Acórdão nº 4212/08.0TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução27 de Março de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 13 de Novembro de 2008, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 1.º Juízo, 1.ª Secção, AA propôs acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra BB, S. A., pedindo: a) se declare a ilicitude do seu despedimento, efectivado em 13 de Agosto de 2008, por ser improcedente a justa causa invocada e a condenação da ré (i) a pagar-lhe a quantia de € 81.852,06, «a título de indemnização pelo despedimento ilícito», e a entregar-lhe a viatura que lhe atribuiu ou outra da mesma marca e modelo, e com semelhantes características, bem como a assegurar o pagamento das respectivas revisões, seguro automóvel e demais encargos legais, (ii) a pagar-lhe € 5.000, a título de danos não patrimoniais sofridos, (iii) em alternativa, a reintegrá-lo; b) a condenação da ré a pagar-lhe (i) € 20.003,47, relativos ao trabalho suplementar prestado e não pago e aos dias de descanso compensatório não gozados, (ii) € 14.236,82, respeitantes a comissões cujo pagamento lhe era devido e não foi efectuado, (iii) € 3.040,43, referentes a diferenças remuneratórias devidas por virtude da cessação do contrato de trabalho, (iv) as retribuições que se vencerem desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, (v) quantias a que acrescem juros legais, desde a data do vencimento da obrigação até integral pagamento.

A ré contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação, tendo, ainda, formulado pedido reconvencional; por impugnação, sustentou a admissibilidade da segunda nota de culpa e a verificação da justa causa do despedimento operado; por excepção e reconvindo invocou a compensação do crédito que detinha sobre o autor, no montante de € 985,58, referentes ao excesso de plafond de combustível e ao custo da reparação da viatura de serviço atribuída ao autor.

O autor respondeu, pugnando pela improcedência da excepção e reconvenção deduzidas e invocando que não se podiam atender, na decisão judicial, a alguns dos factos alegados na contestação, por não constarem da decisão disciplinar, tendo, ainda, declarado que optava por indemnização em substituição da reintegração.

Realizado o julgamento, exarou-se sentença, que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a ré a pagar ao autor a importância de € 5.716,08 (€ 5.700, a título de comissões de veículos usados ligeiros de passageiros, e € 16,08, referentes ao remanescente da retribuição por 13 dias de trabalho no mês de Agosto de 2008), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a data do vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento, e absolvendo a ré dos restantes pedidos, mais julgando improcedente a excepção de compensação de créditos invocada pela ré.

  1. Inconformado, o autor apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, julgando parcialmente procedente o recurso, alterou a matéria de facto, julgou ilícito o despedimento operado pela ré e condenou a ré a pagar ao autor indemnização em substituição da reintegração, «correspondente a 20 dias de retribuição base auferida à data do despedimento, por cada ano de antiguidade ou fracção, até à data do trânsito em julgado da sentença, a apurar em incidente de liquidação», as correspondentes retribuições intercalares e a quantia de € 2.500, a título de danos não patrimoniais e, além disso, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 2.056,81, a título de férias não gozadas, relativas ao ano de 2007, quantias acrescidas de juros de mora, à taxa legal, nos termos explicitados no ponto 7) do respectivo dispositivo.

    É contra esta deliberação que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que alinha as conclusões seguintes: «1.ª A Recorrente tem legitimidade (pois que decaiu), está em tempo e a decisão, enquanto Acórdão que pôs termo ao processo e conheceu do mérito da causa incidindo sobre a sentença proferida em 1.ª instância é recorrível à luz de todos os preceitos legais citados no requerimento de interposição (mormente nos termos do n.º 1 do artigo 629.º do NCPC), justificando-se a admissão e conhecimento do presente recurso de revista; 2.ª O presente recurso de revista, que assenta na violação da lei substantiva e, na equivocada interpretação e aplicação da lei de processo, tem por objeto e visa impugnar tudo quanto no Acórdão do Tribunal a quo foi desfavorável à Recorrente (i.e., tudo aquilo em que revogou a sentença proferida em l.ª instância), pois que a decisão recorrida procedeu a uma incorreta interpretação do Direito, especialmente (mas não só) porque não considerou, como se impunha, que o comportamento do Recorrido (ou antes, a sucessão de graves comportamentos seus) constitui um exemplo acabado de uma atuação claramente integradora do conceito de justa causa de despedimento; 3.ª A eliminação do 17.º facto julgado provado pelo Tribunal a quo configura uma flagrante violação do caso julgado formal verificado com o trânsito em julgado do despacho saneador no qual se fixou a matéria assente e organizou a base instrutória e do princípio dispositivo, impondo-se a revogação do Acórdão em crise também nesta parte, ou, subsidiariamente, que a matéria de facto provada em 1.ª instância se mantenha, quanto a este facto 17.º, inalterada, além de ser patente que nenhuma contradição existe entre esse facto e quaisquer outros julgados provados; 4.ª Com a eliminação referida na 3.ª conclusão ficou abalada a igualdade processual das partes e a possibilidade de a R./Recorrente fazer prova que poderia fazer (e que não teve de fazer porque considerava que o artigo 17.º era bastante para sinalizar determinada realidade), assim constrangendo o seu direito de acesso ao Direito e a uma tutela jurisdicional efetiva, comportando o Acórdão em crise uma interpretação violadora dos artigos 511.º, 672.º e 712.º do CPC e dos artigos 13.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa; 5.ª Esta equivocada interpretação judicial do disposto nos artigos 511.º e 712.º do CPC (na redação anterior à que entrou em vigor em 1 de setembro passado) teve consequências no desenrolar do sentido da decisão posta em crise, pois que gerou obscuridade/ambiguidade sobre a titularidade das fichas subtraídas e desaguando numa ideia (incorreta) de que o A./Recorrido estava supostamente convencido (o que é falso e inverosímil) de que as fichas de avaliação em causa nos autos seriam objetos pessoais seus, quando todos os factos provados demonstram, isso sim, que as fichas eram documentos propriedade da empresa, havendo, nesta parte, no Acórdão um clamoroso equívoco e erro de julgamento, sem qualquer apoio na base factual em que os autos assentam; 6.ª Existiu igualmente uma equivocada aplicação das leis de processo, mormente do disposto no artigo 490.º, n.º 2, do CPC, ao considerar-se admitido por acordo (e equivocadamente adicionado à factualidade provada sob o n.º 79.º) um facto que foi objeto de impugnação genérica e especificada (artigos 6.º, 270.º a 272.º da contestação de fls.) e que estava, além do mais, em contradição com a defesa da Recorrente quando globalmente considerada, decisão do Tribunal a quo que deve ser revogada e com isso ser igualmente revogada a condenação da Recorrente no pagamento de € 2.056,81, a título de férias não gozadas; 7.ª Conforme se demonstrou nos autos: enganar a entidade empregadora, ocultando dolosamente dela durante um escabroso período de 70 dias (!) o desaparecimento de uma viatura no elevado valor de € 17.500,00 que estava à sua guarda é um comportamento não urbano, desleal, não zeloso, nem diligente, constituindo um comportamento grosseiramente culposo, gravemente desrespeitador e desobediente, violador dos deveres de zelar pelos bens da empresa que, pela sua gravidade e consequências, torna totalmente impossível a subsistência da relação de trabalho — sendo assim que os artigos 121.º, n.º 1, alíneas a), c), d), e), f) e g), 396.º e 437.º do CT/2003 (ou artigos 128.º e 351.º do CT2009) deveriam ter sido interpretados e aplicados; 8.ª Conforme se provou nos autos: ter o Recorrido tentado vender uma viatura sabidamente desaparecida (e envolvendo nisso a sua equipa, para quem deveria ser uma referência e um exemplo), consciente de que não poderia consumar a venda e podendo prejudicar a Recorrente (e prejudicando-a mesmo) e a sua imagem é um comportamento não urbano, não zeloso; nem diligente, desleal, constituindo um comportamento maquiavelicamente culposo, grosseiramente desrespeitador da empresa e dos potenciais clientes da empresa que, pela sua gravidade e consequências, torna impossível a subsistência da relação de trabalho — sendo assim que os artigos 121.º, n.º 1, alíneas a), c), d), e), f) e g), 396.º e 437.º do CT/2003 (ou os artigos 128.º e 351.º do CT2009) deveriam ter sido interpretados e aplicados; 9.ª Como se demonstrou nos autos: quando da sua suspensão preventiva (facto que não gera a suspensão dos deveres laborais), ter o Recorrido levado consigo 1500 fichas de avaliação comprovadamente pertencentes à empresa, entre os quais os únicos exemplares das fichas de avaliação que, no seu verso, permitiam à Recorrente conhecer o nome do comerciante interessado na compra de determinado carro usado e em alguns casos o preço oferecido, ao cliente, mantendo-os fora da empresa durante um inacreditável período de mais de 50 dias, sabendo que essa atitude era suscetível de lesar a empresa (como comprovadamente lesou porque sabia que a empresa não poderia aceder a essa informação) é um comportamento não urbano, não zeloso, nem diligente, desleal, antes constituindo um comportamento culposo e vingativo, desrespeitador dos deveres de custódia e de zelar pelos bens confiados pelo empregador. Pela sua gravidade e consequências, este comportamento torna impossível a subsistência da relação de trabalho — sendo assim que os artigos 121.º, n.º 1, alíneas a), c), d), e), f) e g), 396.º e 437.º do CT/2003 (ou os artigos 128.º e 351.º do CT2009) deveriam ter sido interpretados e aplicados; 10.ª Ponderando as...

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