Acórdão nº 3871/12.4TBVFR-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 27 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelJOSÉ MANUEL DE ARAÚJO BARROS
Data da Resolução27 de Fevereiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)
  1. SECÇÃO – Processo nº 3871/12.4 TBVFR-A.P1 Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira – 3º Juízo Cível SUMÁRIO (artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil) I - No Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2013, há desfasamento entre a factualidade dos acórdãos fundamento e recorrido e a que foi pressuposta na argumentação de direito, que se repercute na parte dispositiva, no sentido de que «tendo o aval sido prestado de forma irrestrita e ilimitada, não é admissível a sua denúncia por parte do avalista, sócio de uma sociedade a favor de quem aquele foi prestado, em contrato em que a mesma é interessada, ainda que, entretanto, venha a ceder a sua participação social na sociedade avalizada», nesta se considerando o aval prestado numa livrança completa, enquanto aquela se reportava a aval prestado numa livrança em branco II - Resulta do preceito do artigo 10º, ex vi artigo 77º, da Lei Uniforme de Letras e Livranças, poder o obrigado cambiário opor ao portador de uma livrança em branco o preenchimento por este daquela contrariamente a acordo que tenham pactuado III - Salvo prova em contrário, de ocorrência de circunstâncias excepcionais, o acordo no qual o sócio e gerente de uma sociedade garante o pagamento de um débito desta ao respectivo credor, subscrevendo como avalista uma livrança que será preenchida pelo credor no caso de incumprimento, tem como pressuposto aquela sua qualidade, no momento em que a obrigação a incumprir seja constituída IV – O que, se não constar expressamente do dito acordo, deve ser todavia incluído no seu âmbito, por recurso a integração da declaração negocial, nos termos do artigo 239º do Código Civil V - Com fundamento nessa base negocial, é admissível a resolução de um tal pacto de preenchimento por parte daquele sócio gerente, em virtude de ter deixado de ser sócio e de na sociedade ter cessado funções, limitando a sua vinculação às obrigações assumidas pela sociedade enquanto tinha a referida qualidade VI – O contrato pelo qual um banco concede crédito em conta corrente caucionada a uma sociedade, disponibilizando-lhe a utilização de quantias até determinado montante, pode ser resolvido pelo ex sócio e gerente desta que o havia subscrito e, simultaneamente, tinha dado aval pessoal a livrança a preencher pelo montante em dívida em caso de incumprimento, declinando responsabilidade pelas quantias que venham a ser utilizadas após a cessação daquela sua qualidade VII - Ao contrário dos antigos assentos, os acórdãos de uniformização de jurisprudência poderão (e deverão) não ser respeitados se surgirem novas circunstâncias ou se forem aduzidos argumentos não considerados no acórdão que, pela sua marcante relevância, justifiquem uma decisão diversa VIII – Não será de seguir a jurisprudência uniformizada do AUJ nº 4/2013, se interpretada como abarcando o aval aposto em livrança em branco Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto I RELATÓRIOPor apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa que B…, SA, moveu contra C…, D…, E…, F… e G…, veio o executado G… deduzir oposição à execução.

    Fundamentou a sua pretensão, em síntese, no facto de o aval que por si foi dado e constante da livrança executada ter sido em tempo denunciado à exequente, em virtude de o opoente ter cessado as funções na sociedade subscritora daquela, mais alegando que o silêncio da exequente perante essa sua declaração consubstancia uma aceitação tácita desta, pelo que o accionamento da livrança pela exequente traduz exercício abusivo do direito. Sem prescindir, alega ter havido preenchimento abusivo da referida livrança.

    Apresentou-se a exequente a contestar, impugnando os factos aduzidos pelo oponente, defendendo que a denúncia do aval não tem nenhuma eficácia, que não agiu abusivamente e que a livrança foi preenchida de acordo com o pactuado.

    Saneado e instruído o processo, efectuou-se julgamento, após o qual foi proferida sentença, que julgou a oposição improcedente.

    Inconformado, veio o oponente interpor recurso, o qual foi admitido como de apelação, com subida imediata e nos próprios autos, sendo o seu efeito meramente devolutivo.

    A exequente contra-alegou.

    Foram colhidos os vistos legais.

    II FUNDAMENTAÇÃO1. FACTOS 1. O banco exequente celebrou um contrato de locação financeira e um contrato de conta corrente com a sociedade subscritora das livranças dada à execução. (artigo 1º da oposição) 2. Com a celebração dos referidos contratos, foi entregue ao banco exequente uma livrança em branco para cada um dos mesmos, subscrita pela referida sociedade e avalizada, entre outros, pelo ora oponente. (artigo 2º da oposição) 3. Por cartas datadas de 06.03.2009, 23.03.2009 e 18.08.2009, o oponente denunciou o referido aval. (artigo 3º da oposição) 4. O oponente informou a exequente que renunciou a todos os cargos de administração que desempenhava nas empresas do grupo H…, entre as quais, na sociedade subscritora da livrança dada à execução, tendo apresentado aos restantes accionistas proposta de alienação da sua participação social. (artigo 4º da oposição) 5. Nos vários contactos efectuados pelo oponente ao banco exequente, sempre lhe foi referido que o assunto estava a ser resolvido, nomeadamente com a negociação de reestruturações às dívidas das empresas envolvidas. (parte artigo 7º da oposição) 6. O oponente recebeu, em 3 e 4 de Abril de 2012, missivas do banco exequente dando conta da resolução dos contratos e preenchimento das livranças caução. (artigo 13º da oposição) 7. O oponente denunciou o aval prestado nas livranças dadas à execução nos presentes autos e fê-lo em momento prévio à data de vencimento aposta nas mesmas e da resolução dos contratos por parte do banco. (artigo 14º da oposição) 8. A resolução dos contratos em causa e preenchimento das livranças aconteceram em Abril de 2012, três anos após a denúncia do aval comunicada pelo oponente em Março de 2009. (artigo 15º da oposição) 9. E fê-lo mediante declaração de denúncia, enviada por carta registada com A/R, a qual foi recebida pelo banco exequente. (artigo 16º da oposição) 10. O oponente fez saber ao banco exequente que após a data da comunicação de denúncia dos avales prestados, não aprovava “… a prorrogação, renovação, renegociação ou celebração de novos contratos de empréstimos, nem a disponibilização de valores previamente autorizados em contas corrente caucionadas de qualquer das sociedades que integram o Grupo H… que se encontrem garantidos por avales, fianças ou outras garantias prestadas por mim sem o meu prévio consentimento por escrito”. (artigo 25º da oposição) 11. O contrato de locação financeira imobiliária nº………, celebrado em 21 de Maio de 2007, com a co-executada “I…, Ldª”, foi assinado pelo oponente, tendo o mesmo conhecimento da celebração dele e ficando com cópia para si. (artigos 52º e 53º da contestação) 12. Em data anterior à celebração do contrato de locação financeira em 18.05.2007, o oponente assinou o pacto de preenchimento da livrança que garante o bom cumprimento do contrato de locação financeira, tendo a sua assinatura sido reconhecida. (artigos 54º e 55º da contestação) 13. O oponente assinou o contrato de locação financeira e as suas condições particulares, na qualidade de gerente da locatária, e também a livrança que garantia o bom cumprimento do mesmo e o seu pacto de preenchimento, tendo as mesmas sido reconhecidas, tendo o oponente perfeito conhecimento do seu teor, quer do contrato de locação financeira quer do pacto de preenchimento. (artigos 56º a 58º e 60º da contestação) 14. O oponente assinou o contrato de conta corrente caucionada, celebrado em 6 de Abril de 2006 e a respectiva alteração em 26.06.2006. (artigos 62º e 63º da contestação) 15. A cláusula 9ª do contrato de conta corrente caucionada prescrevia que seria entregue à exequente uma livrança subscrita por I…, Ldª, e avalizada por C…, o oponente, E…, F… e D…, ficando a exequente autorizada a preenchê-la no que se refere à data de vencimento, ao local de pagamento e aos valores, até ao limite das responsabilidades emergentes do contrato de conta corrente caucionada. (artigo 64º da contestação) 16. A exequente não foi ressarcida dos créditos que detinha sobre a locatária e mutuária, através do bom cumprimento dos contratos e, uma vez que foram incumpridos os contratos, a exequente preencheu as livranças avalizadas pelo oponente, tendo o mesmo sido interpelado, contendo tal interpelação a informação que as livranças iriam ser preenchidas. (artigos 67º a 70º da contestação) CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES DO RECORRENTE 1ª. Vem o presente recurso interposto da douta Sentença que, julgando a presente oposição totalmente improcedente por não provada.

  2. Incide o presente recurso sobre matéria de direito, nos termos supra expostos.

  3. Pretende o Recorrente ver reprovada a sentença por a douta opinião do Tribunal carecer da ponderação de circunstâncias concretas ao caso, constantes da fundamentação de facto, que admitem o reconhecimento de tal faculdade de desvinculação unilateral.

  4. Tal razoabilidade funda-se na “ponderação da interface que, através do acordo de preenchimento, se estabelece com a relação jurídica pela sociedade. Nos financiamentos bancários típicos, como a abertura de crédito simples ou em conta corrente, o fluxo financeiro que determina a dívida cambiarmente garantida depende das solicitações feitas pela sociedade em cada momento – o que confere pleno sentido à tese segundo o qual a cessação da qualidade de sócio implica uma inexigibilidade de permanecer vinculado como garante”.

  5. Pelo que se pode já vislumbrar que a permanência do ora Recorrente enquanto garante da obrigação cambiária, face aos factos provados, não é admissível, por representar uma violenta distorção da vontade...

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