Acórdão nº 633/13 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Setembro de 2013

Magistrado ResponsávelCons. Pedro Machete
Data da Resolução26 de Setembro de 2013
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 633/2013

Processo n.º 301/13

  1. Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    1. A., recorrente nos presentes autos em que é recorrido o Ministério Público, foi condenado por acórdão de 19 de junho de 2012 da 4.ª Vara Criminal da Comarca do Porto, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de quatro anos e três meses de prisão.

      Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, por decisão sumária de 21 de novembro de 2012, julgou o recurso manifestamente improcedente. Novamente inconformado, apresentou reclamação para a conferência. Por acórdão de 30 de janeiro de 2013, aquele Tribunal da Relação confirmou a decisão sumária reclamada.

      Novamente insatisfeito, recorreu para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (adiante referida como “LTC).

    2. Mediante a Decisão Sumária n.º 268/2013 foi decidido não conhecer do objeto do presente recurso de constitucionalidade, por ausência de pressupostos. Com efeito, depois de proceder a uma sumária descrição da função e dos pressupostos do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), (cfr. o n.º 4 da citada Decisão), considerou o relator:

      5. Vejamos de seguida, de modo detalhado, como é que se constata a ausência de pressupostos essenciais ao conhecimento do mérito do presente recurso de constitucionalidade:

      5.1. A questão enunciada no ponto I) do requerimento de interposição do presente recurso diz respeito ao artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. Perante o tribunal recorrido, nas respetivas alegações de recurso, o recorrente suscitou a inconstitucionalidade deste preceito, por violação do princípio da proporcionalidade, uma vez que o mesmo, reportando-se embora na sua previsão a condutas tão díspares, sanciona cada uma delas com a mesma moldura penal.

      5.1.1.Importa começar por sublinhar que o recorrente não questiona nem a solução dada nas instâncias à questão de facto nem a medida da gravidade dos factos por que foi condenado na sua conjugação com o tipo objetivo do citado artigo 21.º ou, alternativamente, com o tipo objetivo menos grave do artigo 25.º do mesmo diploma. Essas são questões que apenas relevariam da própria decisão recorrida, e não já do critério normativo pela mesma aplicado, e que, como tal, não constituem objeto idóneo do recurso de constitucionalidade. O que o recorrente pretende sindicar é a proporcionalidade do referido critério normativo: a punição de acordo com a mesma moldura penal de condutas típicas tão díspares.

      5.1.2. Considerando esta dimensão do pedido, é, ainda assim, questionável se o recorrente suscita a questão de constitucionalidade em moldes processualmente adequados, uma vez que não indica as razões que motivariam um eventual juízo de inconstitucionalidade. Como se afirmou no Acórdão n.º 710/2004 (disponível, como os demais adiante referidos, em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ ), o “pressuposto de admissibilidade do recurso só é, em regra, de considerar preenchido quando o interessado, pelo menos, identifica a norma que reputa de inconstitucional, menciona a norma ou princípio constitucional que considera infringido e justifica, ainda que de forma sumária, mas de modo claro e preciso, as razões que, no plano constitucional, invalidam a norma e impõem a sua ‘não aplicação’ pelo tribunal da causa, ao abrigo do disposto no artigo 204.º da Constituição.”

      No caso concreto, para que tal ónus se pudesse ter por cumprido, seria necessário que o recorrente tivesse concretizado relativamente a qual ou a quais das condutas típicas previstas no preceito a moldura penal – ou a respetiva criminalização – se mostra excessiva e, outrossim, que as condutas típicas por si consideradas punidas em termos desproporcionais pela norma em análise fossem precisamente aquelas que estiveram na base da sua punição no caso dos autos (pois só essa parte da norma constituiu a ratio decidendi da decisão recorrida).Não basta, portanto, dizer-se que as condutas previstas no “artigo 21.º” – o recorrente nem sequer distingue os quatro números em que tal preceito se analisa - do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro são díspares e que, por isso, a previsão e sanção das mesmas com idêntica moldura seria violadora do princípio da proporcionalidade. Uma eventual conclusão no sentido de um juízo de inconstitucionalidade do preceito em apreço com fundamento na violação deste parâmetro requer que, previamente, se analise a norma e se demonstre, enunciando as razões, qual, ou quais das condutas ali estão a mais. A mera constatação de que a norma abrange, na respetiva previsão, condutas bastante díspares entre si não é suficiente para daí fazer decorrer, automaticamente, a violação do princípio da proporcionalidade.

      A suscitação deste problema de constitucionalidade de modo adequado implicaria, portanto, que o recorrente justificasse, em termos precisos, a inconstitucionalidade, enquanto juízo de censura, identificando as condutas relativamente às quais se verificaria essa ofensa e enunciando as razões de uma tal censura. Esse esclarecimento não é, no entanto, prestado pelo recorrente pelo que subsiste o problema de saber relativamente a que condutas, de entre as que constam das previsões dos diferentes números do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, se verifica a ofensa do princípio da proporcionalidade. Não se pode, por isso, concluir que o mesmo tenha suscitado a questão de constitucionalidade de modo adequado perante o tribunal a quo. Este não decidiu tal questão e, pelo exposto anteriormente, também não estava obrigado a fazê-lo.

      5.1.3. Sem prejuízo, sempre se dirá que não assiste razão ao recorrente. Em especial, no que se refere ao n.º 1 do artigo 21.º do citado Decreto-Lei n.º 15/93 – porventura o número desse artigo que mais condutas “díspares” contempla – é de subscrever o entendimento perfilhado por este Tribunal no seu Acórdão n.º 262/2001:

      7. O preceito impugnado prevê o crime de tráfico e outras atividades ilícitas, equiparando vários comportamentos, que vão desde o cultivo ou a importação até à efetiva venda ou distribuição de substância proibidas. Qualquer um desses comportamentos típicos corresponde à consumação (formal) do crime em questão. No entanto, alguns desses comportamentos situam-se num momento anterior ao da consumação material do crime.

      […]

      8. O Direito Penal visa a proteção de bens jurídicos fundamentais, prevendo e punindo os comportamentos que de uma forma mais intensa ou, se se preferir, mais grave afetem esses mesmos bens jurídicos. Trata-se do princípio da necessidade e do mínimo de intervenção, que resulta do artigo 18º, n.º 2, da Constituição.

      A intervenção penal não tem, porém, de acontecer apenas nas situações em que o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora é efetivamente lesado pela conduta proibida. Em várias situações o legislador procede a uma antecipação da tutela penal, punindo comportamentos que ainda não lesaram efetivamente esse bem jurídico. Tal acontece, quando o comportamento em questão apresenta uma especial perigosidade para bens jurídicos essenciais à subsistência da própria sociedade, sendo, por essa via, legitimada aquela antecipação.

      No caso em apreciação, o preceito impugnado define o tráfico de substâncias proibidas por uma série de condutas conducentes à efetiva transmissão da substância. Assim, qualquer um dos comportamentos previstos implica a consumação do crime.

      Ora, a esta conceção subjaz o cariz particularmente perigoso das atividades em questão e a ideia do tráfico como processo e não tanto como resultado de um processo. Na verdade, o tráfico de droga assume consequências pessoais e sociais devastadoras (cuja relevância afigura-se agora ocioso realçar), que justificam plenamente uma intervenção penal preventiva sobre o processo que conduz a tais consequências, abrangendo várias atividades relacionadas com a atuação no mercado onde a droga se transaciona.

      Aliás, mesmo em situações onde se verifica uma particular perigosidade das condutas anteriores à consumação material do crime, “o que justifica a ilicitude (sem dúvida, também típica) é ainda a típica conexão com a atividade lesiva do bem jurídico, prosseguida pela ‘preparação’ do crime” (cf., Maria Fernanda Palma, A justificação por legítima defesa como problema de delimitação de direitos, vol. I, 1990, p. 324, referindo-se à punibilidade de atos preparatórios).

      […]

      A dimensão normativa impugnada encontra assim o seu fundamento na particular perigosidade das condutas que justifica uma conceção ampla de tráfico, desligada da obtenção do resultado transação. Porque se trata de condutas que concretizam de modo particularmente intenso o perigo inerente à atividade relacionada com o fornecimento de estupefacientes, o legislador antecipa a tutela penal relativamente ao momento da transação. A não punição da tentativa tem por justificação o facto de este crime não ser um crime de dano nem de resultado efetivo. Assim, a não punição de tentativa é apenas consequência de não se pretender antecipar mais a tutela penal já suficientemente antecipada na descrição típica.

      Ora esta construção normativa não viola qualquer disposição constitucional.

      5.2. A questão enunciada no ponto II) do requerimento de interposição recurso de constitucionalidade, integra a “interpretação normativa do artigo 344.º do Código de Processo Penal, no sentido de considerar que, tendo havido confissão integral e sem reservas dos factos constantes da acusação, os mesmos têm de ser dados como provados, mesmo que – como sucede nos presentes autos – o Tribunal tenha deliberado inexistirem factos não provados, ou dito de outro modo, considerou provadas as declarações prestadas pelo arguido em audiência de julgamento, que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT