Acórdão nº 23/05.3TBGRD.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 06 de Março de 2014

Magistrado ResponsávelPINTO DE ALMEIDA
Data da Resolução06 de Março de 2014
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]: I.

AA intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinária, contra o Dr. BB.

Pediu que o réu seja condenado a pagar-lhe uma indemnização no valor global de € 103.217,70, acrescida de juros.

Como fundamento, alegou que, no início do ano de 1998, recorreu aos serviços do réu, advogado de profissão, que lhos prestou, tendo, além do mais, elaborado o acordo indicado em 7º e dado instruções a CC para preenchimento de uma letra de câmbio no valor de 20.000.000$00, que serviria de meio de pagamento para o negócio referido.

Em virtude da mencionada letra não ter sido paga o aqui réu aconselhou-o a instaurar acção executiva, o que fez sob o patrocínio do réu, tendo sido instaurados embargos, que foram julgados procedentes, decisão esta que foi confirmada na Relação e no Supremo, com a consequente extinção da execução.

Para além de não ter obtido o pagamento da quantia titulada na letra foi responsabilizado pelo pagamento de € 5.606,72, de custas processuais.

O réu convenceu o autor a instaurar nova execução em ordem à obtenção do pagamento dos 20.000.000$00, usando como título executivo o acordo de pagamento, que ainda corre termos e que, independentemente de vir a receber este valor no âmbito de tal processo, facto é que se mostra prejudicado pela sua não percepção até hoje.

Sofreu prejuízos, correspondentes aos juros de mora vencidos desde a data do vencimento da dívida até hoje e que ascende a € 40.233,04 e às já mencionadas custas processuais.

Fruto da actividade do réu, ficou despojado de quantia com a qual contava para enfrentar a sua vida e respectivos encargos, tendo-se visto obrigado a vender “ao desbarato” o imóvel indicado em 53 pelo preço de € 2.500,00, quando vale pelo menos € 15.000,00, tendo ficado prejudicado em € 12.500,00. E renunciou aos bens descritos em 70, no valor de €29.877,94.

Em consequência, sentiu-se triste e amargurado, pois que também teve de recorrer a empréstimos de amigos, tem dificuldades junto da banca e do fisco, sofrendo danos morais.

Contestou o réu, tendo invocado as excepções da prescrição e do enriquecimento sem causa, e impugnou a matéria alegada pelo autor invocando factos donde resulta que a sua conduta processual não mereceu qualquer reparo.

Acrescentou que o autor não lhe pagava as provisões, despesas e honorários, razão pela qual renunciou às procurações que lhe haviam sido outorgadas.

Concluiu pela improcedência da acção e requereu a intervenção principal provocada da seguradora DD - ....

Replicando, o autor pronunciou-se sobre as excepções invocadas pelo réu, concluindo como na petição inicial.

Foi admitida a intervenção acessória da seguradora DD - ..., S.A..

Citada, a chamada veio contestar, impugnando, dizendo que as verbas peticionadas são elevadas e que o réu tratou com zelo as questões, tendo usado de todos os recursos da sua experiência, saber e actividade, em conformidade com o art. 83º n.º 1 al. d) do EOA, além dos danos alegados não terem nexo causal com a actuação do réu.

Concluiu pela improcedência da acção.

Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo o réu e a chamada do pedido formulado pelo autor.

Discordando desta decisão, dela apelou o autor, tendo a Relação confirmado a sentença recorrida.

Ainda inconformado, o autor pede agora revista, tendo apresentado as seguintes conclusões: 1) (…) 2) O mandato judicial ou forense configura um contrato de mandato oneroso, com representação, de acordo com o estipulado pelos artigos 1157°, 1158° e 1178º, sendo os advogados constituídos responsáveis, civilmente, nos termos gerais, perante os seus clientes, em virtude do incumprimento ou do seu cumprimento defeituoso, em termos de responsabilidade contratual, por força do disposto no artigo 798°, todos do CC.

3) Da matéria de facto provada resulta (acredita-se) que o primeiro Réu violou as normas estatutárias e contratuais a que se encontrava vinculado para com o autor, mais lhe causando danos que se objectivaram: na impossibilidade de este fazer valer, na totalidade ou em parte, a sua pretensão creditória, deixando, assim, de receber o quantitativo pecuniário de € 100.000,00 (e juros respetivos), a que se tinha proposto quando passou procuração forense ao réu com vista à propositura da acção executiva com essa finalidade: e, por outro lado, na interposição de acção de divórcio, ao arrepio das regras processuais a tanto atinentes, daí resultando a perda de direitos de natureza patrimonial do autor (por cumulação indevida de pedidos).

4) A actuação do réu (melhor densificada nos factos já dados como provados no âmbito do presente processo) constitui uma omissão, ético-juridicamente, censurável do normal exercício do patrocínio judiciário; e, por outro lado, o Réu não demonstrou, como lhe cabia, que a omissão ilícita do cumprimento do meio, contratualmente, exigível, diligente e adequado, de acordo com as regras estatuárias e deontológicas da profissão de advogado, não decorreu de culpa sua, que, consequentemente, lhe é imputável, a título de culpa.

5) Como assim, o Réu violou, ilícita e culposamente, o contrato de mandato forense que celebrou com o autor, deixando de satisfazer, pontualmente, a obrigação de diligente e zelosa interposição de acção executiva destinada a obter o cumprimento de prestação creditória por banda do autor, bem como a interposição de acção de divórcio, de acordo com as regras processuais a tanto atinentes, sem que daí resultasse a perda de direitos de natureza patrimonial (por cumulação indevida de pedidos) – o que importa o cumprimento defeituoso da obrigação, e que o torna responsável pelo prejuízo causado ao credor, nos termos das disposições combinadas dos artigos 798° e 799°, nº 1, ambos do CC.

6) O ordenamento jurídico-civil nacional tutela o dano conhecido pela «perda de chance» ou de oportunidade, que ocorre quando uma situação omissiva faz perder a alguém a sorte ou a «chance» de alcançar uma vantagem ou de evitar um prejuízo, como aconteceu, no caso concreto.

7) Ora, considerado o direito de defesa como um bem juridicamente tutelado, não só pela lei processual como pelo contrato de mandato celebrado entre o autor e o Réu, a concreta impossibilidade do seu cabal exercício, por omissão culposa deste, representa um prejuízo ou dano, em si mesmo considerado, isto é, um dano autónomo.

8) O dano da «perda de chance» deve ser avaliado, em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos...

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