Acórdão nº 0836/08 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 03 de Dezembro de 2008

Magistrado ResponsávelANTÓNIO CALHAU
Data da Resolução03 de Dezembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I - O Representante da Fazenda Pública, não se conformando com a sentença do Mmo. Juiz do TAF de Viseu que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A..., Lda., com sede em Sever do Vouga, contra a liquidação n.º 900044.6, de 9 de Agosto de 2004, de imposto sobre produtos petrolíferos, e respectivos juros compensatórios, no montante global de € 66.056,98, e, em consequência, ordenou, por ilegal, a sua anulação, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:

  1. A norma contida no n.º 7 da Portaria 234/97, de 4 de Abril, não padece de inconstitucionalidade, quer orgânica quer material, por não ser inovatória face ao preceituado pela alínea e) do n.º 2 do artigo 3.º e pelo artigo 74.º do CIEC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/09, de 22 de Dezembro; B) A sentença ora recorrida, fundando-se na desaplicação de norma constitucional, faz errada aplicação do direito, enfermando, consequentemente, de ilegalidade.

    Contra-alegando, veio a impugnante dizer que: I) A Portaria n.º 234/97 foi publicada no contexto da subordinação da concessão de taxas reduzidas de ISP ao gasóleo destinado a uso agrícola à utilização de gasóleo colorido e marcado, em cumprimento de directivas comunitárias que já tinham motivado alterações às introduzidas pelas Leis n.ºs 10-B/96 e 52-C/96 aos Decs.-Leis n.ºs 123 e 124/93, que ao tempo estabeleciam as estruturas e as taxas desse imposto, bem como a publicação do Dec.-Lei n.º 15/97 e das Portarias n.ºs 200/96 e 93/97; II) Com a instituição do gasóleo colorido e marcado, e a decorrente aplicação da taxa reduzida de ISP logo no momento da declaração de introdução no consumo processada à saída dos entrepostos fiscais das empresas petrolíferas, deixou de estar assegurado que essas empresas, em nome das quais o produto é introduzido no consumo, e que estavam assim previstas como sujeitos passivos no n.º 1 do art.º 6.º do Dec.-Lei n.º 123/94, suportariam o imposto à taxa "normal" relativamente a todas as quantidades cuja venda a utilizadores finais não viesse a ficar registada no sistema de controlo do gasóleo agrícola através dos cartões de microcircuito a estes atribuídos; III) O controlo de afectação também não podia ser sistemático e eficazmente exercido junto das pessoas que detivessem, utilizassem ou beneficiassem com o consumo dos produtos que constituíam os demais sujeitos passivos do imposto, previstos para os casos de detenção ou introdução irregular no consumo no n.º 2 do referido art.º 6.º, pelo que se tornava necessário centrar a responsabilidade pelo pagamento da diferença entre a taxa reduzida aplicada na introdução no consumo à saída dos entrepostos fiscais e a taxa "normal", no caso de as vendas aos utilizadores finais não serem registadas através dos cartões electrónicos, no último acto da cadeia de comercialização, colocando-a a cargo dos titulares dos postos de venda ao público; IV) Sem que as alterações legislativas que haviam sido efectuadas em vista da instituição do gasóleo colorido e marcado tivessem procedido a essas adaptações, nomeadamente modificando o âmbito dos sujeitos passivos de ISP previsto no dito art.º 6.º do Dec.-Lei n.º 123/94, a Portaria n.º 234/97, que lançou as bases da rede de abastecimento desse produto à agricultura, veio estabelecer, no seu n.º 7, que só podendo o mesmo ser fornecido a titulares de cartões de microcircuito seriam os proprietários ou responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público responsabilizados pelo pagamento da diferença entre a taxa reduzida já aplicada e a aplicável ao gasóleo rodoviário em relação às quantidades que vendessem e não ficassem registadas no movimento contabilístico do posto (pretendendo aludir ao sistema informático de controlo do gasóleo agrícola gerido pela SIBS e a B... referido no n.º 8 seguinte); V) Ao assim estatuir, o n.º 7 da Portaria n.º 234/97 inovou, se não em matéria de incidência objectiva e de taxas, determinando que a venda ao público de gasóleo colorido e marcado sem registo no sistema informático tornava o ISP devido à taxa legalmente prevista para o gasóleo rodoviário, pelo menos em matéria de incidência subjectiva, ao estabelecer um responsável pelo pagamento distinto dos sujeitos passivos que se achavam contemplados na lei do imposto (dito art.º 6.º do Dec.-Lei n.º 123/94); VI) Como todas essas matérias estão contidas no âmbito da reserva relativa de lei formal, estabelecida nos art.ºs 106.º, n.º 2 e 168.º, n.º 1, al. i) da CRP, com a numeração que tinham ao tempo, esse n.º 7 da Portaria n.º 234/97, constante de instrumento normativo com natureza regulamentar, nasceu em violação dessas disposições da Lei Fundamental, e por isso inquinado da inconstitucionalidade que, em Acórdão de 03/10/2007, este STA lhe atribuiu; VII) Posteriormente aprovado pelo Dec.-Lei n.º 566/99, o CIEC incluiu desde o início entre os sujeitos passivos, contemplados na al. e) do n.º 2 do art.º 3.º, as pessoas singulares ou colectivas que, em situação irregular, vendam produtos sujeitos a impostos especiais de consumo e, a partir da redacção dada pela Lei n.º 109-B/2001 ao n.º 4 do seu art.º 74.º, a que corresponde o n.º 5 da redacção do Dec.-Lei n.º 223/2002, passou a determinar que o gasóleo colorido e marcado só pode ser adquirido por titulares de cartões de microcircuito atribuídos aos beneficiários, daí se podendo inferir a irregularidade da venda a não titulares desses cartões; VIII) Considerando este contexto normativo, que é também o da situação em causa nestes autos, respeitante a vendas efectuadas durante o ano de 2002, o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 321/2008, invocado pela Fazenda Pública em fundamento do seu Recurso, entendeu que o n.º 7 da Portaria n.º 234/97, ao responsabilizar os proprietários ou responsáveis legais pela exploração dos postos de venda ao público de gasóleo colorido e marcado pela diferença entre o ISP pago à taxa aplicada a esse produto e o calculado à taxa prevista para o gasóleo rodoviário, não enfermava de inconstitucionalidade, pois não excedia o que já resultaria da lei do imposto; IX) Todavia, incluindo-se a matéria da incidência subjectiva dos impostos no âmbito da reserva relativa de lei formal, a sua disciplina só pode ser estabelecida ou modificada por lei da AR ou decreto-lei do Governo ao abrigo de autorização legislativa, a qual deve definir com precisão o seu objecto, sentido e extensão, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 165.º da CRP (na numeração posterior à Revisão de 97); X) E a Lei n.º 67-B/98, ao abrigo da qual o Governo decretou o CIEC, não definia quaisquer alterações que pudessem ser introduzidas em matéria de sujeitos passivos, e excluía mesmo a alteração do âmbito de incidência que se achava delimitado na legislação do imposto que ao tempo vigorava; XI) Assim, a al. e) do n.º 2 do art.º 3.º do CIEC, na parte em que passava a considerar como sujeitos passivos as pessoas singulares ou colectivas que, em situação irregular, vendessem produtos sujeitos a ISP, que não se achavam incluídos no âmbito da incidência subjectiva desse imposto estabelecido na lei anteriormente vigente (art.º 6.º do Dec.-Lei n.º 123/94), enfermava de violação do referido princípio de reserva relativa de lei formal em matéria de elementos essenciais dos impostos, agora delimitado no n.º 2 do art.º 103.º e na al. i) do n.º 1 do art.º 165.º da CRP; XII) Pelo que o n.º 7 da Portaria n.º 234/97, na medida em que pressupusesse aquela determinação do CIEC, ou dispusesse no mesmo sentido, ficava igualmente afectado de violação destas normas da Lei Fundamental, e assim eivado da inconstitucionalidade que já o inquinara de início; XIII) Enfermando por isso ambas as normas de inconstitucionalidade prevista no art.º 277.º da CRP, devem a al. e) do n.º 2 do art.º 3.º do CIEC, na parte em que previa como sujeitos passivos de ISP as pessoas singulares ou colectivas que, em situação irregular, vendam produtos sujeitos ao imposto, e o n.º 7 da Portaria n.º 234/97, na parte em que previa a responsabilidade dos proprietários ou responsáveis legais pelos postos de venda ao público do gasóleo colorido e marcado pela diferença entre o montante de ISP liquidado e pago e o que seria devido se se tratasse de gasóleo rodoviário, ser desaplicados, em observância do disposto nos art.ºs 204.º da CRP e 1.º, n.º 2, do ETAF; XIV) E como essa responsabilização dos proprietários ou responsáveis legais dos postos autorizados para a venda ao público de gasóleo colorido e marcado pelo pagamento do valor de imposto correspondente à diferença entre a taxa aplicada a esse produto e a prevista para o gasóleo rodoviário, em relação às quantidades que vendam e não fiquem registadas no sistema informático subjacente aos cartões com microcircuito atribuídos, só veio a ser consagrada, com respeito pelo princípio da reserva de lei, por força do que foi depois estabelecido no n.º 5 do art.º 74.º do CIEC com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 53-A/2006, vigente a partir de 01/01/2007 e inaplicável a situações anteriores, por a retroactividade não ter sido prevista e contrariar o disposto no n.º 3 do art.º 103.º da CRP, não pode o presente recurso ser provido.

    O Exmo...

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