Acórdão nº 578/10.0TBVNO.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Fevereiro de 2014

Magistrado ResponsávelHENRIQUE ANTUNES
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

Relatório.

M… pediu ao Sr. Juiz de Direito do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ourém que condenasse O…, Lda. a pagar-lhe a quantia de € 13 471,45, acrescida de juros de mora vincendos, contados sobre € 11 466,33.

Fundamentou esta pretensão no facto de, no exercício da sua actividade empresarial de construção civil, ter prestado à ré, na construção de um prédio urbano, serviços e de a ré não lhe ter pago as últimas três facturas, no valor de € 11.466,33, que venceram juros no valor de € 2.005,12.

A ré defendeu-se alegando que não foi fixada data de pagamento dos trabalhos, que estes só seriam pagos caso não existisse reclamação, decorrido um ano sobre a factura, que tem sido interpelada pelos compradores das fracções para suprir os defeitos dos trabalhos realizados pelo autor, que este não efectuou todas as reparações necessárias ao bom funcionamento da obra, de modo a que os compradores se sintam satisfeitos, tendo o autor, para que possa ser obrigada a pagar-lhe, que fazer os seguintes trabalhos: azulejos mal aplicados e betonados em toda a obra, degraus do patamar mal montados e que estão a cair devido a deficiente aplicação, paredes da garagem mal rebocadas e com defeito na aplicação dos blocos, vários defeitos no 1º andar esquerdo, fracção D), vendida a C…, defeitos de que já reclamou junto do autor, que este conhece e prometeu reparar, o que não fez até hoje.

O autor respondeu que os trabalhos foram devidamente prestados, não tendo existido qualquer reclamação, que os trabalhos deveriam ser pagos no prazo de vencimento das facturas – 30 dias após a sua emissão – e que nunca foi interpelado quer pela ré, quer pelos compradores, para proceder a qualquer reparação ou suprir quaisquer defeitos.

Abstida a selecção da matéria de facto e produzida prova pericial, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com registo sonoro dos actos de prova levados a cabo oralmente, designadamente do depoimento de parte do autor, do qual se assentou, na acta, que admitiu que o acabamento de alguns azulejos aplicados na cozinha do apartamento pertencente a C… foi mal efectuado e ainda que na instalação sanitária comum desse mesmo apartamento algumas juntas de azulejos estão mal acabadas.

A sentença final, proferida no dia 22 de Abril de 2013 - com fundamento em que o relacionamento contratual entre o autor e a ré consubstancia um contrato de empreitada, que o autor prestou serviços à ré, designadamente na construção de um edifício, no valor de € 11.466,33, que não resultou provada a existência de qualquer defeito da responsabilidade do autor, não tendo a ré motivos para recusar a sua prestação com base na excepção do não cumprimento do contrato, e que a ré não procedeu ao pagamento do preço dos trabalhos, tendo os competentes juros de mora comerciais começado a vencer-se 30 dias após a data da emissão das facturas -, julgou a acção procedente.

É esta sentença que a ré impugna através do recurso ordinário de apelação – no qual pede a revogação dela – tendo encerrado a sua alegação com estas conclusões: … Não foi oferecida resposta.

A Sra. Juíza, no despacho de admissão do recurso, indeferiu a declaração de nulidade da sentença apelada, com fundamento na falta de fundamentação, omissão e excesso de pronúncia e contradição intrínseca, arguida pela apelante na sua alegação de recurso.

  1. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

    3.1. O Tribunal de que provém o recurso julgou não provados, na fase da audiência, os seguintes enunciados: 2.º O azulejo e os mosaicos estão mal aplicados e betonados em toda a obra.

    1. Os degraus do patamar estão mal montados e a cair, devido à sua má aplicação.

    2. As paredes da garagem estão mal rebocadas e com defeito na aplicação dos blocos.

    3. A fracção D do prédio em causa apresenta deficiências cuja reparação foi já reclamada pelo respectivo proprietário junto do autor.

      3.2. O decisor de facto da 1ª instância adiantou, para justificar o julgamento referido em 2.1., a seguinte motivação: … 3.3. O Tribunal de que provém o recurso julgou provados, na sua globalidade, os factos seguintes: 1.º O autor é empresário em nome individual, com actividade na área da construção civil.

    4. A ré tem por objeto social a indústria de construção civil e obras públicas, compra e venda de bens imóveis rústicos ou urbanos, revenda de adquiridos para esse fim, urbanização e construção de imóveis e sua revenda em bloco ou propriedade horizontal.

    5. No exercício da sua atividade comercial o autor prestou serviços à ré, designadamente na construção de um prédio urbano, no período de Janeiro de 2005 a Abril de 2009.

    6. Por conta dos serviços prestados o autor emitiu as seguintes facturas: - n.º 83, datada de 30-05-2008, no valor de 3.669,93€, com vencimento em 30-06-2008; - n.º 107, datada de 13-12-2008, no valor de 4.302,00€, com vencimento em 13-01-2009; - n.º 115, datada de 18-05-2009, no valor de 3.494,40€, com vencimento em 18-06-2009, tudo conforme as referidas facturas, constantes de fls. 39 a 41, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, nomeadamente quanto à discriminação dos serviços efetuados.

  2. Fundamentos.

    3.1.

    Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

    Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito, subjectivo ou objectivo, do recurso pode ser limitado pelo próprio recorrente. Essa restrição pode ser realizada no requerimento de interposição ou nas conclusões da alegação (artº 684 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

    Nestas condições tendo em conta o conteúdo das alegações da recorrente, as questões concretas controversas que importa resolver são das de saber se: a) A sentença impugnada se encontra ferida com o vício da nulidade substancial; b) O decisor de facto da 1ª instância incorreu, na decisão da matéria de facto controvertida, num error in iudicando, por erro na avaliação da prova; c) A decisão impugnada deve ser revogada e substituída por outra que absolva a recorrente do pedido.

    3.2.

    Nulidade da sentença impugnada.

    Como é comum, a recorrente assaca à decisão recorrida o vício grave da nulidade. Por uma multiplicidade de causas, de resto: a falta de fundamentação e, do mesmo passo, o excesso e a omissão de pronúncia e a contradição intrínseca.

    A falta de motivação ou fundamentação verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. A nulidade decorre, portanto, da violação do dever de motivação ou fundamentação de decisões judiciais (artºs 208 nº 1 da Constituição da República Portuguesa e 158 nº 1 do CPC de 1961 e 154 nº 1 do NCPC).

    Isto é assim, dado que uma das funções essenciais de toda e qualquer decisão judicial é convencer os interessados do bom fundamento da decisão. A exigência de motivação da decisão destina-se a permitir que o juiz ou juízes convençam os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz ou juízes devem passar de convencidos a convincentes.

    Compreende-se facilmente este dever de fundamentação, pois que os fundamentos da decisão constituem um momento essencial não só para a sua interpretação – mas também para o seu controlo pelas partes da acção e pelos tribunais de recurso[1].

    A motivação constitui, pois, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível – como sucede na espécie sujeita -, de garantia do direito ao recurso.

    Portanto, o dever funcional de fundamentação não está orientado apenas para a garantia do controlo interno - partes e instâncias de recurso - do modo como o juiz exerceu os seus poderes. O cumprimento daquele dever é condição mesma de legitimação da decisão.

    Na motivação da decisão o juiz deve desenvolver uma argumentação justificativa da qual devem resultar as boas razões que fazem aceitar razoavelmente a decisão, numa base objectiva, não só para as partes, mas também – num plano mais geral – para toda a comunidade jurídica. Na motivação o juiz deve demonstrar a consistência dos vários aspectos da decisão, que vão desde a determinação da verdade dos factos na base das provas, até à correcta interpretação e aplicação da norma que se assume como critério do juízo. Da motivação deve resultar particularmente que a decisão foi tomada, em todos os seus aspectos, de facto e de direito, de maneira racional, seguindo critérios objectivos e controláveis de valoração, e, portanto, de forma imparcial[2]. Dito doutro modo: a decisão não deve ser só justa, legal e razoável em si mesma: o juiz está obrigado a demonstrar que o seu raciocínio é justo e legal, e isto só pode fazer-se emitindo opiniões racionais que revelem as premissas e inferências que podem ser aduzidas como bons e aceitáveis fundamentos da decisão[3].

    A fundamentação da decisão é, pois, essencial para o controlo da sua racionalidade. Pode mesmo dizer-se que esta racionalidade é uma função daquela fundamentação. E como a racionalidade da decisão só pode ser aferida pela sua fundamentação, esta fundamentação é constitutiva dessa mesma racionalidade.

    Numa palavra: a exigência de fundamentação decorre da necessidade de controlar a coerência interna e a correcção externa da decisão.

    No entanto, quanto a este ponto, há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (artº 158 nº 1 do CPC de 1961 e 154 nº 1 do NCPC)[4].

    Tem-se, porém, entendido que o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação[5]; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente: afecta o valor doutrinal...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT