usufruto)[9]. E também invocaram os 1ºs RR., desta feita em abono da improcedência, a inexistência de encravamento do prédio dos 2ºs AA. (ou de encravamento superveniente só por divisão de um prédio matriz original)[10].

    1.2.

    Saneado e condensado o processo, evoluiu ele para o julgamento. A culminar este, depois de fixados os factos provados por referência à matéria questionada na base instrutória (isto através do despacho de fls. 576/587), foi a acção decidida em primeira instância pela Sentença de fls. 589/611 – esta constitui, integrada pelo aludido despacho de fls. 576/587, a decisão objecto do presente recurso – no sentido da procedência parcial, através do seguinte pronunciamento: “[…] a)- reconheço o direito de propriedade dos primeiros autores sobre o prédio referido no ponto 1) da factualidade assente [prédio dos 1ºs AA.], b) - reconheço o direito de propriedade dos segundos autores sobre o prédio referido no ponto 9) da factualidade assente [prédio dos 2ºs AA.], c) reconheço que em benefício do prédio referido em a) se encontra constituída uma servidão de passagem com as características e finalidades descritas nos pontos 22) a 39) da factualidade assente, a onerar os prédios referidos no ponto 6) da factualidade assente [prédio dos 1ºs RR.], condenando os primeiros réus a reconhecerem tal direito de servidão, d) reconheço que em benefício do prédio referido em b) se encontra constituída uma servidão de passagem com as características e finalidades descritas nos pontos 49) a 63) da factualidade assente, a onerar os prédios referidos em 6) e 8) da factualidade assente, condenando todos os réus a reconhecerem tal direito de servidão, e) condeno os primeiros réus a absterem-se de praticar quaisquer actos que violem os direitos de servidão reconhecidos em c) e d), a desobstruí-las bem como a reporem a situação anterior ao referido no ponto 68) da factualidade assente, f) absolvo os segundos réus do demais peticionado pelos segundos autores.

    […]”.

    1.3.

    Inconformados, apelaram os 1ºs RR. – a motivação e conclusões do recurso ocupam todo o 4º volume do processo, fls. 612/842 –, formulando as seguintes oitenta conclusões: “[…] II – Fundamentação 2.

    Relatado o essencial do iter processual que conduziu à presente instância de recurso, cumpre apreciar os fundamentos da apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pelos Apelantes – transcrevemo-las no antecedente item 1.3.

    [11] – operaram a delimitação temática do objecto do recurso, isto nos termos dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC) – ou, se se entendesse aplicável o Novo CPC, nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º deste[12]. Assim, fora das conclusões só valem, em sede de recurso, questões que se configurem como de conhecimento oficioso. Paralelamente, mesmo integrando as conclusões, não há que tomar posição sobre questões prejudicadas, na sua concreta incidência no processo, por outras antecedentemente apreciadas e decididas (di-lo, em qualquer dos casos, o artigo 660º, nº 2 do CPC, ou o artigo 608º, nº 2 do Novo CPC). E, enfim – esgotando a enunciação do modelo de construção do objecto de um recurso –, distinguem-se os fundamentos deste (do recurso) dos argumentos esgrimidos pelo recorrente ao longo da motivação, sendo certo que a obrigação de pronúncia do Tribunal ad quem se refere àqueles (às questões-fundamento) e não aos diversos argumentos jurídicos convocados pelo recorrente nas alegações.

    Tentando delimitar os fundamentos do recurso – isto, com correspondência nas conclusões, dentro do confuso argumentário dos Apelantes[13] –, temos, numa primeira aproximação, duas referências decisórias, correspondendo estas, genericamente, aos dois fundamentos que detectamos no presente recurso: (1) – a primeira referência – o primeiro fundamento da apelação (a) – é constituída pelo trecho do despacho de fls. 270 (o ponto 10 deste despacho) que desatendeu a reclamação dos 1ºs RR. quanto à base instrutória, reclamação constante de fls. 232/235. Pretendem os Apelantes a este respeito a quesitação adicional (logo a repetição do julgamento com esse objecto) dos elementos por eles indicados nesse requerimento de fls. 232/235[14]; (2) – a segunda referência decisória – o segundo fundamento do recurso (b) – respeita à Sentença final de fls.589/611, integrada pelo despacho de fls. 576/587, no sentido em que os Apelantes pretendem introduzir no recurso uma nova discussão total da matéria de facto em termos conducentes – em termos que eles pretendem venha a conduzir – à supressão dos elementos dos factos dos quais o Tribunal a quo deduziu o reconhecimento de uma servidão de passagem (o caminho da Eira), de antanho constituída por prescrição aquisitiva sobre o prédio dos 1ºs RR. (parcialmente sobre o prédio dos 2ºs RR. como estes reconheceram nesta acção logo à partida), em benefício dos prédios (os prédios dominantes) dos AA. Claro que este segundo fundamento do recurso visa, pela desejada mudança radical de todos os factos relevantes para a procedência parcial da acção, a obtenção de um julgamento-outro excluindo a existência da servidão afirmada na Sentença de primeira instância.

    São estes, pois, os fundamentos do recurso que, não obstante os moldes confusos em que a impugnação foi construída, conseguimos detectar no conjunto das oitenta conclusões apresentadas pelos Apelantes.

    2.1.

    Os factos fixados na primeira instância são os seguintes: “[…] 2.2. (

  6. Conforme acima caracterizámos este primeiro fundamento do recurso, nele está em causa o trecho com o nº 10 do despacho de fls. 269/271, trecho especificamente situado a fls. 270, que se pronunciou, desatendendo-a, sobre a reclamação dirigida pelos 1º RR. (a de fls. 232/235) quanto à selecção de factos constante da base instrutória. Pretendiam estes RR. nessa reclamação que fosse quesitado adicionalmente o teor dos artigos 27º a 30º, 73º a 78º e 127º da respectiva contestação.

    Estes elementos – e estamos a repetir aqui o sentido do que os 1ºs RR. afirmaram a fls. 232 e retomam, sem originalidade alguma, no presente recurso – permitiriam determinar, por um lado, que o prédio dos 2ºs AA. resultou de uma divisão que lhe retirou um acesso à via pública, originariamente existente, e que só em resultado de permutas envolvendo outros imóveis o prédio dos 1ºs AA. teria ficado encravado. Tratar-se-ia, portanto, defendem os 1ºs RR, de algo aparentado a um encravamento voluntário. Note-se que, em qualquer dos casos, esta questão aparece associada ao entendimento, sempre presente no argumentário destes RR./Apelantes, de que um hipotético não encravamento dos prédios dos AA. (ou um encravamento só superveniente ocorrido por mudanças dominiais diversas) excluiria a afirmação da existência da servidão de passagem aqui em causa.

    Trata-se este ponto de vista, como já de seguida veremos, de um solecismo. É que pressupõe esta construção – e tal pressuposição assenta num erro – a existência de uma ligação necessária entre o encravamento de um prédio, enquanto incidência apta a desencadear a constituição de uma servidão legal de passagem, nos termos do artigo 1550º do Código Civil (CC)[15], e a constituição de qualquer (outra) servidão de passagem mesmo que baseada, como aqui sucede, num uso reiterado determinante de uma prescrição aquisitiva (a designação pretérita da usucapião) relativamente a prédio dominante não encravado ou cuja comunicação com a via pública não possa ser considerada insuficiente. Ora, esta ligação necessária ou condicionante – que...

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